A estratégia
Numa altura em que a crise dos media é notícia recorrente por todo o mundo, o que está a acontecer com o Financial Times é notável e um caso real de liderança, da estratégia à postura. Em março deste ano, o jornal atingiu um milhão de subscritores online. Já no terceiro trimestre de 2018, o New York Times tinha chegado às 2,5 milhões de subscrições também online. A ascensão de Trump ao poder e o consequente aumento do debate, do interesse e do engajamento das pessoas na política americana renderam cerca de um milhão de assinaturas online ao NYT. Mas o Financial Times é um jornal diferente. É um jornal de nicho, nicho de negócios e hoje de um nicho maior que é uma audiência global, com preocupações globais, que lê o que escrevem jornalistas distribuídos pelo mundo. Com qualidade, com realismo, sem pretensões. Boa informação, boa análise feita por quem conhece os meios que analisa. Foi esse o posicionamento em que apostou e ganhou, em parte porque essa audiência está em crescimento por todo o mundo. 70% dos seus leitores estão fora da sua base, o Reino Unido, caso desta que vos escreve. Foi pioneiro na criação de uma paywall doseada que abandonou em 2015. Não foi pioneiro, fazendo o mesmo que casos de sucesso reconhecidos, quando a seguir passou a ter acesso totalmente pago, ilimitado, às notícias online, começando a oferecer aos leitores subscrições experimentais de um mês a um preço simbólico. Para criar o hábito. No primeiro ano registaram cerca de mil subscrições por semana. Hoje, as subscrições digitais são responsáveis por ¾ da sua circulação, embora o papel continue a dar lucro. A decisão de mudar o modelo foi tomada após terem dado conta que se estavam a autoboicotar. Colocados perante o problema da fragmentação noticiosa que caracteriza os nossos dias, oferecer seis artigos de graça aos leitores era convidá-los a lê-los e depois partir para outros órgãos de comunicação social. Fidelizá-los a um jornal, como antigamente eram fiéis ao papel, era o desafio. Mudaram o mindset dos jornalistas. Tinham um mês para construir uma relação com o leitor, focaram-se no cliente ou potencial cliente. Criaram uma espécie de focus group na redação para testarem o engajamento da audiência. Com os dados que o sistema fornecia customizaram o FT com secções para grupos específicos: Fast Track, clientes em trânsito frequente entre Londres e NYC, empoderamento das mulheres, vídeos, áudio, etc. Perceberam que num mundo com tanta oferta, completa dispersão e com as fake news na ordem do dia, o valor de uma marca sólida ia disparar. Agarraram o momento.
O investimento
Tudo isto foi possível porque o jornal que tinha passado alguns anos a reorganizar-se e a fazer experiências para se adaptar às mudanças do mercado e que tinha, finalmente, encontrado um modelo de negócio interessante, encontrou um investidor. Jonh Ridding, CEO do FT, admitiu à época que bem precisavam deste investimento para escalar. Como todos os jornais afinal. O grupo de media japonês, Nikkei, queria tornar-se num player global, sabia que a língua dos negócios era o inglês e que para jogar globalmente tinha de ter uma publicação importante em inglês. Era um grupo dominante no mercado japonês, mas um player regional, que se dispôs a pagar um preço astronómico, bem fora das expectativas, para ganhar ao grupo de media alemão que concorreu com ele à compra do FT. A qualidade do jornalismo do FT era reconhecida, era o instrumento de que os japoneses precisavam. Aproveitaram ainda o know-how para acelerar a transição digital do grupo no Japão que estava mais atrasada e mostrar, internacionalmente, dinamismo dos investidores japoneses. A visão de crescimento do jornal e do investidor era a longo prazo. Colocou-se a questão dos jornais japoneses, os do Nikkei incluídos, serem mais brandos do que os ocidentais e se isso poderia pôr em causa a independência editorial do FT. Mas o valor do FT é precisamente essa independência. O Nikkei é propriedade e é gerido, em grande parte, por ex-jornalistas. Ridding, que também foi jornalista do FT, diz uma coisa curiosa acerca disto: “quando falas com eles como jornalistas acerca das notícias, eles adoram notícias”. Todos sabiam muito do que estavam a fazer. Ler esta entrevista ao Ridding feita em 2015 pela New Yorker é como ler Casanova a falar das suas técnicas de sedução. Ambas estratégias com sucesso.
Por: Sandra Clemente, jurista