Perante o contexto atual vem-lhe à memória o filme “World War Z”, onde uma pandemia se abate sobre a humanidade. Para Paulo Veiga, o CEO do Grupo EAD – Empresa de Arquivo de Documentação, fortes impactos já se fizeram sentir, mas estão também reunidas as condições para reinventar a operação e dar resposta às novas oportunidades de negócio.
Num País que foi empurrado para casa, contrasta com outro que tem de estar no terreno. E não são assim tão poucos os negócios, onde isto acontece.
A EAD – Empresa de Arquivo de Documentação é um dos muitos exemplos. Foi a primeira empresa em Portugal de gestão documental em outsourcing, isto já lá vão 27 anos, agora vê-se obrigada a reinventar-se. E nesta reinvenção a EAD está não só a contribuir para os planos de contingência dos seus clientes, uma vez que trata da sua documentação confidencial, como também a ser chamada para trabalhos como o mailroom digital, numa altura em que muitas equipas estão em teletrabalho e a correspondência tem de ser gerida.
Paulo Veiga, CEO da EAD, definiu o Plano de Contingência, adaptando-o ao Plano de Continuidade de Negócios, num universo de 160 colaboradores, mantêm-se a trabalhar 15 pessoas, as necessárias para tratar dos documentos dos clientes.
«No Grupo EAD, os impactos já se fizeram sentir: o expectável decréscimo de serviços que tem que ver com o tratamento de documentos, mas, ao mesmo tempo, estão a surgir oportunidades de negócio, promovidas pelo teletrabalho e a necessidade de desmaterializar documentos e colocar nas plataforma ERP dos clientes, ou mesmo na nossa gestão documental na Cloud. Não será, portanto, um prejuízo a 100%, antes pelo contrário, estas oportunidades agora criadas irão ajudar na retoma, porque as que agora estão a ser reduzidas também aumentarão com a normalização da atividade económica», acautela Paulo Veiga.
Desengane-se quem pensar que estamos a falar de documentos físicos apenas, a EAD já digitalizava mais de 30 milhões de páginas em 2018, a desmaterialização de documentos e a sua gestão na cloud fazem parte do seu negócio nos diversos clientes, da banca, aos seguros, telcos, utilities, escritórios de advogados, de todas as regiões de Portugal.
Em entrevista à Líder, Paulo Veiga fala das muitas horas de planeamento e discussão para assegurar a operação, salvaguardar o emprego e preparar o terreno para a recuperação.
O que é mais assustador nesta crise de saúde pública mundial?
Claramente o desconhecido. Nesta luta desigual, o mundo enfrenta um inimigo invisível, com nome, mas sem rosto nem voz, para o qual não estávamos preparados. Surgiu noutro continente (lá longe…) e acho que nenhum de nós pensou nas proporções que iria tomar.
Este contexto faz-me lembrar um filme, onde nós somos os atores, só que não estamos a disfrutar nada com a situação. Existe um filme de 2013, com Brad Pitt, o World War Z, onde uma pandemia se abate sobre a humanidade, transformando as pessoas em zombies. Há uma cena fantástica que me ficou na memória, na qual, no avião a caminho do Ground Zero, um biólogo explica ao protagonista o que eles iam enfrentar. Esse biólogo diz algo como isto: “A natureza é o maior serial killer do planeta, é a mais violenta e criativa e, como todos os serial killers, procura reconhecimento, como tal, deixa “migalhas” aparentemente mostrando a sua força, mas apenas para esconder as suas fraquezas, para que os cientistas as encontrem e estudem anos a fio”.
É, de facto, assustador como um filme de Hollywood explica com tanto rigor as capacidades de um vírus.
Quais as medidas implementadas para assegurar a saúde dos vossos colaboradores?
Sem interferirmos na privacidade de cada um, implementámos/reforçámos medidas de prevenção por forma a protegermos a saúde e a segurança de todos, garantindo a sustentabilidade da companhia e os postos de trabalho.
