Nini Andrade Silva é a designer portuguesa e arquiteta de interiores entre as mais reconhecidas no Mundo. Uma carreira com 35 anos que já valeu inúmeros prémios e distinções, destaques na imprensa internacional e cerca de 60 projetos de hotelaria, a área por excelência onde trabalha e cria com o seu atelier.
Começamos a falar sobre o seu estilo ‘ninimalista’ e acabamos a falar sobre como desenhar a vida. Nada surpreendente para uma mulher que vibra intensamente com o seu trabalho onde lidera uma equipa de cinquenta pessoas, entre o atelier, e outros mil colaboradores, nos locais dos hotéis. Nini não é da Madeira, é do Mundo. Em 15 dias já tinha feito oito viagens de avião e, em pouco mais de uma hora da nossa conversa, fomos de Portugal ao Brasil, Kuala Lumpur, Tailândia, Japão, Colômbia e China.
É uma artista contadora de histórias, com uma relação muito peculiar com o tempo – honra as raízes do passado, vive o presente como se todos os dias fossem uma festa e, ainda pequena, dizia que queria aprender sobre o que não aconteceu. Não tem medo de nada e há muito que quer fazer. Mas se tivesse de morrer amanhã, diz que morreria feliz por ter vivido a vida que sempre quis.
Dizer que é uma mulher diferente parece pouco para quem é tanto. Mas talvez seja isso mesmo. No seu estilo, simples, a Nini é diferente de tudo.
O início da sua carreira começa pela decisão entre Design e Arquitetura e vir estudar para Lisboa. Como foi dar esse passo?
É normal para muitos madeirenses aguardar a altura de, aos dezoito anos, ir para Lisboa. O meu irmão já lá estava a tirar a Engenharia, alugámos um apartamento com outras pessoas, e foi muito bom! Os meus Pais sempre me deram muita liberdade, mas também me disseram que tinha de resolver as coisas por mim, por isso, já ia preparada. Tive a sorte de ter ido para o IADE e foi fantástico. Adorava Lisboa, mas também viajava muito, ia para os Estados Unidos e para a Europa. Foi ótimo, aliás, se voltasse atrás gostava de ter a mesma sensação.
E depois como foi assumir-se como artista no contexto insular da Madeira?
Desde criança, já no colégio, sempre fui considerada um pouco diferente das minhas amigas, sempre fui a artista. Os meus pais apoiaram, mas é claro que perguntaram se eu não queria seguir Arquitetura. Mais o meu Pai. A minha mãe dizia: ‘a Nini tem de ser o que quer ser e depois logo se vê’.
Uma das razões por ter criado o Design Center, no Funchal, não foi só para os designers, mas também para os madeirenses que quisessem acreditar em si e em seguir as carreiras que escolhessem. Cada vez mais há tantos cursos e carreiras diferentes. As pessoas têm de ir para aquilo que vieram ao Mundo fazer. Eu trabalhei a vida inteira, trabalhei muito. Às vezes vejo alguém que teve grande sucesso e penso: ‘o que esta pessoa não deve ter trabalhado’. Para ter sucesso, é preciso trabalhar muito e há quem pense que é preciso ter sorte, mas a sorte dá muito trabalho.
A Nini diz precisamente, sobre o seu trabalho, que é ‘feliz fazendo’. No final de 2023 lançou o livro Nini Andrade Silva que junta os trinta e cinco anos da sua da sua carreira, do estilo ‘ninimalismo’, que é hoje a sua identidade. Como o descreve ?
Essa expressão apareceu por uma brincadeira, foi um amigo suíço que me disse: you are ninimalist, not minimalist! Ele disse que eu era diferente, pura na maneira de desenhar. Mais tarde, quando comecei a explicar o meu estilo, em livros e entrevistas, acabou por ficar. As pessoas dizem que é um ninimalismo com alma, com uma luz diferente.
Como define a relação entre o belo e o útil? As suas peças têm o lado prático e a beleza também.
O design tem de ser principalmente útil. Primeiro, temos de ter uma consciência muito grande de que o mundo está a ficar cada vez mais cheio. Portanto, temos de desenhar peças exclusivas e diferentes, e não desenhar só por desenhar. Segundo, o design tem uma função e terceiro, temos de desenhar para a pessoa que nos está a pedir. É diferente fazer uma peça para vir para o mercado. No meu caso, a maioria das vezes, estou a trabalhar para um Hotel, uma família ou uma pessoa. Tenho sempre de criar arte no que faço, senão não faz sentido fazer por fazer. Não consigo criar sem ser com arte. A verdade é essa.
E a durabilidade dessas peças é algo importante para si?
