O mundo é hoje definitivamente digital e global. O significado e o sentido do trabalho nunca estiveram tão em evidência e, mesmo, em dúvida existencial. Afinal, por que trabalhamos e como se consegue atrair as pessoas? E como criar laços em modo remoto e espírito de família entre uma equipa de trabalho?
Ana Correia é Diretora de Employer Branding na Zühlke, consultora tecnológica de presença global, com escritórios no Porto e três centros de engenharia, que conta no total com 1900 colaboradores. Recentemente, anunciou a adoção da semana de quatro dias de trabalho e está focada na contratação do talento tech em Portugal
Em conversa com a Líder, ficamos a perceber um pouco melhor porque definitivamente o salário não mantém as pessoas nas empresas, e o lucro é coisa do passado.
Como avalia este momento, em que segundo o novo movimento, “Great Reflection”, os trabalhadores encontram-se numa encruzilhada e aspiram mudar rapidamente de carreira, com o intuito de procurar mais sentido e realização na sua função?
Vivemos um momento de transformação constante e acelerada no mundo do trabalho e esta é uma realidade inegável, diretamente relacionada com a era digital e a globalização. A “Great Reflection” é um espelho dessa realidade, na qual muitas pessoas procuram mudanças significativas nas suas carreiras de modo a encontrarem maior sentido e realização nas suas funções, cujo propósito esteja alinhado com os seus valores e que tenha um impacto positivo no mundo. Avaliando este momento, podemos perceber que as mudanças nas expectativas dos colaboradores refletem uma crescente procura por trabalhos mais significativos e gratificantes, em detrimento da mera fonte de remuneração. De certa forma, esta tendência surge como uma reação à pressão constante da produtividade e à falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, com impacto direto no desgaste profissional e pessoal. Além disso, a procura por significado no trabalho também pode ser entendida como uma manifestação da crescente consciencialização sobre questões sociais, ambientais e éticas, que muitos colaboradores consideram importantes para as suas carreiras. Por isso mesmo, esta é uma oportunidade para as empresas criarem ambientes de trabalho mais saudáveis e equilibrados, que valorizem o bem-estar dos colaboradores e incentivem a inovação e a criatividade – no fundo, que não tenham como único objetivo o lucro, mas também o impacto positivo no Mundo.
De que forma podem as empresas responder a esta tendência e o que tem feito a Zühlke nesse sentido?
É possível as empresas responderem a esta tendência de diferentes maneiras, desde logo criando ambientes de trabalho mais flexíveis, com possibilidade de trabalhar de forma remota ou híbrida e investimento em políticas e práticas de sustentabilidade e DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), mas também alinhando o negócio com propósito, investindo em programas de desenvolvimento profissional e pessoal implementando políticas mais abrangentes de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal para que cada pessoa explore o seu máximo potencial e contribua para criar valor.
Nesta lógica, é essencial que as empresas estejam atentas às necessidades e expectativas dos seus colaboradores, incentivando a participação ativa destes na definição de metas e objetivos da organização e partilhando feedback regular sobre o seu desempenho e contributo para a organização, potenciando um ambiente de trabalho inclusivo, diverso e seguro, onde todos se sintam valorizados e respeitados.
Na Zühlke promovemos um ambiente de trabalho inclusivo e diverso, no qual os colaboradores são incentivados a desenvolverem-se tanto enquanto profissionais como pessoas, através de um ampla gama de oportunidades de formação e desenvolvimento e da cultura de feedback transparente e bilateral para incentivar o crescimento e a melhoria contínua. Hoje, somos já conhecidos pela nossa política de trabalho flexível onde se destaca a semana de 4 dias de que todos podem usufruir da forma que melhor funciona para si e que, por permitir gerir o horário à medida de cada pessoa e da sua equipa, traz o equilíbrio essencial entre a vida profissional e pessoal – fundamental para a produtividade e para a satisfação dos colaboradores.