Além de um apelo a um comportamento cívico e responsável, dentro e fora da organização, e seguindo as orientações da DGS, instituímos:
– Novas regras de circulação entre as nossas instalações, evitando a circulação “desnecessária”;
– Facultamos máscaras e luvas para os colaboradores que efetuam serviços externos, bem como para colegas que manuseiam papel com maior intensidade;
– Reestruturação dos postos de trabalho nas salas, distribuindo por espaços onde estavam colaboradores que foram para teletrabalho e separando as equipas do mesmo cliente;
– Reforço na limpeza das instalações, seguindo as indicações da DGS sobre esta matéria;
– Colocação, em todas as viaturas, de desinfetante e outros materiais de proteção individual e colocação de um dispensador de álcool adicional à entrada de todos os escritórios;
– Criação de uma sala de isolamento;
– Pedido de informação ao colaborador que, em caso de qualquer sintoma ou em caso de contacto com uma pessoa infetada, deverá contactar de imediato os RH, dando a conhecer essas situações, para que sejam tomadas as devidas medidas de despiste, seguindo o protocolo do SNS24.
Qual o impacto no negócio?
Que a atual pandemia global da COVID-19 vai ter repercussões económicas profundas, ninguém tem dúvidas. Qual a dimensão destas repercussões, à data de hoje, ninguém pode, com certeza, prever. Entre um cenário de mínimo e um cenário de máximo, a diferença pode ser abismal. Vai depender da duração do processo, das dinâmicas que vier a gerar, dos efeitos cumulativos que forem produzidos e, sobretudo, de como as pessoas vierem a ser afetadas por tudo isto. Desde a doença em si, até ao modo como as repercussões na economia se manifestaram nas diferentes dimensões da sua vida pessoal, familiar e social.
No Grupo EAD, tal como noutras organizações, os impactos já se fizeram sentir: o expectável decréscimo de serviços que tem que ver com o tratamento de documentos, mas, ao mesmo tempo, estão a surgir oportunidades de negócio, promovidas pelo teletrabalho e a necessidade de desmaterializar documentos e colocar nas plataforma ERP dos clientes, ou mesmo na nossa gestão documental na Cloud. Não será, portanto, um prejuízo a 100%, antes pelo contrário, estas oportunidades agora criadas irão ajudar na retoma, porque as que agora estão a ser reduzidas também aumentarão com a normalização da atividade económica.
Finalmente e não menos importante, vai depender muito do modo como os responsáveis económicos e políticos atuarem nos diferentes estágios do desenvolvimento da própria crise.
É possível já começar a desenhar algumas medidas a esse nível?
Temos de preparar, desde já, o terreno para a recuperação económica: a economia deve continuar a dar resposta às necessidades das pessoas e do País e devemos dar prioridade à construção de bases de recuperação rápida e futura.
Esta é a altura certa para testarmos os nossos níveis de preparação para o novo paradigma empresarial. Sermos capazes de nos adaptarmos, rápida e eficazmente a este novo paradigma vai ditar a continuidade da nossa atividade e a manutenção dos postos de trabalho. Estamos a enfrentar esta crise “de frente”, confiantes de que vamos atravessar este momento desafiador, trabalhando unidos, em equipa, com resiliência, dedicação, disciplina e com novos modelos de gestão rapidamente implementados.
Situações complexas em concreto que enfrentam e com pensam atuar?
Desde já, assegurar a operação, salvaguardar emprego, são fundamentais. Agir com precaução e prudência, mandatório. A saúde pública e a segurança dos nossos colaboradores estão em primeiro lugar e, por isso, tomámos as medidas anteriormente anunciadas.
Temos planos de contingência e continuidade de negócio. Foram muitas horas de debate e planeamento, onde construímos cenários mais ou menos destrutivos ou disruptivos, mas que agora se revelam importantes para não cometer muitos erros. Há investimentos que por vezes são feitos nas empresas e todos olham com desdém, afinal não é bem assim, situações extremas e inesperadas exigem o melhor das empresas e a existência destes planos é um guião formidável para cometer poucos erros durante estes eventos. Este pensamento out-of-the-box, está agora a ser fundamental para a garantia do nosso futuro enquanto organização.
