No ano de 1895 foi feita a primeira apresentação pública de um filme. Gravado pelos irmãos Lumière, com uma duração de 42 segundos, mostrava imagens de um comboio a chegar à estação. Por não distinguirem o real da ficção, os espetadores fugiram em pânico com medo do comboio que se aproximava.
Sempre que há disrupção, esta gera desconfiança e medo, mas pode, tal como no exemplo do cinema, e à medida que se incorporam as mudanças e o medo desvanece, tornar-se uma forma de arte e entretenimento com um impacto significativo e importante na sociedade.
Umas das tecnologias que causa desconfiança é a da realidade virtual (RV). Esta gera ambientes virtuais imersivos e interativos que reproduzem contextos de forma assustadoramente real.
Regressei há pouco de uma reunião científica em que discutimos os seus perigos e benefícios e achei um assunto fascinante para ‘os futuristas’. Ao contrário do que se pensa, a RV é usada para muito mais que jogos, com aplicações muito vastas e com resultados bastante promissores. Curiosamente, pode ser muito eficaz no tratamento de ansiedade social, que normalmente é tratada com terapia cognitivo-comportamental, na qual se imaginam cenários no consultório, e vai-se expondo e preparando lentamente o paciente para a situação real. Acontece que a utilização da RV neste contexto terapêutico, por profissionais, tem-se revelado muito mais eficaz e rápida neste processo. Ao replicarmos cenários quasi-reais de situações assustadoras, como falar em público, interpretar uma peça de teatro em palco ou entrar numa festa cheia de desconhecidos, com personagens virtuais que reproduzem o comportamento humano nas várias amplitudes, e expormos o paciente aos mesmos de forma controlada, permite melhorias significativas em pouco tempo. Possibilita treinar a prática de interações sociais e situações desafiadoras, como ter perguntas agressivas da audiência, ou situações sociais mais constrangedoras, ajudando os pacientes a desenvolver confiança e habilidades sociais, num ambiente seguro e controlado.

O mesmo se aplica a fobias, como medo das alturas, de andar de avião, e mesmo a situações de stress pós-traumático ao permitir reproduzir as situações de forma muito real para auxiliar na redução da resposta emocional às mesmas. Estas aplicações da realidade virtual oferecem um ambiente seguro para a exposição gradual a estímulos fóbicos, desde que devidamente enquadrados num programa terapêutico. No Japão, que tem vindo a sofrer uma subida enorme de casos de hikikomori – pessoas solitárias que se afastam de todo o contato social e vivem isolados anos – há vários estudos piloto utilizando a RV para gradualmente permitir às pessoas o regresso ao contacto social.
Há desafios e precauções que se devem ter na sua utilização, como estudos mais controlados para provar a sua eficácia com maior número de pacientes, conhecer os possíveis efeitos adversos ao longo do tempo, e obviamente a sua não-utilização em menores de idade ou indivíduos mais vulneráveis, até termos uma maior compreensão do seu efeito no cérebro e sempre com monitorização adequada por profissionais. Mas que isso não impeça de explorar o seu fantástico potencial de desempenhar um papel significativo na área da saúde, melhorando os resultados para as pessoas e promovendo o bem-estar geral.


