Até ao dia das eleições legislativas, 30 de janeiro, a Líder vai publicar diariamente as opiniões e contributos de várias personalidades a quem foi lançado o desafio de responderem à pergunta: O que precisamos mudar? Homens, mulheres, jovens, séniores, caucasianos, negros, crentes e não crentes, qualquer que seja a orientação sexual terão a sua opinião na Líder e serão capa. Na verdade, esta iniciativa surge no seguimento de uma capa publicada por outro órgão de comunicação social onde só era refletida a opinião de homens, 14 homens. A justificação foi a ausência de respostas de mulheres. A Líder contactou 14 mulheres e responderam 12. A taxa de participação foi de 85,7% . A seguir continuaremos com mais 14 personalidades de cada um dos grupos referidos. Na Líder, a capa é para Todos.
Paula do Espírito Santo é Professora do ISCSP/Universidade de Lisboa
O que queremos para Portugal? Ainda, sobre a igualdade de género… na política.
À questão “o que queremos para Portugal?”, em tempos de renovação de ano civil e eleitoral, colocam-se velhos desejos e desafios de equilíbrio. Um destes, e dos mais gritantes, é o que coloca homens e mulheres em plataformas e debates diferentes, em especial, nos planos económico, político, social. E este não é um problema português, unicamente, é um problema de fundo da cultura política democrática.
Ou seja, em matéria de equilíbrio de género, vários são os desafios que, apesar da sua evidência, continuam em plano secundário. Este é o caso da distribuição de género nas principais carreiras de topo, em geral, e nas carreiras políticas, em particular. Apesar dos importantes passos dados, é ínfima ainda a proporção de mulheres que alcançam posições de destaque nas carreiras políticas. Contudo, será que podemos afirmar que estamos em fase de inversão de ciclo e mudança estrutural, no que se refere ao domínio dos homens em posições de topo na liderança, nas instituições e empresas?
Entre as principais carreiras políticas, a distribuição de género está longe de atingir padrões de equilíbrio, proporcionalidade e dinâmica. A seleção de mulheres para cargos de liderança na política, particularmente em partidos políticos, parlamentos e governos traz velhos e novos desafios para as democracias e para a humanidade, necessitando de um misto de persistência, resiliência, criatividade, conhecimento e pedagogia para alcançar resultados mais equilibrados em termos de igualdade.
Por exemplo, mesmo em regimes democráticos ainda temos um baixo índice de mulheres filiadas nos partidos políticos, independentemente da dimensão ou ideologia dos partidos políticos envolvidos (Haute e Gauja 2015; Lisi e Espírito Santo 2017), bem como uma proporção menor de mulheres nos parlamentos, governos e na política em geral (Eurostat, 2021), apesar dos esforços de von der Leyen e da Comissão Europeia e da promissora Gender Equality Strategy 2020-2025.
Na União Europeia, as políticas e mecanismos públicos, como as quotas de género, definidas para corrigir aquelas situações, não parecem estar a funcionar como pretendido. Apesar de algumas melhorias introduzidas, a seleção de mulheres para as listas partidárias nas eleições parlamentares, é feita, geralmente, em termos artificiais, demagógicos e corretivo-legais.
Se observarmos as tendências recentes no que se refere a mulheres versus homens, em posições políticas cimeiras das organizações, vemos que alguns avanços foram alcançados. Isto tem acontecido, em particular, como consequência das imposições de quotas legais, que são, especialmente, mais poderosas do que as ações de pregação social e ética sobre a importância e a necessidade de alcançar padrões de igualdade no acesso à carreira, entre homens e mulheres.
Em termos políticos e eleitorais, a questão de género pode ser utilizada como uma estratégia para a obtenção de vantagem eleitoral, e como um argumento de propaganda por si só, a fim de se obterem maiores níveis de mobilização e resultados competitivos para um partido político. No entanto, para evitar estratégias de campanha e tentativas que possam sugerir soluções radicais baseadas em listas de partidos políticos inteiramente femininos, na maioria dos países da EU, espera-se que cada partido político tenha uma quota mínima de 40% para cada sexo. Esta tentativa de obter o equilíbrio de género nas listas de partidos políticos não permite que o género possa tornar-se uma questão proeminente e um principal argumento para votar ou chamar a atenção para um partido.
O problema é que, ao considerarem-se os cargos políticos e institucionais de topo, há um ‘equilíbrio’ bastante desequilibrado em termos de género e as mulheres tendem a ser negligenciadas.
