João Leão, ex-Ministro das Finanças, apresentou ontem a masterclass “Outlook da Economia Portuguesa e Global”, no ISCTE, onde realçou que «No espaço de um ano mudou-se a perspectiva dos próximos 20 a 30 anos. Estamos numa espécie de encruzilhada, podemos seguir dois caminhos radicalmente distintos sobre o processo de controlo da inflação e sobre o seu impacto na economia e no emprego»
“Podemos ter um cenário mais otimista, que antecipa que a inflação que atingiu a casa dos 9-10% no último trimestre, passe para o final deste trimestre em 2023 para cerca de 3%, baixando para 2% em 2024, estando já controlada”, comenta Leão.
Foi esta semana anunciado pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu (BCE) que este cenário de “Soft Landing”, de aterragem suave, será o mais provável de se tornar realidade nos próximos dois anos.
Assim, evita-se uma “recessão profunda”, apenas com um abrandamento com “uma ligeira estagnação, sem grande aumento do emprego ou desemprego”
As expectativas vão ditar o futuro do cenário macroeconómico, e por isso “é crítico” que as “expectativas inflacionistas se mantenham estáveis”, acrescenta.
A estagflação pode mergulhar Portugal numa crise maior
Por outro lado, se as expectativas não se mantiverem nos 2% e aumentarem para 4%, “então todos começam a decidir preços e salários e custos na economia ancorados numa inflação de 4%”, comenta o ex-ministro das Finanças, “isto faz com que a inflação caminhe para o estado depressivo e se cristalize nos 4%, muito acima da estimativa do BCE”.
“É muito difícil sair de um cenário deste género”
A perda do poder de compra ainda se pode prolongar
“Este ano vai ser um ano de transição, em que ainda vai haver alguma perda do salário real”, alerta João Leão.
Ainda assim, os salários mais baixos vão “recuperar poder de compra, sobretudo a partir do segundo semestre deste ano”. Os salários médio-alto só deverão ver uma recuperação já em 2024.
“A partir de 2024 vai-se assistir a uma forte recuperação do rendimento real das famílias, sem gerar inflação”
Os preços das habitações vão parar de aumentar
“Portugal teve nos últimos dez anos um aumento muito rápido no preço da habitação. Atingiu o preço mais baixo na altura da Troika, em 2012 e 2013”, explica Leão.
Agora, passados dez anos o preço da habitação subiu 140% em Lisboa, e 90% no país face ao período mais baixo.
“O preço da habitação em determinadas zonas do país está, de facto, muito elevado face ao nível de vida das famílias portuguesas e dos salários de Portugal”, comenta, “os preços da habitação estão já comparáveis a Barcelona ou Madrid, quando os nossos salários não estão ainda a esse nível”
Daqui a diante, no entanto, espera-se que o preço das casas pare de subir, mas manter-se-á alto: “deixam de aumentar, podem cair um pouco, mas mantêm-se a níveis muito elevados”.
Nunca houve tanto emprego, mas o cenário futuro é preocupante
“Ao contrário do que era a expectativa o emprego cresceu de forma surpreendente, foi praticamente um milagre que aconteceu no mercado de trabalho”, refere relativamente ao aumento de 17% (mais 700 mil empregos) face a 2013.
Portugal está agora num “máximo histórico”, mas a previsão é negra.
Temos em mãos um problema demográfico que está já a acontecer com a população ativa. “De hoje até 2045, se não houver saldos migratórios positivos muito elevados, a população ativa cai a um ritmo anual de cerca de 1%”, alerta.
Ao longo de 20 anos, isso implica um corte de 20%, o que “retira grande parte do crescimento da economia portuguesa. É quase como se passássemos por um período de vinte anos de quase estagnação”, conclui.