O Contra-almirante António Gameiro Marques é licenciado em Ciências Militares Navais, mas não é na Marinha que exerce a sua atividade. Desde 2016 que lidera o Gabinete Nacional de Segurança e o Centro Nacional de Cibersegurança, parte da estrutura do GNS.
Se no século 20 a maior riqueza estava no petróleo, hoje é unânime que o bem mais valioso, no século 21, são os dados.
O diretor-geral do GNS partilha com a Líder a sua visão sobre os desafios e as ameaças para o futuro, e afirma que está nas mãos dos líderes encarar a questão da segurança como estratégica e reveladora de uma sociedade democrática e digitalmente capaz.
A relação entre segurança e tecnologia nunca foi tão estratégica para as empresas e organizações. Estarão os líderes verdadeiramente preparados?
Tal como noutras as áreas do conhecimento, também na cibersegurança existem alguns mitos os quais, ainda que tendam a atenuar-se com a inexorável realidade dos factos, ainda perduram. Ideias como «tenho várias camadas de firewalls e por isso a minha organização está segura», «investir em cibersegurança não dá qualquer retorno», até à clássica «a cibersegurança é um assunto tecnológico, por isso, é um assunto do Departamento de TI», são noções que ainda persistem nalgumas áreas da nossa sociedade, sobretudo ao nível da camada dirigente, que importa não só esclarecer, como sobretudo desconstruir.
Embora os respetivos dirigentes já reconheçam a cibersegurança como uma importante parte das atividades na área do IT, ainda não compreenderam completamente o caráter estratégico desta temática e o quão relevante é, para o negócio, trazerem para o mais importante órgão de decisão corporativo o tema da cibersegurança. Numa perspetiva diametralmente oposta, constata-se que os dirigentes que conseguiram gerir o impacto daqueles ciberataques com sucesso, reconhecem na cibersegurança uma prioridade estratégica de alto nível, por verificaram, factualmente, que o seu maior erro no período que antecedeu este ataque terá sido o de tratar a cibersegurança apenas como uma questão técnico-operacional.
Hoje já podemos afirmar com bastante certeza de que as entidades que são atacadas e que possuem altos níveis de preparação recuperam mais rapidamente e não perdem informação. Com efeito, as lições aprendidas (sobretudo ao longo de 2022) evidenciaram que a melhor forma de mitigar os riscos inerentes é maximizar a preparação corporativa numa lógica transversal à organização. Trata-se, assim, de uma mudança fundamental de mentalidade e de cultura corporativa: a cibersegurança deve ser tratada como um assunto de natureza estratégica e não eminentemente operacional, e como um investimento e não como uma despesa. E o líder tem aqui um papel absolutamente fundamental, dado que, como sabemos bem, a melhor forma de liderar é pelo exemplo: se o líder não leva a sério as questões de segurança da informação, então não espere que a sua organização o faça por si só.
Segundo informação do último Boletim do Observatório de Cibersegurança, Portugal passou de 16º lugar em 2019 (com 64% de pontuação) para 8º em 2023 (com 90%), no National Cyber Security Index. O que mostram estes números?
Estes números demonstram que o muito trabalho que tem sido feito neste domínio ao longo dos últimos anos pelos diversos agentes da sociedade que lidam com este assunto, tem devolvido resultados positivos mensuráveis e tangíveis, sendo naturalmente muito importante para o nosso País. Todavia, e mais relevante que tudo, assinala o muito que ainda há a fazer para que, de forma o mais inclusiva possível, consigamos fazer com que a nossa sociedade, a despeito das suas heterogeneidades, possa ter um elevado nível de maturidade digital e de cibersegurança, consentâneo com os desafios que a dimensão digital da nossa sociedade suscita. É que não há desenvolvimento sustentado sem segurança. E se é nosso desígnio coletivo contribuir para o fomento da nossa prosperidade coletiva através da economia digital, então temos de nos empenhar em criar as condições necessárias a que as pessoas utilizem os serviços e dispositivos digitais colocados ao seu dispor com segurança e com confiança.
Que ameaças podemos esperar e o que é prioritário para a segurança do país nos próximos tempos?
Na minha qualidade de DG do GNS não me compete pronunciar sobre a segurança do País no sentido lato. O que posso alvitrar, todavia, é que, no contexto da segurança do ciberespaço, com o incremento do número de pessoas e dispositivos conectados simultaneamente e um concomitante aumento de serviços digitais disponibilizados a toda a sociedade, ao que acresce a disponibilização crescente de novas tecnologias que entram no mercado muitas vezes sem que as pessoas as saibam utilizar com segurança, haja uma maior probabilidade de haver comprometimentos e incidentes de cibersegurança.
A mitigação dos riscos dali decorrentes deverá ser feita, entre outras, através de um forte e permanente investimento na capacitação da sociedade para o correto uso dos meios digitais que são colocados à nossa disposição, nomeadamente através de campanhas de sensibilização e de educação dirigidas às várias camadas da sociedade portuguesa.
O que podemos esperar da sua participação na Leadership Summit Portugal?
Podem esperar que eu partilhe a minha experiência e conhecimento que fui integrando ao longo dos anos, desejavelmente com simplicidade e empatia, e que acrescente valor e conhecimento a quem me ouvir.
Uma mensagem de esperança para o renascimento do caos.
Num momento das nossas vidas coletivas onde cada vez mais parece que dizer a verdade aparenta ser um ato revolucionário, em que a tecnologia se tornou não apenas uma área de oportunidade, de competição e de colaboração mas também um campo de batalha na procura do controlo, do confronto de valores e na supremacia estratégica, cabe, a todos nós, setor público, setor privado e academia, coletivamente pugnar para a construção de um Futuro com base na capacitação digital das organizações como acelerador do desenvolvimento, alicerçando-o nas melhores práticas de cibersegurança e sempre na estrita observância dos valores que são os pilares de uma sociedade democrática.
António Gameiro Marques, vai marcar presença na Leadership Summit Portugal, que vai acontecer no próximo dia 26 de outubro, no Casino Estoril. Sob o tema «Reborn From Chaos – The Path For a New Renaissance», o evento reúne oradores nacionais e internacionais num programa marcado por intervenções e debates focados nos desafios da transição digital, sustentabilidade, igualdade e inclusão.
Mais informações disponíveis no site: www.leadershipsummitportugal.com