Acredito que o meu design dure por muito tempo. Os hotéis, como o Fontana Park e o D’vine, têm mantido sempre a decoração. Os sítios devem ser mantidos, mas deve ser feito de forma intemporal. Tem de ser uma coisa bem feita. Não é só moda por ser moda, porque agora usa-se. Eu nunca fiz isso, eu não vou com a moda. Eu crio peças para ficar por muito tempo.
Pegando na ideia de estilo e intemporal, nestes trinta e cinco anos de trabalho sente que as coisas mudaram? E a Nini mudou?
As pessoas vão evoluindo, é como ir subindo uma escada, há coisas que vão mudando. Mas há uma lógica, um objetivo. Há um futuro e, portanto, quando vou subindo essa escada, vou adaptando coisas, mas vou sempre na minha maneira de ser. E é claro que mudamos, é como viver! Posso ser o mesmo género de pessoa, mas mudo muitas coisas. Felizmente o que eu faço na minha vida é aprender todos os dias. A minha irmã, às vezes, diz-me: ‘tu aceitas muito uma crítica’. Eu aceito, porque posso aprender com essa crítica. Se for só por ser crítica, não me afeta em nada. Uma crítica construtiva para mim é fantástico porque vou aprender, vou dar um passo em frente.
«Estou destinada a imaginar, os clientes é que ganham os prémios», foi a Nini que o disse. Nunca lhe faltou imaginação?
Não! Quando eu acho que está mais difícil, afasto-me e espero que chegue! Às vezes, estamos nas vésperas de entregar um trabalho e está praticamente pronto, mas ainda não é aquilo. É aí que eu digo que entra a arte. Porque normalmente, um profissional chega a essa altura e diz ‘Ok! podemos entregar’. E eu, chego a essa altura e digo ‘não, ainda não está’. Falta um clique aqui para sermos diferentes.
Vou para casa, penso e tenho a certeza que vai acontecer. À noite, tenho um livro ao lado da minha cama, onde escrevo e penso muito fortemente nas coisas. Tenho conseguido, felizmente, porque eu vou para além do cansaço. Costumo dizer que o êxito só começa para além do cansaço, há pessoas que chegam até não conseguirem mais e há pessoas que, quando chega a altura que não se consegue mais, dão o passo em frente, e é aí que se consegue ser diferente.
E a sua relação com o erro?
É engraçado, costumava dizer que não errava, porque nunca sabia até onde iria chegar, pois nunca sei qual é o fim. Eu não considero um erro, vejo mais como fazer as coisas de forma diferente. É claro que a nível funcional, há coisas que queremos fazer, e é muito difícil passar isso para a vida real. E aí é que pode acontecer alguma margem de erro. Costumam dizer que sou a the last minute girl, que à última da hora tenho uma solução. De facto, funciono muito bem em cima de pressão.
Há muito tempo que trabalha com equipas diversas, com uma forma de estar no trabalho aberta e inclusiva. Como gere essas equipas de nacionalidades e backgrounds tão diferentes, onde diz que todas as pessoas são importantes?
Apesar de termos bases diferentes, todos somos muito parecidos. A partir do momento que se respeita a base de cada um, é seguir em frente e perceber por que as pessoas pensam dessa forma. E não só as nacionalidades, mas também as idades. Vou dar um exemplo. Estivemos na Maison & Object em Paris, com três pessoas do atelier. No regresso, as três pareciam que tinham estado em lugares diferentes. E isso é que é interessante, aceitar a visão de cada um. A mais jovem via as coisas para um target diferente da que está há mais anos connosco.
Qual é o seu estilo de liderança?
Tento ao máximo ver as pessoas, o que não é fácil, porque somos um grupo. Tento ao máximo ser o mais correta que posso com todas as pessoas que trabalham comigo, e é o que eu tento na vida. Se tentarmos ser corretos e fazer o nosso melhor, é bom para todos. É a maneira como vejo a minha vida.
É claro que, cada vez mais, as coisas mudam e é difícil para um líder agradar a todos. A tomada de decisões não é fácil, mas enquanto eu não vejo as pessoas que trabalham comigo satisfeitas, eu tenho de resolver isso, nem que leve meses ou anos. Levo mais tempo, mas eu resolvo. E é isso que talvez faça de mim uma líder um pouco diferente, em que as pessoas também confiam. Se uma pessoa não estiver satisfeita no local onde está a trabalhar, não irá produzir o que poderia. E o local de trabalho é onde as pessoas têm de estar mais satisfeitas, porque é onde se passa a maior parte do tempo.
A sua relação com o tempo é muito interessante e inspiradora. Parece que não tem medo de nada.
