Neste exercício de pensamento, reunimos alguns agentes da mudança, vozes da sociedade nas suas diferentes áreas para nos darem uma ideia para refazermos o Mundo. Imaginar que podemos começar tudo de novo e a partir daí criar, inventar, reconstruir. Ideias que podem ser peças de um enorme puzzle que gradualmente juntamos para nos podermos espantar com o resultado: um Admirável Mundo Humano.
Afinal, que Mundo queremos nós?
Miguel Real, Escritor e Professor, deixa-nos a uma ideia para um Mundo ideal mais humano.
Mais generosos que avaros, mais comunitários que individualistas, mais emotivos que racionais, mais espiritualistas que materialistas, mais supersticiosos (Fátima) que devotos, mais líricos que prosaicos, mais soltos que disciplinados, mais improvisadores que metódicos, desde a segunda metade do século XVI desprezados pelos poderes públicos, os portugueses constituem um povo desejoso de abastança e solidariedade, um povo que defende ser a razão menos importante que a paixão, o calculismo menos importante que a fruição lúdica da vida, um povo que, face aos interesses económicos, tem pugnado pelos valores do sentimento e da comoção, os valores do gregarismo e da generosidade, os valores da partilha e do companheirismo, unidos e vinculados a um sentido transcendente orientador na busca da justiça, que desespera por nunca chegar. Volta-se então para Nossa Senhora, esperando do Céu o que a terra lhe nega.
A fibra de lutadores dos portugueses advém da sua história e da sua cultura – uma história, primeiro, de guerra contra os mouros; depois, de guerra contra a Natureza (o mar) e os povos “pagãos” que descobria em África, no Oriente e no Brasil; finalmente, arredado da fruição do Ouro do Brasil, restrito às elites políticas, a luta pela sobrevivência numa vida em permanente miséria económica até à atualidade. Todas estas causas fizeram dos portugueses um povo menos votado a uma vida certa e rotineira e mais votado a uma vida improvisada, na qual cada um deveria “desenrascar-se” (Agostinho da Silva) por si próprio ou no interior de um pequeno grupo de companheiros.
Dos Descobrimentos, ficou-nos uma fortíssima capacidade de improvisação e a necessidade de, para além de tudo, acreditarmos que Nossa Senhora nos privilegia e nos salva. Mais do que trabalharmos arduamente e criativamente, acreditamos que o euromilhões, um emprego de ocasião, um negócio milagroso ou uma herança salva a nossa vida.
Assim, hoje, sem transcendência espiritual de valores ligados à beleza, ao bem e ao sagrado (mesmo à Natureza como sagrado), Portugal transformar-se-á numa mera região geográfica da Comunidade Europeia, cheia de sol, de turistas e de euros, coartada, porém, do essencial da vida que realiza os povos e os cidadãos.
O presente português alimenta-se da mutilação do homem, desde Cavaco Silva que nos unidimensionalizámos numa estreita visão economicista. O futuro consistirá na libertação deste homem-máquina e na assunção de um português pluridimensional, aberto a todos os valores, vivenciando uma realização quotidiana assente na união entre o corpo e o espírito – pensar, amar, trabalhar, serão fundidos num único verbo: viver em plenitude.
O jeito lento de sermos, a contenção na ambição de que somos feitos (consequência de 800 anos de cristianismo), a alegria natural de que somos possuídos sempre que em grupo, podem funcionar como elementos atrativos para os povos da Europa do Norte, mais frios, racionais, ambiciosos e trabalhadores do que nós, forçando-os a mudarem de vida e a seguirem as nossas pisadas, abandonando-se a uma vida calma, justa, harmónica, gregária, numa palavra, feliz (o interior das Beiras e o Algarve já possuem uma população considerável de estrangeiros a habitar ali permanentemente). O futuro homem português consistirá justamente numa Europa harmónica com a Natureza, um território de paz, um continente justo, uma terra da alegria, onde o trabalho teria uma importantíssima componente comunitária e o Estado velaria pelas necessidades de todos os cidadãos.
Este artigo foi publicado na edição de outono da revista Líder, que tem como tema Reborn from Chaos: The Path for a New Renaissance. Subscreva a Líder aqui.