Neste momento de enorme transformação, importa saber como vão as empresas organizar os locais de trabalho na nova era digital, mas também garantir a defesa dos direitos dos trabalhadores bem como o seu bem-estar. É preciso mais cooperação em vez de competição e a frase “já não há empregos para a vida” é mais real do que nunca.
Armindo Monteiro (Vice-Presidente da CIP), Mariana Pereira (Perita Associada da OIT Lisboa), Francisco Miranda Rodrigues (Bastonário da Ordem dos Psicólogos), Andrea Araújo (Membro da Comissão Executiva da CGTP) e Sofia Castro (Head of People Strategy da Sonae MC) formaram o painel do debate “Os Grandes Desafios da Atualidade: Trabalho Remoto, Locais de Trabalho, Horários e Saúde Mental”, inserido na Leading People – International HR Conference, “De Sapiens a Digital e até onde?”, que contou com a moderação de Diogo Agostinho, Diretor Executivo do NOVO Semanário.
É do conhecimento geral, e já vários estudos o comprovam, que as novas formas de trabalhar, em resposta à crise pandémica, têm, e continuam a ter, um impacto assinalável na saúde mental. Mas antes do COVID já existia algum grau de vulnerabilidade o que leva a diferentes vivências no momento da crise. Como refere Francisco Miranda Rodrigues, “as vulnerabilidades existentes a determinada altura, e este tipo de acontecimentos, levam a que estas vivências e o impacto sob o ponto de vista psicológico sejam muito diferentes.” O psicólogo chama a atenção de que saúde mental não é a ausência de doença, mas tem que ver com um bem-estar, ou seja “quando dizemos que a maior parte da população foi afetada do ponto de vista psicológico, não se está a dizer que sofreu uma doença mental”.
A heterogeneidade do contexto do trabalho e das diferentes experiências pessoais decorrentes da Pandemia é um tema que também preocupa a Organização Internacional do Trabalho. Mariana Pereira afirma que as “realidades diferentes entre as condições trabalho, remunerações, proteção social, vínculos e autonomia resultou num impacto diferenciado do teletrabalho e das condições, direitos e remunerações.” Segundo dados da OIT, as estimativas pré-pandemia indicavam que já existiam no mundo 7,9% de pessoas a trabalhar a partir de casa e 2,9% por conta de outrem. Durante o ano 2020 o potencial aumentou para cerca de 20 a 30% de trabalhadores em trabalho remoto, sendo que no auge da crise esse número terá chegado aos 40%. Contudo, e apesar da transformação em curso, “há lacunas que têm de ser debatidas num diálogo amplo com os empregadores e trabalhadores, e com os governos, para encontrar soluções que conduzam a um trabalho digno, independentemente da sua forma.”
O teletrabalho já é no Grupo Sonae uma realidade, assumindo, como Sofia Castro assinala, que “quando olhamos para o futuro vemos sempre cenários híbridos”. Mas a flexibilização laboral traz outras questões como a falta de interação social, que consequentemente afeta a construção de uma cultura e propósito comum. Apesar do cuidado no desenhos dos novos modelos de trabalho, é necessária agora viver essa experiência que só é possível quando se regressar em pleno a uma rotina de normalidade. A Sonae está concentrada em “privilegiar atividades coletivas para criar laços entre as pessoas” para além da procura de novos perfis que correspondam a skills relacionadas com a literacia digital e conhecimento e análise de dados.
Será que a legislação atual considera e protege os trabalhadores perante estes novos desafios? Andrea Araújo, em representação dos Sindicatos, afirma que existem muitas lacunas para além da cada vez maior dificuldade em se conseguir estabelecer um vínculo à empresa. A posição da CGTP acerca do teletrabalho é a de que “o teletrabalho foi, e está a ser neste momento, uma boa forma de responder a um problema de saúde pública, mas tendo em conta os prejuízos e os benefícios para os trabalhadores, consideramos que ele é prejudicial e portanto deve ser uma resposta pontual.” Existe também uma preocupação maior em relação aos novos empregos gerados pelas ferramentas e plataformas digitais, como o caso da Uber e Glovo, onde os direitos do trabalhador não existem.
“O teletrabalho não deve ser nem prémio nem castigo para ninguém”, quem o diz é Armindo Monteiro, em representação das empresas, onde a CIP afirma estar consciente de que o trabalho remoto representou a necessidade de aptidão tecnológica que pode ser à partida um fator de exclusão. Nas suas palavras, “a exigência é também para os próprios empregadores, pois têm de ter consciência que hoje já não é o relógio de ponto da era industrial que marca a relação laboral. Hoje um empregador não compra tempo.” Seja qual for a evolução dos modelos, há, na sua opinião, um aspeto que permanece, que é a dignificação do trabalho independentemente da sua forma. O Vice-Presidente da CIP refere ainda que “a ideia da família ao redor da indústria já não vai mais acontecer”, o que trouxe uma transformação na forma como nos organizamos. Em conclusão, na sua intervenção, afirma a importância “de se criar uma base social entre sindicatos e entidades que representam as empresas que seja de construção, em vez de uma atitude de reivindicação e competição”.
Se é verdade que já não há empregos para toda a vida, o tema das novas skills e aprendizagem ao longo da vida é cada vez mais urgente. Upskilling, portabilidade e transversalidade das skills irão marcar o futuro do trabalho que será muito mais móvel e flexível. Nas notas finais, Francisco Miranda Rodrigues chama a atenção para as pessoas, pois são elas o centro de toda a dinâmica e dá 3,2 milhões de razões para que se dê a importância devida à saúde e bem-estar da pessoa, número que equivale aos 3,2 mil milhões de euros que as empresas portuguesas perderam em 2019 devido a stress e problemas psicológicos nos locais de trabalho. “O que nós precisamos cada vez mais é de uma estratégia que tenha por base esta ideia final de que não há organizações e economia sem pessoas e que estas estejam nas melhores condições possíveis”, conclui.