Enquanto a Escala de Kardashev nos é útil para categorizar o avanço de uma civilização em função da sua capacidade tecnológica e de administração de energia, uma pergunta que podemos colocar de forma paralela é imaginar o nível de inteligência de uma forma de vida superior. Este é um tema profundamente desconcertante, originalmente levantado por Thornton Leigh Page, astrónomo norte-americano, e que mais tarde foi popularizado pelo astrofísico teórico e comunicador de ciência Neil deGrasse Tyson. Na base, trata-se de um exercício especulativo que nos ajuda a imaginar o quão diferente de nós poderia ser uma forma de vida com inteligência diferente.
Considerando as cerca de 200 mil milhões de estrelas da Via Láctea, uma de possivelmente 200 mil milhões de galáxias no Universo observável, podemos determinar que a existência de vida lá fora pode ser quase uma inevitabilidade. Além disso, enquanto podemos especular se essa vida seria inteligente ou não, podemos levantar a questão: quão mais inteligentes que nós poderiam ser essas formas de vida? Na verdade, possivelmente não seria preciso muito: apenas 1,1%.
Em primeiro lugar, é necessário compreendermos os átomos que nos compõem a nós e aos outros seres vivos no nosso planeta são exatamente os átomos mais abundantes no Universo, quase pela mesma ordem, exceto hélio e néon, que não estão presentes no nosso corpo. Portanto, esta já é uma pista para a resposta que queremos encontrar: pelo menos, podemos ter alguma ideia de como seria esta forma de vida no ponto de vista da sua composição atómica.
Além disso, isto também significa que, ao contrário do que pensamos, os seres humanos não são tão especiais quanto gostamos de crer, e não são feitos de nenhuma matéria rara, porque a matéria que nos compõe é extremamente abundante no Universo. Isto também parece sugerir que o aparecimento de outras formas de vida em planetas habitáveis pode ser quase inevitável, considerando que os ingredientes que a constituem são muito comuns. A este propósito, formas simples de vida podem existir mesmo em mundos que à partida não parecem óbvios, como as luas de Júpiter e Saturno, Europa e Encélado, que poderão ter vastos oceanos de água líquida no seu interior e onde se especula que vida se possa ter desenvolvido. No caso de vida ser encontrada em pelo menos três mundos de um sistema solar em simultâneo, tal significaria que vida pode ser muito mais comum no Universo, fazendo disparar a possibilidade de estarmos acompanhados por outras formas de inteligência algures no cosmos.
Ainda assim, o único fator que pode fazer baixar significativamente a popularidade de vida inteligente no Universo é o facto de a natureza já ter dado provas de que se desdobra muito bem sem necessidade de formar vida inteligente. Os dinossauros foram a espécie dominante na Terra durante milhões de anos e não eram particularmente inteligentes, caso contrário, teriam desenvolvido um programa de defesa planetária que tivesse feito desviar o asteroide que arrasou com a sua espécie — ou que os fizessem ultrapassar mais barreiras para a sobrevivência que o astrónomo Enrico Fermi estipulou quando determinou o famoso Paradoxo de Fermi, que pretende encontrar uma explicação para o facto de ainda não termos detetado mais formas de vida inteligente num Universo tão vasto.
De qualquer modo, chegados até aqui, nada nos impede de conjeturar sobre como poderia ser uma espécie inteligente que não a nossa. Para nos ajudar neste exercício, devemos começar por nos posicionarmos e encontrar o parente genético mais próximo de nós. Resposta: é o chimpanzé, com o qual partilhamos 98,9% do nosso ADN. Tudo o que nos separa dos chimpanzés reside nesses 1,1%.
Ainda assim, somos muito mais inteligentes que os nossos primos genéticos: escrevemos poesia, sinfonias, construímos catedrais, lançamos foguetões que aterram sozinhos, vamos à Lua e fazemos ciência pela nossa cabeça — e os chimpanzés não conseguem fazer nada disto. Considerada o chimpanzé com o maior índice de inteligência alguma vez registado, Natasha, chimpanzé do Ngamba Island Chimpanzee Sanctuary no Uganda, conseguia usar várias ferramentas, recorria a algumas formas rudimentares de linguagem gestual e imitava os gestos dos seus tratadores. Ainda assim, como sabemos, o que nos separa são uns meros 1,1% de ADN.
Aprofundando o nosso raciocínio e abordando a questão de uma perspetiva superior, chegamos à conclusão de que talvez aquilo que nos separa do chimpanzé não seja assim tão especial e um indicador de inteligência muito mais avançada. Talvez a diferença entre lançar um foguetão e falar com as mãos não seja assim tão grande. Uma das formas que nos ajuda a determinar que o que nos separa dos chimpanzés possa não ser assim tão incrível é tentando imaginar uma espécie que seja 1,1% diferente de nós na mesma direção em que somos 1,1% diferentes do chimpanzé.
Para uma espécie assim, escrever poesia, sinfonias ou fazer física quântica seria tão intuitivo para as suas crianças, quanto falar com as mãos e imitar adultos é para as nossas. Por outras palavras, os jovens desta espécie grafitariam nas suas ruas a teoria de tudo, ao passo que os nossos fazem alguns rabiscos, na maioria rudimentares. Efetivamente, olhariam para um Albert Einstein ou para um Isaac Newton com a mesma admiração com que nós olhamos para a chimpanzé Natasha: dois tipos de símio capazes de raras habilidades para o nível de inteligência médio da sua própria espécie.
Resumindo: na glória dos nossos feitos, as ciências do espaço são uma verdadeira lição de humildade, mas também de esperança e motivação. Se é verdade que nos ajuda a colocar em perspetiva o nosso grau de inteligência e de avanço, este raciocínio abre então a janela para o avanço da evolução, humana e tecnológica.
Isto deve levar-nos a pensar que nada nos impede de nós próprios estagnarmos na forma de seres cujas proezas não foram além daquilo que as crianças de uma espécie mais evoluída tecnologicamente conseguirão fazer. O caminho é, por isso, o da ciência, pela ciência e para a ciência, em nome da nossa contínua evolução.
Em paralelo a esta reflexão, surge outra relacionada com o Paradoxo de Fermi: nada invalida o facto de nenhuma outra civilização avançada ter tentado comunicar connosco pela simples razão de nós sermos ainda muito rudimentares e de não haver comunicação possível entre as duas espécies. Provavelmente seria tão inútil tentar estabelecer contacto connosco como é inútil tentarmos uma conversa com um cão ou com um chimpanzé. Seriam graus de inteligência completamente diferentes e incompatíveis.
Este artigo consiste num excerto adaptado, do livro As 100 maiores curiosidades sobre o cosmos (Oficina do Livro, 2024), de Fábio da Silva, com o consentimento do autor.