A estratégia das empresas para a prevenção do stresse e de outros problemas psicológicos nos locais de trabalho deve passar por um acompanhamento regular de um/a profissional Psicólogo/a. As palavras são de Teresa Espassandim, Psicóloga e membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Para quem «as pessoas são muitas vezes referidas como sendo o principal ativo das empresas, mas isso é muito mais discurso do que prática». Hoje, é incontornável: o bem-estar psicológico e a saúde (física e mental) são fatores protetores do envolvimento e compromisso nas organizações e, por isso, críticos para a produtividade dos colaboradores.
E mais, num mercado cada vez mais competitivo, a perda de produtividade devido ao presentismo e absentismo causados por stresse e outros problemas de saúde psicológica pode custar às empresas portuguesas até 3,2 mil milhões de euros por ano. Não é assim de estranhar que os Psicólogos assumam claras vantagens para as empresas.
Teresa Espassandim é uma das oradoras na 7.ª edição da Porto RH Meeting e vai trazer ao palco o tema “Tranquilidade em tempos de imprevisibilidade: como é que as organizações lidam com o stresse e burnout dos colaboradores”.
Deve a saúde mental ser um novo indicador de negócio? Que estratégias individuais devemos implementar para promover a saúde (física e mental) e o bem-estar psicológico? Quais são hoje os potenciais fatores de risco? Estas e outras questões são respondidas nesta entrevista.
A sua intervenção na 7.ª edição da Porto RH Meeting é sobre a sua perspetiva enquanto Psicóloga do que é a tranquilidade dos colaboradores em tempos de imprevisibilidade. O que entende por tranquilidade?
A imprevisibilidade e a perceção de falta de controlo na vida (e nos contextos de trabalho) são vivenciadas como ameaças a um sentido de segurança pessoal e, por isso, geradoras de sentimentos de medo e ansiedade que, quando de forma prolongada no tempo, se podem manifestar através da apresentação e intensificação de sintomas físicos, emocionais, psicológicos e comportamentais que afetam a saúde (física e mental) e, consequentemente, a produtividade. Tranquilidade, neste âmbito, significa promover o sentido de autoeficácia dos colaboradores, contribuindo para uma maior perceção de autocontrolo de diferentes dimensões no contexto de trabalho e, assim, de bem-estar psicológico.
Proporcionar tranquilidade às pessoas e ter colaboradores sem stresse é mais pertinente nas empresas durante uma grave crise pandémica como a que estamos a viver?
“Proporcionar” tranquilidade às pessoas no contexto de trabalho significa essencialmente devolver-lhes uma maior sensação de previsibilidade, de que são exemplo estratégias como comunicar com clareza as mudanças a implementar, explicar os seus fundamentos e objetivos, comunicar expectativas e papéis inequivocamente assim como manifestar compreensão e aceitação das dificuldades vividas pelos colaboradores, assegurando apoio e respostas adequadas. Tal permitirá ajudá-las a reduzir a utilização de formas de processamento da informação mais automatizados, categoriais, intuitivas e rígidas características de um modo de alerta e “sobrevivência” decorrente da experienciação da crise pandémica, para poderem utilizar nas suas tomadas de decisão processos mais racionais, lógicos, analíticos e flexíveis que diminuem a probabilidade de erro, de acidentes e possibilitam até o assumir de maior risco. Processos cognitivos essenciais à vida como a atenção, a memória e a aprendizagem são, assim, favorecidos porque menos “sequestrados” por estádios emocionais como o stresse que nos precipitam para reagir ao invés de agir.
Uma vez que a perda de produtividade devido ao presentismo e absentismo causados por stresse e outros problemas de saúde psicológica pode custar às empresas portuguesas até 3,2 mil milhões de euros por ano, deve a saúde mental ser um indicador crítico de negócio?