Trabalhamos continuamente nas nossas Políticas de DEI e de Sustentabilidade, procurando implementar boas práticas na nossa organização e fomentar uma maior consciencialização das mesmas junto dos nossos colaboradores, assim como de clientes e fornecedores. São práticas como estas que contribuem para que a empresa consiga, por um lado, atrair e reter talento, e, por outro, promover um ambiente de trabalho produtivo, criativo e inclusivo, onde todos os especialistas têm um impacto positivo no mundo.
Há profissões que são mais promissoras para o futuro próximo, e outras haverá que se tornarão obsoletas. Quais são as skills determinantes?
À luz da crescente digitalização e constante mudança, tendencialmente certas profissões serão mais promissoras para o futuro próximo do que outras. Referimo-nos, por exemplo, a profissões relacionadas com a área da saúde, marketing digital, sustentabilidade e, claro, tecnologia. À medida que a tecnologia se torna cada vez mais presente nas nossas vidas, os profissionais que operam neste campo são cada vez mais valorizados: áreas como Desenvolvimento de Software, Análise de Dados, Inteligência Artificial e Segurança Cibernética têm crescido rapidamente e devem continuar a crescer no futuro. No que se refere às competências com maior peso para o futuro, é importante destacar as chamadas “soft skills”, onde se destacam Pensamento crítico e Resolução de Problemas ou Conflitos, Inteligência Emocional, Comunicação Efetiva e Colaboração e Trabalho em Equipa.
O talento já não é exclusivo de uma organização. Mas as vantagens competitivas de um negócio não devem ser efémeras. Como equilibrar esta relação e conseguir manter o talento?
De facto, atualmente é cada vez mais raro considerar o talento como “exclusivo” de uma organização, dada a escassez de profissionais no mercado, a facilidade de mobilidade e a flexibilidade de conhecimentos para abraçar outros desafios. Por estes motivos, as empresas enfrentam ainda mais desafios nesta tarefa de reter talento, chamando as empresas a repensar as vantagens competitivas do seu negócio para que não sejam efémeras. Para equilibrar essa relação e potenciar a retenção de talento, é fundamental que as empresas promovam práticas que incentivem a lealdade e o compromisso dos colaboradores, sem comprometer a competitividade da organização, colocando em primeiro lugar um ambiente de trabalho inclusivo e equilibrado, o bem-estar dos colaboradores, o desenvolvimento e a formação, o reconhecimento e a recompensa da performance, benefícios valorizados pelas equipas, a cultura de colaboração e inovação e a oportunidade de fazer diferente, com propósito e valor. Ao adotar este tipo de práticas, as empresas contribuem para equilibrar a relação entre a retenção de talento e a competitividade da organização, incentivando a lealdade e o compromisso dos colaboradores sem comprometer a capacidade de se adaptar às mudanças do mercado.
O que se pede às lideranças é que inspirem e confiem nas pessoas. Quais os traços que considera estruturais nos líderes?
No cenário atual de grande imprevisibilidade e mudança, as figuras de liderança devem possuir alguns traços estruturais para inspirar as pessoas e a sua confiança, assim como garantir o sucesso da organização. Entre estas, destacamos a capacidade de adaptação dos líderes às novas circunstâncias e situações que surgem; a visão clara e consistente do futuro da organização, para poderem guiar a sua equipa rumo aos objetivos definidos e tomar decisões informadas; a profunda inteligência emocional que contribui para entender e gerir emoções próprias e dos outros, num ambiente de trabalho saudável, colaborativo e mais resiliente em momentos de crise; a empatia para compreender as necessidades e expectativas dos colaboradores, promover o diálogo aberto e a colaboração; a comunicação clara, objetiva, assertiva e inclusiva para transmitir visão, estratégias e orientações aos colaboradores; a criatividade para pensar de forma inovadora e encontrar soluções “fora da caixa” para os desafios e aproveitar oportunidades; a disponibilidade para ouvir, dar feedback e prestar apoio aos colaboradores sempre que necessário; a confiança em cada elo criado para construir relacionamentos saudáveis e duradouros, gerando compromisso e lealdade.
