A pandemia, com tudo o que implicou, veio provocar alterações profundas nas dinâmicas das organizações e das lideranças. Este período, por tão inesperado e exigir uma profunda mudança na forma de fazer o negócio e gerir equipas, teve efeitos a vários níveis, desde os económicos, aos sociais e psicológicos.
Em face desta realidade mais alargada, constituiu-se também como inevitável uma mudança de paradigmas na relação com o trabalho, com consequências numa diferente forma de liderar as equipas. A crescente utilização das inovações tecnológicas para desenvolver as tarefas numa perspetiva remota, a que se junta a visão diferenciada do papel do trabalho no dia-a-dia das pessoas, mostram-se decisivos, não apenas para a realidade em que nos inserimos, e tendências associadas, mas também para aquilo que se verificará no futuro, numa visão mais alargada.
Tome-se em consideração o tantas vezes tão difundido “movimento” de quiet quitting. Ao traduzirmos à letra o seu significado, que representa uma “desistência” ou “demissão silenciosa” por parte dos funcionários das organizações, fica desde logo subjacente a ideia de que “há vida para além do trabalho”, exatamente uma das premissas tão debatidas nos últimos anos, e que tem um crescente impacto político e organizativo, num debate onde se deseja encontrar soluções que respondam aos anseios dos colaboradores, sem colocar em causa a produtividade da empresa.
Estejamos, pois, cientes deste novo paradigma. As pessoas fazem as suas tarefas, mas não estão disponíveis para infindáveis horas extra. Não é apenas o trabalho que define o indivíduo. A valorização de um maior equilíbrio entre a sua vida profissional e a sua vida pessoal assume papel crucial.
Esta tendência de quiet quitting tem como grandes protagonistas as pessoas da Geração Z, uma geração mais assertiva e questionadora, que definiu os seus propósitos de vida e a quem foram exigidos altos níveis de competitividade, os quais, tantas vezes, não têm eco nos modelos de organização de empresas pouco flexíveis e sem desafios mobilizadores.
Ao refletirmos sobre estas questões, importa que não nos fiquemos por lugares-comuns superficiais, que acusam esta geração de “não vestir a camisola”. Nem que, ao pretender potenciar estes talentos, considerar que bastam alguns “truques” ou técnicas motivacionais para aumentar o seu engagement. É, antes, fundamental a reinvenção das lideranças, na forma destas exercerem os seus cargos e gerirem as suas equipas e a organização.
As pessoas já não permanecem num emprego durante toda a sua vida profissional. Tudo é mais rápido! As expectativas são outras, o propósito e o significado do trabalho, a coerência entre os valores e as práticas, a sua participação ativa nas questões do negócio, bem como o ambiente (não tóxico) nas estruturas e nas equipas, todos são fatores fundamentais.
Neste sentido, o papel dos líderes é fundamental. Por exemplo, ao convocarem a sua capacidade de empatia e de comunicar, questionar e escutar as expetativas e as necessidades de cada um. Na sua essência, devem compreender a perspetiva do outro e promover a inclusão, ao permitir abertura interna em redor das aspirações e problemas dos seus profissionais.
Mas também devem ser confiáveis, capazes de promover o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. A coerência e consistência entre aquilo que defendem e aquilo que na realidade fazem é a medida da credibilidade, que permite aos líderes ser um exemplo a seguir ou, pelo contrário, contribuir para o ambiente tóxico na equipa. Mas há também que dar um sentido de propósito e significado ao trabalho, para que os colaboradores se sintam conectados com o negócio, e não apenas a realizar “tarefas avulsas” que deverão completar.
Outro aspeto a salientar junto das atuais lideranças é a necessária flexibilidade, de forma a perspetivar e considerar outros cenários. Não significa fazer cedências em tudo, antes integrar outros pontos de vista e levar as pessoas a sentirem-se respeitadas e valorizadas por esta atitude de abertura. Por fim, há que promover o desenvolvimento e a autonomia, ao invés de praticar uma micro gestão.
Estamos no centro da mudança, com desafios diferentes dos que conhecíamos. Podemos lamentar-nos ou reinventar-nos, a escolha é nossa!