Tem sido falada a ação de editoras que, em nome da correção política, reescrevem livros ou os retiram do mercado para não afligir os leitores. Obviamente, esta infantilização das pessoas, nomeadamente das crianças, é um disparate pegado. Mas agora vai-se mais longe: retiram-se obras do mercado porque não estão alinhadas com o ar dos tempos. Ou pior: reescrevem-se livros para retirar palavras “erradas”.
Essa reescrita de livros, por vezes de autores já desaparecidos, é uma ação inaceitável, um roubo intelectual. Sejamos claros: ninguém deveria ter o direito de, sem autorização do autor, alterar uma vírgula que fosse num texto. Saramago criou um grande livro à volta disso, História do Cerco de Lisboa. Agora, algumas mentes brilhantes, apoiadas em comités de sensibilidade, vieram alterar obras para as “corrigir”. Roald Dahl, autor de livros infantis mas também dos excelentes Contos do Imprevisto, em tempos publicados pela saudosa editora Teorema, foi um dos visados.
Trata-se de uma combinação de censura com violação da lei e do direito de um autor de não ver as suas obras corrigidas em nome do uso bom (não do bom uso) da língua. Talvez por isso Janan Ganesh tenha escrito nas páginas do Financial Times, que o termo woke, usado para descrever esta ideologia, adquiriu uma conotação negativa. Acrescenta que a dita terá atingido o pico de popularidade. Esperemos que a moda passe porque, em tempos passados, andar a mexer nos livros dos outros ou mesmo a proibi-los tinha outros nomes. Depois da Santa Inquisição religiosa, a última coisa que precisamos é da versão laica da coisa.