Neste exercício de pensamento, reunimos alguns agentes da mudança, vozes da sociedade nas suas diferentes áreas para nos darem uma ideia para refazermos o Mundo. Imaginar que podemos começar tudo de novo e a partir daí criar, inventar, reconstruir. Ideias que podem ser peças de um enorme puzzle que gradualmente juntamos para nos podermos espantar com o resultado: um Admirável Mundo Humano.
Afinal, que Mundo queremos nós?
Maria Vlachou, Directora Executiva da Acesso Cultura, deixa-nos a uma ideia para um Mundo ideal mais humano.
Foi reconfortante ouvir o discurso do Cardeal José Tolentino de Mendonça no dia 10 de Junho de 2020, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Reemergindo do primeiro lockdown da pandemia, confiantes das aprendizagens que essa experiência nos trouxe e da nossa determinação em repensar o Mundo, ouvimos o Cardeal fazer duas referências muito significativas:
- Falou da antropóloga Margaret Mead, para quem o primeiro sinal de civilização terá sido um fémur quebrado e cicatrizado. “Que um fémur humano se tenha quebrado e restabelecido documenta a emergência de um momento completamente novo: quer dizer que uma pessoa não foi deixada para trás, sozinha; que alguém a acompanhou na sua fragilidade, dedicou-se a ela, oferecendo-lhe o cuidado necessário e garantindo a sua segurança até que recuperasse.”
- Lembrou-nos, ainda, o significado da palavra “comunidade” – em latim communitas, cum e múnus –, que significa que os membros de uma comunidade estão ligados por um múnus, por um dever, uma tarefa comum. Que tarefa é essa? “Cuidar da vida. Não há missão mais grandiosa, mais humilde, mais criativa ou mais atual.”
Hoje podemos sentir-nos impotentes perante um mundo de incêndios e de cheias; um mundo de continuados e reforçados desequilíbrios nas oportunidades que diversos seres humanos têm para ser o melhor que puderem na vida; um mundo onde desaparecem várias espécies, “mais que humanas”. Por isso mesmo, é urgente um olhar renovado, informado e inspirado sobre a nossa cultura.
Cultura não são as artes. Cultura é a forma como vivemos juntos, em sociedade; a forma como nos cumprimentamos, cuidamos uns dos outros, construímos “comunidade”. Perante realidades que nos são apresentadas como inevitabilidades e que nos fazem sentir impotentes, as artes vêm alimentar a nossa imaginação, treinar o nosso pensamento crítico, permitem-nos visualizar várias possibilidades e descobrir a nossa própria criatividade e poder na construção de uma cultura mais humana.
Numa altura em que se verifica um défice democrático em várias sociedades – défice esse que a cientista política Joan Tronto associa ao défice de “cuidar” – Deborah Cullinan, antiga diretora do Yerba Buena Center for the Arts em São Francisco, lembra-nos: “A matéria-prima da nossa Democracia é a criatividade individual e a imaginação coletiva.” É esta matéria-prima que nos ajudará a pensar melhor a essência da pergunta: “Que Mundo queremos nós?” e que nos poderá motivar a passar à ação.
Este artigo foi publicado na edição de outono da revista Líder, que tem como tema Reborn from Chaos: The Path for a New Renaissance. Subscreva a Líder aqui.