Especialistas e investigadores têm vindo a estudar há décadas o efeito do calor extremo nos humanos, em situações como o incidente de “Three Mile Island”, nos anos 1970, nos Estados Unidos, Pensilvânia, onde derreteu parcialmente uma central nuclear, com as temperaturas a chegar aos 75ºC. Jogadores de futebol, soldados em equipamento protetor, ou corredores de longa distância no Sahara são os casos estudados.
Mas como lidar com o facto de que o calor extremo pode vir a fazer parte do dia-a-dia, com o aquecimento global? O The New York Times falou com investigadores e cientistas que partilharam as suas conclusões sobre o efeito do calor no corpo humano.
Os alertas de calor excessivo têm se tornado cada vez mais frequentes, e temos vindo a passar por isso em Portugal, com regiões do país a alcançar os 47ºC. Com ondas de calor severas a afetar todo o mundo, com cada vez mais frequência, os cientistas estão a analisar como o calor nos faz adoecer e ter mortes precoces.
O objetivo é entender melhor quantas pessoas serão afetadas por doenças relacionadas com o calor, e quão grave será o seu sofrimento, e como as podemos proteger.
A ligação entre as emissões de gases de efeito de estufa e as temperaturas sufocantes são já claras. Se o aquecimento global não for desacelerado, a onda de calor mais forte que algumas pessoas já sentiram vai instalar-se permanentemente, e fará parte de um verão normal.
O que é mais difícil de definir, diz Matthew Huber, cientista climático da Universidade de Purdue, é como essas alterações climáticas afetarão a saúde e o bem-estar em larga escala, particularmente nos países em desenvolvimento, onde um grande número de pessoas já sofre com estes problemas, mas onde os dados são escassos.
O stress térmico é o produto de muitos fatores – humidade, sol, vento hidratação, roupa e condição física – e causa danos de tamanho tal que projetar, com precisão, os futuros efeitos se torna uma tarefa árdua.
Não há ainda estudos suficientes sobre viver em tempo integral num mundo mais quente: “Não sabemos quais são as consequências a longo prazo de acordar todos os dias, trabalhar três horas num calor quase mortal, suar e depois voltar para casa”, comenta Huber.
Além da insolação, o calor pode causar um colapso cardiovascular e insuficiência renal. Isso danifica os nossos órgãos e células, e até mesmo o nosso ADN.
Estes danos são amplificados em idosos e crianças, assim como pessoas com hipertensão, asma, esclerose múltipla entre outros. O calor excessivo também está associado a maior criminalidade, ansiedade, depressão e suicídio.
Seremos menos produtivos no trabalho?
Quando os níveis de mercúrio estão altos, não somos tão eficazes no trabalho. O nosso pensamento e funções motoras são prejudicados.
George Havenith, diretor do Centro de Investigação em Ergonomia Ambiental da Universidade de Loughborough, Inglaterra, conduziu uma experiência com um grande número de pessoas.
Todas usavam as mesmas roupas e realizaram o mesmo trabalho durante uma hora, com temperaturas de 35ºC e 80% de humidade. No final da experiência, a temperatura corporal dos indivíduos variava entre os 37.7ºC e os 39.2ºC.
A verdade é que o nosso corpo não tem a capacidade de transpirar todo o calor que absorve, comprometendo o bem-estar e a saúde.
Apesar de termos ainda alguma capacidade de nos ambientarmos a atmosferas mais quentes, a esta escala o corpo não consegue responder adequadamente. Mais sangue é bombeado pelo coração a cada batida; mais glândulas sudoríparas são ativadas.
Durante anos Vidhya Venugopal, Professora de Saúde Ambiental da Universidade Sri Ramachandra na Índia, estudou o impacto do calor nos trabalhadores na indústria siderúrgica, em fábricas de automóveis e olarias no país. Muitos deles hoje sofrem de pedras nos rins causados por desidratação grave.
Chegou inclusivamente a conhecer um metalúrgico que trabalhava de 8 a 12 horas por dia, perto de uma fornalha, há 20 anos. Quando lhe perguntou quantos anos tinha, ele disse 38. O cabelo do homem era já meio branco, e o rosto repleto de rugas: não parecia ter menos de 55 anos.
“Foi um ponto de viragem. Foi aí que percebemos que o calor envelhece as pessoas”
comentou Venugopal.
Dado o número de pessoas que não têm acesso a aparelhos de ar condicionado, que por sinal estão a deixar o planeta mais quente ao consumir grandes quantidades de energia, a sociedade precisa de encontrar soluções mais sustentáveis, alerta Ollie Jay, Professor de Calor e Saúde na Universidade de Sydney.