Eu ainda sou do tempo em que para fazer um passaporte se ia, creio, ao Governo Civil e num ápice se tinha o problema resolvido. Depois o tempo passou e as coisas complicaram-se. A partir de certa altura nada mais se conseguiu fazer sem marcação. E as marcações são invariavelmente demoradas. Com um pagamento extra consegue-se um regime de urgência que acelera tudo e me parece altamente imoral. Neste momento, este estado de coisas é extensivo a muitos documentos. Para tudo são precisos inúmeros papéis e para obter papéis são precisas senhas que se obtêm sob marcação. Os custos para o país só podem ser elevadíssimos.
Nestas circunstâncias, como é óbvio, começou a florescer um negócio. A pequena burocracia gera corrupção. Noticiou o Expresso há dias que há gente que se dedica a arrebanhar senhas que depois vende a 50 euros a pessoas que têm pouco dinheiro para as pagar. Como é evidente, trata-se de juntar desgraça à dificuldade.
É evidente que há espaço e utilidade para fazer muita coisa online, mas não é aceitável que os serviços estejam orientados para si mesmos e não para os cidadãos. Passada a fase aguda da pandemia, deveria ser possível qualquer cidadão tratar de assuntos correntes sem ter que marcar como se estivesse a fazer uma reserva num três estrelas Michelin. Trata-se de algo básico e expectável em qualquer Estado funcional – que o nosso parece ser cada vez menos. Como escrevia uma leitora em carta ao diretor do Público, talvez o nosso Portugal esteja a tornar-se um país “demasiado desmazelado”.