Ao considerarem-se as conquistas e expectativas construídas sobre as práticas políticas e sociais neoliberais, descobrimos que, em geral, as nações da UE ainda não alcançaram uma distribuição equilibrada de género entre homens e mulheres, nas organizações e nas carreiras políticas em particular. Na sequência da questão acima colocada (sobre se podemos afirmar que estamos em fase de inversão de ciclo e mudança estrutural, no que se refere ao domínio dos homens em posições de topo na liderança, nas instituições e empresas?), pondera-se sobre se estamos num caminho progressivo para melhorar o equilíbrio de género, de uma forma consistente e estrutural. E a resposta é: neste momento estamos longe dessa meta.
O caminho ainda está a ser preparado e está longe de estar consolidado. Por exemplo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável visa uma nova visão compartilhada sobre a necessidade de cooperação entre os Estados-Membros da UE para alcançar o desenvolvimento sustentável. O estudo e o desafio da igualdade e das disparidades de género constituem uma missão colocada na agenda da UE. Trata-se de um conjunto de ações projetadas com o objetivo de alcançar melhores resultados inclusivos e participativos, considerando a integração de homens e mulheres, juntos na sociedade e na política como um todo. O Plano de Ação de Género da UE (2016-2020) é um exemplo de um esforço institucional para alcançar resultados equilibrados no que se considera a disparidade de género. Os resultados alcançados, contudo, não são muito entusiasmantes numa perspetiva de curto prazo.
Argumentamos que, apesar disso, vivemos uma inversão do ciclo estrutural no que diz respeito ao domínio dos homens em cargos de liderança em instituições e empresas. Este é um problema complexo e multidimensional, enraizado numa perspectiva culturalmente estruturada.
Na linha do estudo de Dalton e Welzel (2014), defendemos que estamos a vivenciar uma mudança profundamente enraizada na cultura política e cívica democrática, que está ainda a dar os primeiros passos numa visão de integração e equilíbrio de género, na sociedade e no sistema político, em especial. Neste sentido, a transformação estrutural de atitudes e comportamentos, de um extremo ‘passivo’ para um outro de nível ‘crítico’ e ‘assertivo’, tende a ser um passo importante para uma assimilação política e social de género mais equilibrada.
Por outras palavras, defendemos que a assertividade é uma das atitudes e conceitos que podem reforçar a integração social e política e a participação no sistema democrático.
E a assertividade é alcançada pelo investimento numa cultura cívica democrática mais informada, politicamente desenvolvida, enraizada na educação, desde os seus primeiros anos e passos, na escola e sobretudo na família, mas também nos grupos de pares, e através das redes de relação a distância e dos órgãos de comunicação social. Sugerimos que alcançar níveis mais elevados de democratização é, em grande parte, uma consequência da assertividade como atitude e um trabalho gigantesco, global, culturalmente e democraticamente enraizado, porque é essa também a essência da democracia, a inclusão equilibrada da civitas na gestão da res pública.
Argumentamos que a inclusão e a distribuição equilibrada de género, particularmente nas carreiras de topo na política e na política europeia e portuguesa, ainda não é uma meta, globalmente, alcançada apesar de haver evidência de progresso positivo em relação à igualdade de oportunidades de género.
À questão sobre “o que queremos para Portugal?” respondemos que desejamos que o longo caminho para a inclusão cívica, em matéria de equilíbrio de género, seja encurtado, em especial, num dos sectores onde este equilíbrio gera mais visibilidade pública, que é a arena da política. Já que estamos em ano de eleições legislativas, esta seria uma boa oportunidade para Portugal mostrar que, nesta matéria, está no bom caminho, entre e perante os seus parceiros da EU.
Nota: Este texto faz parte de um trabalho mais vasto no âmbito dos estudos de género em desenvolvimento pela autora.
Referências
Dalton, Russell, Christian Welzel. 2014. The Civic Culture Transformed: From Allegiant to Assertive Citizenship. USA: Cambridge University Press.
Eurostat, 2021. 2021 Report on Gender Equality In https://epws.org/eu-2021-report-on-gender-equality/ acedido em Janeiro de 2022.
Haute, van Emily, Anika Gauja. 2015. Party Members and Activists. London: Routledge.
Lisi, Marco, Paula Espírito Santo. 2017. Militantes e Ativismo nos Partidos Políticos: Portugal em Perspectiva Comparada. Lisboa: Imprensa das Ciências Sociais.