Já tinham vivido um desafio destes?
Acho que ninguém, desta geração, passou por este verdadeiro “tsunami”… Ninguém estava preparado para esta crise pandémica. Tivemos outras, como a da Gripe das Aves, por exemplo, mas não com este impacto e duração.
Não posso deixar de referir o lado positivo que se consegue retirar desta crise: o ser humano. Com todos os nossos defeitos, em situações de calamidade, conseguimos superar-nos, porque o combate a este vírus ensinou-nos que, todos juntos, somos um e que só unidos conseguimos vencê-lo. E estamos a conseguir e vamos conseguir!
Qual o papel que o Estado deve assumir perante as empresas? Independentemente do papel do Estado, tenho de responder a esta questão chamando a União Europeia e a zona euro, de que Portugal é membro de pleno direito. Se dúvidas houvesse noutras ocasiões, agora é chegado o momento de estas instituições mostrarem verdadeiramente para que servem e falarmos a uma voz, o que me parece não estar a acontecer.
Obviamente que o Estado tem de ser uma figura presente e apoiar as empresas para que não entrem em colapso. As PME portuguesas não estão capitalizadas e não têm dimensão para aguentar o encerramento compulsivo das suas operações ou reduções acentuadas nas suas encomendas. O Estado encarregou-se disso mesmo, retirando lucros, aumentando impostos e complicando a legislação laboral e fiscal. Assim, existem muitas PME que não vão sobreviver e precisam deste suporte, que pode passar, por exemplo, por uma redução do impacto fiscal ou de linhas de crédito com taxas de juros, diria eu, próximas de zero. A obtenção de crédito irá permitir às empresas fazer face às necessidades de tesouraria, no imediato, com o pagamento de salários e a fornecedores, ao mesmo tempo que permite disponibilizar recursos para que possam regressar à atividade normal.
Depois, existem PME que estão no meio de importantes projetos de investimento e cujos bancos suspenderam a análise dos pedidos de financiamento para concentrarem esforços nas linhas COVID-19. Ora, isto deixa-me ainda mais perplexo, então concentramos esforços para apoiar empresas em dificuldades e cortamos nas empresas boas? Não será assim que estaremos mais fortes para o novo ciclo.
Conselhos que deixa aos portugueses que lideram outras empresas ou organizações?
Há que manter o foco. Todos somos importantes, não só os profissionais de saúde ou forças de segurança, o empresário tem a maior de todas as responsabilidades: garantir emprego.
Nunca tínhamos sido postos à prova para lidar com uma calamidade destas. Temos famílias a dependerem de nós, temos a economia do país a depender de nós.
As organizações, têm de estar unidas, na mesma direção, para conseguirem manter os seus serviços e a sua produção a funcionar. Não podemos entrar em histerismos, porque o país precisa do contributo e equilíbrio de todos, temos de manter a economia viva.
E aos portugueses em geral?
A pergunta que a todos se coloca é: o que fazer agora?
Para responder vou usar uma expressão forte, mas que me parece oportuna, é a expressão utilizada pelo Marquês de Pombal na altura do terramoto de 1755 em Lisboa, “cuidar dos vivos e enterrar os mortos”, que ganha de novo todo o sentido.
E sem querer estar a agoirar os piores cenários de desenvolvimento da pandemia, o que é importante reter desta afirmação é a ideia de que, para já, é preciso conter e inverter as dinâmicas de propagação da doença e garantir que todos os meios para isso são assegurados. Mas, também que é necessário começar desde já a preparar o terreno para a recuperação económica.
Por outras palavras, a economia deve continuar a dar resposta às necessidades das pessoas e do País e deve-se, desde já, começar a construir no terreno as bases da recuperação rápida futura.
No final, todos sairemos mais fortalecidos e ainda mais preparados para o futuro que chega a uma velocidade alucinante. Temos de nos antecipar, porque sabemos que “vai ficar tudo bem” e porque coletivamente faremos mais e melhor. Juntos, seguimos mais fortes!