Hoje vivemos a segunda corrida ao espaço, a Space Race 2.0. Como chegamos até lá, e como se regula a presença do Homem no espaço? Temos de fazer um Tratado de Tordesilhas dos planetas?
Ricardo Conde, Presidente da Agência Espacial Portuguesa (AEP), salienta o que importa perceber: “Está destinado o Homem a ser uma espécie interplanetária? E se sim, de que forma?”.
Por natureza, o Homem tem necessidade de território, de onde extrai os recursos, e quando estes acabam, avança e deixa a sua marca de destruição. Qual será a nossa marca na conquista do espaço e como pode a tecnologia apoiar esse avanço?
A relação do Homem com o Cosmos, as novas oportunidades e as ameaças da conquista espacial, levaram Ricardo Conde ao evento de transformação digital, Building the Future, com a talk: “The challenges to shape the future of space for a sustainable earth”.
O espaço como uma componente de futuro
Para Ricardo Conde, antes de olhar para o espaço, e entender a nossa relatividade entre o Cosmos, é preciso perceber que os problemas da Terra, como a guerra e a recessão, têm origem na relação entre os Homens.
“Como nos preparamos para dar aos nossos filhos uma mensagem de pouca esperança? De que vão viver num mundo escasso, com falta de recursos, como a água e a atmosfera que respiramos?”, para além do problema da nossa extinção, enquanto espécie. A ação humana está a tocar em “gatilhos” que ameaçam a biodiversidade e nos encaminham para um “colapso”.
O Presidente da AEP convida à reflexão: “Como é do que nada se faz tudo? Qual é o nosso papel no Universo?”. A resposta está em parte na tecnologia mas, primordialmente, na própria Humanidade e na noção de que “somos todos feitos da mesma matéria do que o Cosmos e transportamo-la connosco”.
“Cada célula, cada molécula, cada átomo que nos compõe, temos de o devolver à natureza. Nós fazemos parte da matéria das estrelas”
Novas oportunidades para descobrir a nossa posição no mundo
O consenso é evidente: tem de haver uma nova perspetiva pois somos realmente “irrelevantes no espaço”. A Terra é a nossa casa, mas 60 anos depois de termos ido à Lua, como vemos o futuro? “A natureza do Homem é definida pela necessidade, e o ímpeto de procurar novos sítios para colonizar, mas também para destruir”, refere.
Há milhões de anos Marte era um planeta azul, tendo havido um processo de transformação. Hoje podemos também estar num caminho de destruição do nosso planeta.
“Ir à Lua é difícil, o homem não está preparado. Fisicamente somos frágeis. Se calhar a nossa conquista far-se-á de uma forma diferente. Não biologicamente, eventualmente como ciber, o homem projetado na realidade virtuall”
A componente digital é, na sua opinião, fundamental, enquanto uma ajuda para perceber o analógico, porque “nós somos analógicos, o Universo é analógico, não há descontinuidades”.
A nova corrida 2.0 – os quatro cenários
Como vai ser a nova conquista do espaço? Será um faroeste? Ricardo Conde chama a atenção para um objetivo cujos propósitos de colonização são talvez os mesmos do século 15, pela busca de novos materiais, mineração, extensão território chegando até às questões de geopolítica e militarização do espaço.
Para tal, é perentório perceber como regulamentamos o Universo.
“Numa terra de ninguém, é necessário, tal como foram nos mares, uma coordenação e cooperação. Como olhamos para a presença na Lua? É first come, first served? Teremos de fazer o Tratado de Tordesilhas da Lua e Marte?”
Novas coisas estão para vir, e é certo que haverá uma maior presença e permanência em órbita, estações internacionais privadas e a parte “nobre” da ciência irá perceber se existem outras vidas.
Ricardo Conde partilha quatro cenários a ter em conta, entre uma “new space economy” com o providenciar de novos serviços, como o 5G omnipresente, o domínio dos Titãs das grandes tecnológicas, desafios regulatórios e a militarização do espaço, que considera “o grande calcanhar de Aquiles”. E acrescenta ainda o acesso, a logística transorbital, os hotéis, deixando a ressalva: “o espaço é caro, não é para todos”.
Uma chamada de atenção para o lixo espacial (“space debris”), em que o Homem está a “criar uma cortina para a exploração”. No final da década, há mais de 100 mil satélites a ser lançados. A necessidade de regulamentação e coordenação faz com que na Europa já se esteja a trabalhar numa política de zero lixo espacial (“zero debris”).
Na sua perspetiva, a tecnologia é um dos aliados para criar a sustentabilidade no espaço, com o recurso a ferramentas como digital twins, cloud computing e computação quântica.