Paulo Duarte é padre Jesuíta, mas chegou a ser comissário de bordo antes de enveredar pela vida religiosa, tendo celebrado a primeira missa em 2014. Natural de Portimão, hoje vive em Braga onde trabalha como adjunto do diretor nacional da Rede Mundial de Oração do Papa.
São muitas as pessoas que acompanha diariamente: em aulas, em conversas, em celebração de missa e reconciliação. Conta com uma forte presença nas redes sociais, com mais de 28 mil seguidores no Instagram, onde partilha breves orações, reflexões e poemas. É autor de dois livros, Rezar a Vida e Deus como Tu.
À Líder o jesuíta explica como o silêncio é um exercício de liberdade perante um Mundo de ruído e uma ferramenta de consciência e conexão.
De que forma o silêncio é, para si, uma ferramenta de trabalho?
João afirma que no princípio era o Verbo. Acho que o verbo estaria aconchegado ao silêncio. Isto para não dizer que no princípio era o silêncio. Isso, o Verbo aconchegado ao silêncio que impulsiona, dá espaço, à criação em movimento. Para mim, o silêncio é aquele lugar de impulso de vida. Fazer silêncio para a escuta, de mim, do outro, da realidade e do próprio Deus. Fazer silêncio para habitar-me de presença, do presente, para que o movimento que estou a chamado a viver no momento seja o mais autêntico possível. Tem sido um caminho de aprendizagem, fundamental para orientar outras pessoas neste caminho de silêncio, de oração, de escuta de si e dos outros. O silêncio nesse lugar de impulso de vida tem várias facetas, como de paz e também de agitação, até mesmo de incómodo.
Por isso, aprender a sentir, perceber, ler as distintas facetas do silêncio é fundamental para a minha vida de orientação de pessoas no encontro com a autenticidade e humanidade. Quem se silencia diante da injustiça, colabora com o ruído do mal. Quem evita o silêncio como experiência de escuta, vive uma fuga do seu ser mais profundo. Quem se permite silenciar ajustadamente, humaniza-se e humaniza.
Vivemos em canal aberto de ruído, de imagens, mensagens, sinais, alertas. Como se desconecta, sem perder a ligação?
Entro em “modo de voo”, com a ajuda da respiração consciente. Sim, desligo o telefone e computador algumas vezes por dia e encontro-me através da respiração, para além do meu grande momento de oração diária, de cerca de uma hora. E pelo menos uma vez por ano, vivo os Exercícios Espirituais de Sto. Inácio de Loiola, na versão de oito dias. É um retiro de silêncio. Há coisa de um ano, vivi a experiência de 30 dias em silêncio. Ajudou-me bastante a recentrar, através da sanação e integração de muito da minha vida. Sabendo que o inconsciente está marcado dessas presenças ruidosas, de constante atenção, educar-me para essa liberdade diante dos ruídos tem sido fundamental. E isso conecta-me com a realidade de forma mais consciente, mais presente. Sabendo igualmente do tanto bem que faz, no quotidiano vivo a delicadeza desse encontro de forma o mais plena possível.
Todos temos um espaço interior de recolhimento?
Naturalmente temos o sono. O mecanismo de dormir é tão forte que é o lugar básico de recolhimento. A nossa dimensão física da corporeidade mostra-nos como é fundamental esse parar. E tanto, mas tanto acontece enquanto dormirmos. De todo que não é uma perda de tempo, como há quem tal considere quando se tem uma visão mecanicista da humanidade. Se somos convidados a parar desde o natural, então também de forma consciente podemos ir mais longe no recolhimento a integrar o muito que se vive, sente, pensa. Nas formações sobre liderança falo muitas vezes desse silêncio em recolhimento fundamental para se tomar decisões.
Escuta e silêncio. A qual recorre mais?
Andam de mãos dadas. O silêncio permite a escuta. A escuta pede silêncio. Quando escuto uma pessoa, tenho de silenciar-me para acolher o que me diz por palavras e também através dos gestos. Afinal, todo o ser em corpo fala. E a palavra e o gesto ora complementam-se, ora contradizem-se. Quando me silencio, em oração mais quotidiana ou num retiro, abre-se a escuta profunda do que fui integrando e processando de tantas escutas e leituras. Isso, escuta e silêncio andam de mãos dadas.
Entre o ruído e o sossego, como preenche as pausas?
As pausas breves, preencho de um bom suspiro consciente, acompanhado de um imenso espreguiçar. As longas, gosto de um bom passeio, de boas conversas, de ver realidades preenchidas de beleza.
Como descreveria o som do silêncio?
Fechei os olhos e deixei vir o som… apareceu a brisa de entardecer enquanto contemplo o mar imenso e calmo.
BIO
Empresa/ Organização: Rede Mundial de Oração do Papa / Companhia de Jesus
Função: Padre jesuíta e Adjunto do Diretor Nacional
Idade: 45
Educação Académica: Mestrado em Teologia Fundamental
O que faz quando tem tempo livre: Saboreio a vida de forma descontraída
Livros da sua vida: História Interminável, de Michael Ende; Paciência com Deus, de Tomás Halík
Podcasts: Wisdom of the Masters
Viagem de sonho: Aos lugares sagrados das diferentes culturas do mundo.
Líder que o inspira: Jesus Cristo
Este artigo faz parte da rubrica “Líderes em Destaque”, publicada na edição nº 28 da revista Líder, sob o tema Silêncio. Subscreva a Revista Líder aqui.
Imagem Destaque: Marco Novais