Vivemos tempos inquietos. Tempos em que a incerteza e o medo empurram muitos para dentro, de volta aos seus pequenos quintais. Quintais ideológicos, quintais económicos, quintais nacionais. Mas se há algo que a história recente nos ensina é que não há futuro no isolamento. O mundo já não cabe em fronteiras apertadas. E insistir em soluções locais para problemas globais é não perceber o tempo em que vivemos.
A globalização, com todas as suas contradições, não é uma escolha — é uma realidade. Hoje, tudo está ligado: a energia, a tecnologia, a economia, a saúde, o clima. O que acontece num porto asiático afecta uma fábrica na europa. Uma decisão em Frankfurt ecoa em Lisboa. O mundo funciona em rede — e tentar desligar dessa rede é cortar o fio que nos mantém conectados ao progresso.
O recente apagão eléctrico que afectou simultaneamente zonas de Portugal e Espanha é um exemplo claro desta interdependência. Uma falha técnica, aparentemente localizada, expôs vulnerabilidades comuns e levantou, de imediato, vozes a questionar as interligações, a dependência energética, até a estratégia europeia. Mas talvez a verdadeira reflexão deva ser outra: será que somos mais fortes sozinhos? Ou será que estes momentos demonstram, precisamente, a urgência de reforçar as nossas ligações, os nossos acordos, os nossos sistemas partilhados?
Somos mais quando somos Portugal e Espanha, lado a lado. Somos mais quando somos Europa, quando partilhamos recursos, inteligência e solidariedade. E somos mais ainda quando reconhecemos que pertencemos a uma única casa: o mundo.
Importa sublinhar que, como é evidente, nem tudo está bem. Ainda temos muito por aprender — na forma como gerimos recursos, como garantimos justiça entre países, como equilibramos interesses económicos com direitos humanos e ambientais. Reconhecer isso não é sinal de fraqueza, é sinal de maturidade.
Fechar-nos no quintal pode parecer seguro. Mas é uma segurança ilusória. É uma nostalgia que ignora os desafios reais do nosso tempo: as alterações climáticas, a transição energética, as desigualdades sociais, as crises sanitárias. Nenhum destes problemas se resolve de forma isolada. Precisamos de políticas coordenadas, de cadeias de abastecimento globais, de alianças estratégicas e de valores comuns. Precisamos, sobretudo, de uma visão interligada da humanidade.
Portugal sempre foi maior do que o seu território. Navegámos mares, abrimos caminhos, ligámos culturas. A nossa vocação nunca foi o fechamento, mas a ligação. E agora, mais do que nunca, essa vocação precisa de ser resgatada. Temos de ser locais com alma global. Temos de saber quem somos, mas sem medo de abraçar o mundo.
A verdadeira soberania, hoje, é a capacidade de cooperar. A verdadeira força é partilhar. E a verdadeira liderança é aquela que sabe construir pontes em vez de levantar muros.
Não podemos voltar ao quintal. Porque é lá fora que a vida acontece. E é juntos que seremos sempre maiores.