Eu acho que vim ao mundo com uma missão, para criar e ajudar. É minha obrigação, e meu dever, ajudar alguém que teve menos capacidade do que eu. É a minha maneira de viver e que fez com que fosse feliz a vida inteira. Tenho 60 anos, a vida que fiz foi a que quis e sou muito agradecida por isso. Tive uns pais que me deixaram ser a artista que queria ser, e a felicidade de chegar a uma altura em que vejo que ser artista é reconhecido. Cada vez mais é preciso a criatividade no Mundo, e é muito bom ver isso.
Do que tem medo?
Normalmente as pessoas têm medo da morte, ou medo de outras coisas que possam acontecer. Ou então, pensam que são eternas. Nós estamos aqui, é uma passagem, é simplesmente uma passagem, sempre achei isso desde muito jovem e talvez por isso tenha esta minha maneira de ser. Tudo o que faço tenho de pensar bem porque estou a fazer, e se estou a fazer correto para todos os que estão comigo.
Somos todos muito úteis, por alguma razão estamos aqui e temos impressões digitais diferentes. Nas minhas palestras, normalmente começo a falar de design, mas acabo a explicar como desenhar a vida. Talvez porque viajei pelo Mundo inteiro, conheci pessoas muito diferentes umas das outras. Percebi que quem pensa de maneira diferente também está certo. E cheguei a isso tudo através do design.
A Nini vai viver até aos 100 anos!
Eu nunca me sinto velha, porque eu estou sempre no meio de pessoas novas e pessoas da minha idade, e pessoas com mente nova. Quero aprender todos os dias. Para mim, as pessoas vêm ao mundo em grupos e há o ‘nosso grupo’ e nós temos de o encontrar. Tenho encontrado tantas pessoas e gosto de pô-las em contacto. É especial conhecer pessoas diferentes pelo mundo e que pensam como nós, ou pelo menos, que nos compreendem, e isso é uma alegria!
Onde vai encontrar a sua inspiração?
O mais importante são as pessoas, por quem nos rodeamos, com quem estamos. Acho que há pessoas que quando não têm uma vida bastante preenchida, preocupam-se muito com a vida dos outros. Quem tem uma vida mais preenchida tem a obrigação de dar alguma coisa às pessoas que não têm essa capacidade. Nestes últimos quinze dias já fiz oito viagens de avião, andei por muitos sítios, com pessoas totalmente diferentes e isso dá-me uma energia fantástica, dá-me histórias que nunca mais acabam e vivências. Se tivesse trabalhado sempre com o mesmo padrão de pessoas não era quem sou hoje, sabendo que cada pessoa vê o Mundo à sua maneira.
O que eu vejo não é para copiar, é para fazer diferente. Porque se já está feito, não quero fazer nada daquilo! É a tal escada, eu passo para o degrau seguinte, a vista é completamente diferente do degrau anterior. É a minha vivência, daqui a pouco vou sair à rua e vou olhar para tantas coisas, vou olhar para coisas que talvez ninguém olhe.
Apesar de não ter filhos, tem uma atitude muito pedagoga sobre os pais e a educação dos filhos, de perceber que no futuro vão existir múltiplas profissões e que isso não é uma limitação.
A educação é a base do futuro. Se o Mundo fosse todo educado, era tudo muito mais fácil. Tínhamos um nível mais parecido uns com os outros, apesar de haver maneiras de pensar diferentes. Mas havia o tal respeito, é o respeito, que falta, que faz com que as pessoas não se entendam. Se todos pensarem que temos igual direito à vida, mas que pensamos de maneira diferente, era mais fácil aceitar as outras pessoas. É engraçado, sempre que começo uma entrevista sobre design acabo falando nisto. Quer dizer, já não é design.
Então voltamos ao design. Que projetos tem em mãos e que projeto sente que ainda falta fazer?
Nunca sei qual é o que falta fazer, mas quero sempre fazer muito. Há mais de dez anos que quero fazer um Hotel totalmente digital. Um dia seria inverno, e podia nevar, e no dia seguinte seria primavera. Os funcionários podiam estar vestidos de maneira diferente. Podíamos ter as quatro estações em quatro dias diferentes, só carregando num botão. Ainda não consegui ninguém para fazer isso comigo, mas vou encontrar!
Estamos a acabar o W, aqui no Brasil, em São Paulo. Também temos contactos na Colômbia, na África do Sul, Macau e Portugal. Estamos a criar uma coleção de pele ecológica sustentável, dedicada à Amazônia. Estive em Manaus, no Rio Negro, onde fiz a subida do Rio, a meio da noite, numa jangada, com um temporal e o meu medo era zero. Adorei! Pensei em fazer uma coleção dedicada à Amazônia, que é o nosso pulmão do mundo. E isso para mim é uma das coisas importantes e bonitas que estamos a fazer.