Consideramos estes traços essenciais para todos os líderes que desejam inspirar as suas pessoas e mostrar confiança no seu trabalho, já que são competências que promovem a flexibilidade, a resiliência, a inclusão e a capacidade de adaptação às novas circunstâncias enquanto mantêm um ambiente de trabalho saudável, colaborativo e produtivo.
Como se constrói uma cultura de empresa e valores com os quais os colaboradores se identifiquem, num registo de trabalho digital e à distância?
Construir uma cultura de empresa forte e um sistema de valores é fundamental para criar um ambiente de trabalho saudável, inclusivo e motivador para os colaboradores. No entanto, com o aumento do trabalho digital e à distância, pode ser um verdadeiro desafio manter esta coesão e este sentimento de pertença à cultura organizacional.
Algumas estratégias para combater o afastamento e potenciar um sistema de valores neste ambiente de trabalho digital e à distância passam pela comunicação transparente e regular entre os líderes e a equipa, fornecendo informações claras e transparentes sobre a visão, missão e valores da empresa, assim como na partilha de feedback regular, opiniões e sugestões de melhoria, para uma comunicação bidirecional. A definição de objetivos e valores claros, partilhados com toda a equipa, cria um quadro de trabalho em direção a uma visão comum e onde todos são parte integrante do processo.
Também as atividades de team building regulares contribuem para construir conexões pessoais e profissionais entre os colaboradores, mesmo à distância. Na mesma linha de valorização profissional e individual, a formação e desenvolvimento dos colaboradores deve ser uma prioridade, para que possam desenvolver competências e conhecimentos alinhados com a cultura e os valores da empresa.
O que nunca deixará de ser analógico?
Neste cenário cada vez mais digitalizado, acreditamos que o humano e as relações interpessoais são essenciais para o bem-estar emocional, social e pessoal das pessoas. Por isso, é importante que as pessoas cultivem relacionamentos saudáveis e significativos nas suas vidas. O contato humano pode ajudar a reduzir o stress e a ansiedade e aumentar a felicidade e a satisfação – à semelhança do círculo familiar e de amigos, a equipa deve beneficiar de um grupo com quem possa conversar e partilhar as suas experiências. As relações interpessoais são cruciais para o desenvolvimento social e emocional: enquanto crianças, aprendemos a comunicar e a relacionar-nos com outras pessoas por meio dos nossos contatos e interações com os outros, e na vida adulta e profissional estas relações interpessoais são basilares para o nosso crescimento. Além disso, as competências interpessoais podem ser cruciais para o sucesso profissional. Ter uma rede de contatos confiáveis e desenvolver “networking” com regularidade pode fomentar novas oportunidades de trabalho, obtenção de referências e construção de uma reputação profissional positiva. Desde tempos imemoriais, os seres humanos têm dependido uns dos outros para sobreviver e prosperar e esta dependência continua até aos dias de hoje.
A Zühlke conta com um escritório no Porto desde 2021, com 60 colaboradores. Quais os próximos desafios para o futuro da empresa em Portugal?
Nestes primeiros dois anos de atividade em Portugal, conseguimos resultados muito positivos junto dos nossos talentos, clientes e projetos. Este é o primeiro escritório do grupo Zühlke em Portugal, entre 17 localizações, e é o terceiro Centro de Engenharia Global da marca, peça-chave para o grupo responder à procura por talento altamente qualificado para o desenvolvimento de soluções inovadoras, assentes em engenharia de software e devices, para áreas tão distintas como a Banca, as Telecomunicações, as Seguradoras ou a Saúde. Além de reter o talento que já temos, será preciso atrair os melhores profissionais do mercado para alavancar o negócio e por isso contamos que a Zühlke Portugal cresça em 50% até ao final deste ano.