Reza um provérbio chinês que quem monta o tigre tem medo de desmontá-lo – porque receia ser o próximo repasto do animal. A máxima ajuda a compreender como as lideranças que criam e cavalgam “realidades alternativas” têm muita dificuldade em libertar-se das mesmas. No processo, estas lideranças arregimentam liderados que, descoberta a verdade, também são vítimas do tigre. O caso de Elizabeth Holmes, que fundou e liderou a Theranos, é paradigmático. Holmes poderá, em breve, entrar na prisão para cumprir uma pena de mais de 11 anos. Com 19 anos, abandonou a Universidade de Stanford para lançar a start-up que prometia uma ampla gama de análises sanguíneas com base numa única gota de sangue – e quase sem dor. A ideia, brilhante, enfrentou um grande obstáculo: a prometida tecnologia não funcionava como era anunciado. Mas Holmes, determinada e persuasiva, continuou a cavalgar a sua ideia inovadora e enganou meio mundo – empregados, clientes, militares de alta patente, políticos famosos e multimilionários financiadores. Os empregados que se atreveram a contrariá-la eram ameaçados e escorraçados. A fraude foi sendo cometida durante anos, tendo ajudado Elizabeth Holmes a transformar-se numa celebridade. Chegou a ser considerada a mais jovem multimilionária do mundo, e a ser rotulada como a “próxima Steve Jobs”.
A sua queda em desgraça ajuda a compreender como o estatuto de celebridade das lideranças pode ser uma bênção, mas também uma maldição. A aura de celebridade permite influenciar a opinião pública e as autoridades. Ajuda a captar recursos necessários ao investimento e ao crescimento da empresa. Fomenta a reputação da empresa e dos seus produtos. Contribui para aumentar a notoriedade e as vendas. Mas a celebridade pode também ser a razão da queda. Ajuda a criar uma “realidade alternativa” que começa a ser cavalgada pela liderança e pelos seus liderados.
O processo começa com o desenvolvimento de uma imagem romântica da liderança heroica. Esta imagem começa a dominar as crenças dos stakeholders, que projetam grandes expectativas sobre a liderança e dela esperam grandes feitos e a capacidade para vencer adversidades. Os observadores, os meios de comunicação social e outros stakeholders começam a atribuir o sucesso do empreendimento às qualidades excecionais da liderança. A liderança interioriza essa aura e começa a convencer-se a si própria das suas capacidades sobre-humanas. Desenvolve ainda maior autoconfiança e começa a abraçar desafios excessivamente arriscados. Subestima os riscos e, quando fracassa, reincide na estratégia. Com o decurso do tempo, a “verdadeira realidade” deixa de poder ser escondida. É então que a liderança teme desmontar o tigre. Este tipo de processo ajuda a também a compreender porque Trump e seus seguidores não conseguem desmontar o tigre da eleição alegadamente roubada. Porque Putin não se consegue libertar da verdade alternativa que pretende justificar a invasão da Ucrânia. E porque muitas outras lideranças se apegam a narrativas das quais não conseguem libertar-se, mesmo quando a realidade as faz tombar do tigre. Eis a lição: não monte o tigre.