O Brasil não é um país fácil de explicar. Poderíamos começar pelo futebol, pela literatura, pela praia e pelo carnaval, por um operário que virou presidente ou por uma cidade construída no meio do nada para ser a capital. Haveria a chance de falar de desigualdade, de riqueza, de um povo que ri e sangra na mesma frase. Mas o Brasil não é só um tema, é um movimento, um improviso constante entre o caos e a esperança.
A nação brasileira ocupa a 31ª posição no Global Soft Power Index 2025, com uma pontuação de 48,8 em 100. Esta colocação reflete o reconhecimento global da sua riqueza cultural e influência desportiva. Contudo, a sua classificação é afetada por perceções menos favoráveis em áreas como governação e estabilidade política.
No Índice de Democracia de 2024, publicado pela Economist Intelligence Unit (EIU), o Brasil obteve uma pontuação de 6,86, situando o país no 57º lugar entre 167 nações avaliadas, mantendo-se na categoria de ‘democracia imperfeita’. O relatório aponta para um cenário de polarização extrema, onde o debate político se tornou uma batalha campal, alimentada por desinformação e desconfiança nas instituições.
Entre a vitalidade cultural e as incertezas políticas, o Brasil segue a sua marcha imprevisível: um país onde a democracia resiste, mas nunca sem sobressaltos.
Este é o segundo artigo da mais recente rubrica da Líder, ‘O estado de uma nação em sete minutos’. Todas as quintas-feiras, traremos um retrato de um país, explorando sucintamente quatro dimensões: cultural, politica, económica e social.
Cultura
Na cultura, a língua portuguesa encontrou ali um novo fôlego, um ritmo próprio. Machado de Assis desenhou almas tão complexas que até hoje relutamos em chamá-las de personagens. Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia, partiu para o Brasil onde se naturalizou e transformou o silêncio em palavra. Jorge Amado encheu páginas com o cheiro do cacau e do mar, numa simbiose de festa e dor, em aventuras e desventuras no meio das raízes da Terra de Vera Cruz.
A música brasileira fez o que poucas conseguiram: atravessou o oceano sem perder o sotaque. Tom Jobim exportou a bossa nova, e Caetano Veloso é o fio elétrico da música brasileira, vibrando entre a tradição e a rebeldia, um poeta que canta com a alma de um país inteiro. Mas o coração da nação bate mesmo é no tambor do samba e na batida do funk que ecoa dos morros.
Já no cinema, quando não foge de si mesmo, cria obras que são mais Brasil do que o próprio Brasil se permite ser. A trajetória de Fernanda Torres é uma verdadeira homenagem à cultura brasileira e ao legado da sua mãe, a eterna Fernanda Montenegro. Ao conquistar o Globo de Ouro, a atriz não apenas cimentou o seu nome entre as grandes figuras do cinema nacional, mas também celebrou a continuidade de uma linhagem artística que reflete o Brasil nas suas complexidades, sentimentos e memórias.
Política
O Brasil, com a sua história de rupturas e reinvenções, transita entre monarquia, ditadura e uma democracia incompleta. Desde os impérios até à ditadura militar de 1964 a 1985, as cicatrizes continuam a reverberar nas tensões políticas actuais. A redemocratização, em 1985, trouxe esperanças, mas o país nunca se livrou da volatilidade política.
Nas décadas seguintes, o Brasil foi marcado por escândalos como o Mensalão e a Operação Lava Jato, envolvendo figuras do Partido Trabalhista, como Lula da Silva, e aliados, intensificando a desconfiança nas instituições. O impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, rodeado de acusações de manipulação fiscal e crise económica, aprofundou ainda mais a polarização no país.
A desconfiança generalizada culminou na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, um ex-capitão do exército que se apresentou como antissistema, aproveitando o desgaste da classe política tradicional e a frustração popular com a corrupção endémica. Durante o seu mandato, Bolsonaro esteve no centro de várias polémicas, desde a gestão da pandemia, acusada de prevaricação e desinformação, até à tentativa de descredibilizar o processo eleitoral.
Já Lula da Silva, que retornou à presidência em 2023 após ser julgado e condenado em 2017 pela Operação Lava Jato, enfrenta críticas pelo seu clientelismo e pela crescente intervenção do governo na economia. Ambos, Bolsonaro e Lula, permanecem como símbolos de um Brasil oscilante entre a corrupção e a promessa de mudança.
Economia
A economia, essa entidade abstrata que decide o destino de mais de 210 milhões de pessoas sem perguntar nada a ninguém, cresceu 3,4% no último ano. Cresceu, mas de forma desigual, como sempre. Esse progresso foi desigual e regionalizado, refletindo as disparidades de desenvolvimento entre as diversas regiões do país, especialmente entre os estados mais ricos e os mais pobres. No último trimestre do ano, a expansão foi mínima, de apenas 0,2%, um sinal claro de que o ritmo de recuperação pode estar a perder força.
Para 2025, as projeções de crescimento ficam entre 2% e 2,3%, desde que a inflação não se descontrole. A taxa de 4,8% de inflação em 2024 já acendeu sinais de alerta, principalmente num cenário onde o poder de compra das classes mais baixas continua a ser severamente comprometido.
Em termos de desigualdade, o gigante da América ainda enfrenta grandes desafios, com uma grande parte da população a viver com dificuldades. De acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 27,6% da população brasileira vive abaixo da linha da pobreza, o que corresponde a aproximadamente 60 milhões de pessoas.
Este quadro é um reflexo da falta de acesso a serviços essenciais e das profundas disparidades no mercado de trabalho, onde os mais pobres continuam a sofrer com a inflação e a falta de emprego formal. A distribuição da riqueza permanece uma questão central, e as políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades são consideradas insuficientes por muitos analistas.
Sociedade
Talvez seja na sociedade que o Brasil se reinventa com mais força. A taxa de fertilidade caiu. O Brasil, que já foi um país de jovens, está a caminho de se tornar um país de adultos desgastados. Em 2000, eram 2,32 filhos por mulher, em 2023, o número já havia despencado para 1,57. Para 2030, espera-se que fique em 1,47. O efeito disso? Um país que pode parar de crescer já em 2041. O futuro está a encolher, e os dias a ficarem mais curtos.
Porém, no meio dessa transição demográfica, o povo brasileiro segue firme na sua luta por identidade e pelos seus direitos. Em 2023, o movimento negro no Brasil obteve uma vitória significativa ao barrar um projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo que visava restringir o ensino da História da África nas escolas. Movimentos como o Movimento Negro Unificado (MNU) e Educafro foram fundamentais nesse processo de mobilização e resistência da identidade afro-brasileira. Recentemente, também líderes indígenas de nove territórios amazónicos solicitaram a copresidência da COP30, enfatizando a importância da sua participação ativa nas discussões climáticas globais.
Conclusão
Voltamos à pergunta: o que é o Brasil? Um país que nunca se explica completamente. Que oscila entre o sonho e o desastre, entre a euforia e o desalento. Que já foi promessa, depois problema. Mais tarde potência emergente, depois não se sabe bem o quê. Um país onde tudo parece à beira de dar errado, mas onde, por alguma razão insondável, a vida insiste em dar um jeito. Um enigma tropical, condenado a recomeçar. Um lugar onde o futuro nunca chega, mas nunca deixa de ser esperado. Assim, a Pátria Amada, com todas as suas dificuldades, ainda se reinventa, e em cada beco encontra-se o samba infinito do Brasil.
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