O debate sobre os atletas transgénero tem-se intensificado ao longo dos últimos anos, levantando questões sobre justiça, inclusão e a própria definição de género no desporto.
No centro do debate está a ideia de que os atletas transgénero, em especial as mulheres transgénero, possuem uma vantagem inerente sobre os seus homólogos cisgénero. No entanto, algumas investigações sugerem o contrário, segundo uma análise exaustiva de mais de 800 estudos efetuada pelo Centro de Desporto e Sustentabilidade da Universidade de Victoria.
Estudos demonstraram que as mulheres transexuais que foram submetidas a terapia hormonal não têm qualquer vantagem atlética sobre as mulheres cisgénero. A noção de que os atletas transgénero perturbam o equilíbrio competitivo é infundada e resulta frequentemente de preconceitos sociais e não de provas científicas.
Cynthia Fortlage, especialista em liderança corporativa, questões de género e LGBTQIA+, defende estas deduções e aborda vários dados e evidências científicas num recente artigo.
A comunidade trans tem sofrido de preconceito e dificuldades no mundo do desporto. Um estudo de 2016 do Centro Nacional para a Igualdade Transgénero concluiu que 22% das pessoas transgénero tinha sido assediada ou maltratada enquanto participavam em desportos e 15% tinha sido privada da oportunidade de jogar numa equipa desportiva, devido à sua identidade de género.
«Em vez de perpetuar medos infundados, o foco deve mudar para promover a inclusão e garantir a justiça para todos os atletas», explica Cynthia Fortlage na sua publicação. Adicionalmente, um estudo de 2020 feito pelo Centro Canadiano de Ética no Desporto demonstrou que as políticas que excluem os atletas transgénero carecem de provas e podem ter efeitos prejudiciais para o seu bem-estar.
Qual é o verdadeiro peso da definição de género no desporto?
Caster Semenya é o exemplo de como o preconceito impactou a sua carreira. A corredora olímpica sul-africana, viu-se no epicentro de um debate controverso sobre os seus elevados níveis de testosterona.
Esta saga começou em 2009, após uma notável vitória nos 800 metros, no Campeonato do Mundo de Atletismo. Em resposta, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), atualmente conhecida como World Athletics, iniciou uma série de testes de verificação de sexo.
Esses testes revelaram o hiperandrogenismo de Semenya, uma condição caracterizada por níveis naturalmente elevados de testosterona. A comunidade médica identificou-a como intersexo, apesar de este não ser um termo com que a atleta concorde.
«Apesar de compreender que a comunidade médica me chama intersexo devido à forma como os meus órgãos internos estão estruturados, eu não me considero intersexo. Essa identidade não se ajusta a mim; não se ajusta à minha alma», explicou, no artigo de Cynthia Fortlage.
Esta controvérsia deu origem a uma multiplicidade de questões complexas, tais como:
- A própria definição de “sexo”, tal como se aplica ao domínio do desporto;
- O delicado equilíbrio entre a garantia de uma concorrência leal e a proteção dos direitos dos atletas;
- A abordagem ideal para tratar atletas com condições médicas como o hiperandrogenismo.
Para além destas questões fundamentais, o caso de Semenya assumiu um significado mais amplo das discussões sobre género e identidade. Alguns argumentam que a política da IAAF discrimina os atletas cujas características físicas não estão em conformidade com as normas tradicionais de género. Em contrapartida, outros insistem que é imperativo preservar a equidade do desporto feminino.