É incontornável que o bem-estar psicológico e a saúde (física e mental) são fatores protetores do engagement (envolvimento e compromisso) nas organizações e, por isso, críticos para a produtividade dos colaboradores. O melhor exemplo de que se trata de um indicador de negócio são os resultados da capitalização do Índice de Motivação da Irrational Capital (que tem como objetivo acompanhar um conjunto de médias e grandes empresas dos EUA, cujos colaboradores exibem certos padrões de comportamento e motivação, acreditando-se que estes preveem futuros retornos excedentes) aumentou mais de 100%, comparando com pouco mais de 50% do índice S&P 500.
Da sua experiência com empresas, como é que as organizações estão a lidar com o stresse e o burnout dos colaboradores?
Grande parte das organizações está hoje absorvida na luta pela sobrevivência dos seus negócios, ocupada a acelerar a transformação digital e a agilizar processos de trabalho que se adaptem às novas contingências que a pandemia impôs. Muitas chefias e lideranças estão genuinamente preocupadas com os seus colaboradores, por observarem no dia-a-dia as dificuldades que estes sentem na conciliação da necessidade de resposta aos desafios acrescidos no trabalho com os das suas vidas pessoais e familiares, mas poucos destes conseguem adotar práticas de gestão centradas na eficiência e valorização dos trabalhadores e que previnam riscos psicossociais como o stresse e o burnout. Todavia, identifica-se uma progressiva tomada de consciência acerca dos problemas de saúde mental e seus impactos na produtividade pelo que se observa um crescimento da disponibilização em meio empresarial de serviços de apoio psicológico (presencial ou à distância), de iniciativas de promoção da literacia em saúde psicológica (em formato webinar ou talks) e de treino de resiliência e gestão do stresse. Preocupante é que, na impulsividade de alguns para ter prontas estas respostas, não asseguram que estas são prestadas por profissionais com as competências necessárias para o custo-efetividade das intervenções. A aposta mais custo-efetiva tem de se enquadrar numa lógica preventiva e sistêmica relacionada com as dinâmicas de cultura e liderança organizacionais e menos centrada, ainda que possa ser requerida, em abordagens remediativas, individuais e avulsas.
Quais são hoje os potenciais fatores de risco, além da pandemia?
Os fatores de risco enquadram-se em quatro grandes categorias (relacionadas com as tarefas laborais, com a organização do trabalho, com a estrutura da organização ou outros) e compreendem as exigências quantitativas, cognitivas e emocionais, o ritmo de trabalho, a influência no trabalho, a possibilidade de desenvolvimento, a previsibilidade, a transparência do papel laboral desempenhado, as recompensas, os conflitos laborais, o apoio social dos colegas e dos superiores, a comunidade social no trabalho, a qualidade da liderança, a confiança horizontal e vertical, a justiça e o respeito, a autoeficácia, o significado do trabalho, o compromisso face ao local de trabalho, a satisfação no trabalho, a insegurança laboral, a saúde geral, conflitos trabalho/família, problemas do sono, burnout, stresse, sintomas depressivos e comportamentos ofensivos.
Com que ferramentas é que os líderes podem no futuro evitar o stresse no local de trabalho?
As pessoas são muitas vezes referidas como sendo o principal ativo das empresas, mas isso é muito mais discurso do que prática. A estratégia das empresas para a prevenção do stresse e de outros problemas psicológicos nos locais de trabalho passa por um acompanhamento regular de um profissional Psicólogo/a com avaliações de riscos psicossociais também elas regulares e consequente planeamento de ações preventivas desses mesmos riscos à medida daquilo que seja a situação específica de risco nas empresas.
Que estratégias individuais devemos implementar para promover a saúde (física e mental) e o bem-estar psicológico?
