Luiza Teixeira de Freitas é a mulher que está na dianteira da Operação Nariz Vermelho (ONV) que através da arte e do humor, leva o riso às crianças, adolescentes e jovens em contexto hospitalar. Vinte e cinco Doutores Palhaços da equipa ONV espalham alegria em 17 hospitais portugueses, contribuindo para que 92% das crianças se esqueçam que estão num hospital.
Durante o período de confinamento, a ONV reinventou-se e prosseguiu o seu serviço, graças à ajuda da tecnologia. Agora é tempo dos reencontros face a face, afirma Luiza Teixeira de Freitas que esteve em conversa com a Líder, em que falou sobre a ONV e de como rir é mesmo o melhor remédio.
Atualmente está à frente da Operação Nariz Vermelho que, no próximo ano, celebra o vigésimo aniversário. Que apelos sentiu para se aproximar desta organização?
Estou próxima da organização desde o seu início, em 2002. Foi a minha mãe, Beatriz Quintella, que fundou a ONV e esteve à frente da mesma durante mais de dez anos. Por essa razão, mesmo que, por vezes, mais distante fisicamente, estive sempre muito próxima e ligada à organização. Esta reaproximação recente e o facto de ter assumido este papel dentro da Direção foi bastante natural. Mas acima de todas as razões de cariz pessoal e histórico, sinto-me extremamente realizada por poder liderar, em conjunto com a restante Direção, uma organização cuja missão é essencial. Poder atuar para a excelência de um trabalho que considero transformador, não tem preço.
“Rir é o melhor remédio” é uma espécie de slogan para o que fazem no interior dos serviços pediátricos. Fazer rir é um exercício de liderança nos hospitais portugueses?
O nosso trabalho assenta na premissa da arte e do humor, que são inerentes à linguagem do palhaço. Um dos nossos principais objetivos é o de transformar o ambiente hospitalar, tornando-o mais humano, leve e harmónico. Acreditamos, sim, que ‘Rir é o melhor remédio’. Esse foi o título do estudo promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisa da ONV, em parceria com o Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho e o Hospital de Braga, que veio comprovar os benefícios da intervenção dos Doutores Palhaços na recuperação das crianças hospitalizadas. Trabalhamos, lado a lado, com os profissionais de saúde, sempre focados no lado saudável da criança – na sua capacidade de brincar (que a doença por vezes lhe tira) –, ajudando a transformar o período de internamento da criança numa experiência menos pesada, e esse efeito também é sentido pelos pais / acompanhantes e pelos próprios profissionais de saúde.
Em quantos serviços pediátricos estão presentes e quantas pessoas trabalham na ONV?
Temos 25 Doutores Palhaços na nossa equipa, que levam alegria a 106 serviços nas pediatrias de 17 hospitais públicos de Norte a Sul do país. No escritório contamos com 16 profissionais a trabalhar nas mais diversas áreas, garantindo que o trabalho levado aos hospitais é assegurado e de excelência. Na Direção somos 5 e temos ainda um Conselho Consultivo formado por 13 profissionais de áreas variadas, que nos dão apoio pontual quando necessário.
Os artistas da ONV realizam atuações adaptadas a cada criança, adolescente e jovem que está a viver a sua circunstância. Para se ser criativo nestas situações de vulnerabilidade do outro, o que é necessário ter em linha de conta para se desempenhar bem esta obra?
É importante sublinhar que os Doutores Palhaços são artistas profissionais, com formação específica em Clown e com formação adicional específica para contexto hospitalar. É um trabalho, sem dúvida, muito exigente. Para se ser Doutor Palhaço tem de se ter formação artística e há todo um trabalho de criatividade e constante renovação de um repertório que se quer sempre fresco e atual. Fazem muitas formações em variadas áreas e, além de toda a inspiração que vão buscar a fontes específicas – livros, teatro, cinema, música –, é essencialmente do dia a dia, das situações do quotidiano e da relação com a Direção Artística da ONV que aparecem as melhores ideias. Mas, acima de tudo, estão preparados para analisar as situações e compreender os limites de espaço, e do outro, e que os momentos de brincadeira são tão importantes como os de silêncio.
Que efeitos físicos, emocionais, psicossociais e organizacionais são notados com o vosso trabalho, quer com as crianças, adolescentes e jovens hospitalizados, quer com os profissionais de saúde?