A primeira coisa a fazer é informarmo-nos em fontes fidedignas sobre os sinais a que temos de estar atentos e sobre o que é natural sentirmos e o que pode contribuir no nosso caso em específico para nos sentirmos bem. Para isso, significa que temos de assumir a necessidade de sermos mais literados em saúde psicológica. Algumas fontes úteis sobre isto são o site www.maisprodutividade.com, www.encontreumasaida.pt e o próprio site da OPP, www.ordemdospsicologos.pt/pt/covid19. Depois de reconhecermos os sinais ou estarmos mais em contacto connosco próprios é importante aceitarmos o que estamos a sentir e colocarmos em prática algumas ações. Aspetos mais ou menos transversais a todos são o contacto com a natureza ou espaços verdes, a atividade física regular, uma boa higiene do sono ou limitar as suas atividades laborais ao horário de trabalho, evitando responder a emails, mensagens e telefonemas fora desse período. Outro aspeto muito importante é manter o contacto social mesmo que à distância e a partilha do que sente com aqueles que lhe são mais próximos.
De que forma é que a Ordem dos Psicólogos Portugueses se está a preparar ou a criar o futuro da Psicologia do Trabalho num mundo pós-pandémico?
As empresas que não aproveitem as competências dos Psicólogos serão empresas em desvantagem neste mercado cada vez mais competitivo. São empresas menos capazes de cuidar dos seus talentos, das dinâmicas relacionais e de equipa dentro da organização, menos capazes de otimizar processos dependentes dos comportamentos das pessoas, que irão selecionar pior por não conseguirem realizar as melhores avaliações dos seus futuros colaboradores e que terão muito mais dificuldade na prevenção de conflitos e sua resolução bem como no desenvolvimento das competências dos seus colaboradores em permanente necessidade de atualização (re-skilling e up-skilling). As lideranças que não conseguirem utilizar a psicologia através dos profissionais que são competentes para isso (por muita intuição e sensibilidade que os líderes tenham a Psicologia é uma ciência e não uma arte) serão menos eficientes e as suas organizações serão menos sustentáveis a prazo. O Psicólogo do Trabalho será central para a organização do trabalho pois será cada vez mais necessário preparar líderes e as suas organizações para uma gestão que permita mais autonomia aos colaboradores, que reconheça, desenvolva e permita a realização dos colaboradores no trabalho e que retire o melhor da criação de redes de pertença e apoio dentro da organização, na criação de uma identidade e significados corporativos, em que o alto rendimento tem que ser compatibilizado com o bem-estar e saúde. Para isto é imprescindível possuir competências avançadas na área da Psicologia, que só os Psicólogos possuem. Os Psicólogos têm ainda a vantagem de ter uma formação e visão de intervenção daí decorrente pois o seu modelo é bio-psico-social, sendo natural que comecem a ser mais requisitados nos âmbitos dos sistemas de gestão e da sua certificação, bem como nos processos de vendas, tendo em conta os seus conhecimentos sobre perceção e tomada de decisão e por isso a tendência será todas as empresas, seja nos seus quadros, seja através de empresas de prestação de serviços, contarem com o trabalho dos Psicólogos, necessariamente acautelando que o são de facto, verificando a sua inscrição na Ordem (obrigatório por lei) de modo a garantir maior proteção e segurança dos serviços prestados.
Como analisa a evolução do papel do Psicólogo na sociedade?
Tem uma evolução exponencial em termos de presença e reconhecimento em diversos contextos da sociedade ao longo destes últimos 10 anos. Cada vez existe mais acesso, embora ainda existam dificuldades grandes para quem tenha menos recursos financeiros e cada vez mais as pessoas valorizam o papel do Psicólogo e entendem a sua diferenciação e o valor acrescentado das suas intervenções.
E como entende que o Psicólogo deveria ser integrado no mundo empresarial?
Dependendo do objetivo da sua contratação e da dimensão da empresa e sua capacidade financeira, o Psicólogo poderá estar inserido nos quadros da empresa, por vezes constituindo até uma equipa de Psicólogos ou prestar serviços, individualmente ou através de empresas especializadas. Depois de Engenheiros, Advogados e Economistas os Psicólogos serão os novos profissionais essenciais nas empresas para o futuro que começa já hoje.