Segundo testemunhos de profissionais de saúde que colaboraram no estudo “Rir é o Melhor Remédio”, de que falei anteriormente, 92% das crianças esquecem-se de que estão num hospital depois de estarem com os Doutores Palhaços; 85% referem que as crianças colaboram mais com os tratamentos ou exames; e 73% sublinham que as crianças apresentam maiores e/ou mais rápidas evidências clínicas de melhoria após contacto com os Doutores Palhaços. Além disso, através da arte do palhaço, da brincadeira e do encontro com as crianças, é possível notar uma grande melhoria da comunicação entre profissionais de saúde, crianças e as suas famílias. As crianças passam a falar mais, a alimentar-se melhor e ficam mais dispostas a aceitar e contribuir com tratamentos.
Que desafios acrescidos trouxe a pandemia à missão dos Doutores Palhaços, dado que as visitas hospitalares passaram da modalidade presencial à virtual?
A Operação Nariz Vermelho reinventou-se em tempo relâmpago e, apesar de todos os desafios, criou, numa primeira fase, a TV ONV, no YouTube e no IGTV, onde todos os dias eram lançados dois vídeos, de três minutos, pensados, filmados e produzidos pelos Doutores Palhaços (também em casa). Num segundo momento, quando percebemos que era importante assegurar um contacto mais direto entre os Doutores Palhaços e as crianças hospitalizadas, surgiu a ideia de adotarmos um modelo de visita virtual, a que chamámos “Palhaços na Linha”. Este projeto permitiu fortalecer a ligação com as crianças, através do olhar personalizado, via tablet, e o fortalecimento das relações com as equipas de profissionais de saúde dentro dos hospitais, que foi fundamental para continuarmos a desempenhar o nosso trabalho.
O que aprenderam com a experiência desta realidade nova para o mundo? De que forma a tecnologia pode fazer crescer o vosso trabalho sem descurar os encontros presenciais?
Leonardo Da Vinci disse que “aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende”. Sem dúvida que este último ano e meio foi de enorme aprendizagem para toda a nossa organização. Nunca nos esquecemos para quem trabalhamos e isso deu-nos as ferramentas para nos reinventarmos e continuarmos a entregar um trabalho de excelência, mesmo que no plano digital. Toda esta aprendizagem ainda trará muitos frutos, visto que continuamos a analisar e compreender os formatos, modelos e contornos em que a tecnologia e o digital poderão ser utilizados da melhor forma e em benefício das crianças.
Como podem ajudar os particulares e as empresas?
O apoio que particulares e empresas nos dão, seja através de donativos pontuais ou regulares, da participação nas nossas campanhas anuais de angariação de fundos ou através da consignação do IRS, representa uma fatia imprescindível do nosso orçamento, pelo que agradecemos a contínua confiança que uns e outros continuam a depositar, ano após ano, no nosso trabalho.
Acredita que melhorar a qualidade de vida dos mais novos, que se encontram numa condição de fragilidade, através da alegria pode contribuir para um Serviço Nacional de Saúde mais eficiente e feliz?
Tenho a certeza disso, e esse é um dos motivos pelos quais a ONV visita apenas hospitais públicos, uma vez que é nestes que se encontra o maior número de crianças internadas. Além disso, o investimento nos hospitais públicos está centrado nas necessidades básicas de saúde, como sendo equipamentos e capital humano na pessoa dos profissionais de saúde, pelo que o nosso trabalho complementa a visão do hospital e ajuda a humanizar o espaço para as crianças que nele se encontram. Humanização, esta, tão valorizada pelos profissionais com quem trabalhamos. Este serviço, desempenhado por uma equipa profissional com formação específica, é 100% oferecido aos hospitais, já que a ONV não recebe qualquer apoio estatal e se financia exclusivamente junto da comunidade.
Qual a melhor prescrição de um Doutor Palhaço para um país que é conhecido por ser mais dado a tristezas do que a alegrias?
Acho que isso é mais um rótulo do passado, romantizado pelo fado. O nosso local de trabalho é o hospital e aí interagimos com crianças, familiares e profissionais de saúde com sentido de humor, mesmo dentro das circunstâncias. O que acontece é que, por vezes, esquecemo-nos de que o humor é essencial ao bem-estar físico e emocional. Por isso, se alguma prescrição podemos recomendar é a de nunca nos esquecermos de rir!