A União Europeia lançava em 2010 a Estratégia 2020, “uma visão para uma economia social de mercado”, que assenta num crescimento simultaneamente inteligente, sustentável e inclusivo. Para monitorizar estes objetivos, a UE criou um instrumento estatístico, o Inquérito às Condições de Vida e do Rendimento, ou Survey on Income and Living Conditions. Trata-se de um inquérito representativo anual, realizado em todos os países da União, que recolhe informação comparável em cinco áreas-chave: emprego, investigação e desenvolvimento, alterações climáticas e energia, educação e, finalmente, pobreza e exclusão social.
Em 2021, na Cimeira Social do Porto, que teve lugar durante a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu, foi definido um Plano de Ação para concretizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Este pilar visa a construção de uma UE social forte, justa, inclusiva e que proporcione oportunidades aos seus residentes.
O Plano de Ação estabeleceu os seguintes objetivos, a atingir até 2030, ao nível da União:
- pelo menos 78% das pessoas com idades entre 20 e 64 anos devem estar empregadas;
- pelo menos 60% da população adulta deve participar em programas de formação em cada ano;
- o número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social deve ser reduzido em 15 milhões de indivíduos, incluindo pelo menos 5 milhões de crianças, em comparação com 2019.
Os objetivos comuns desdobram-se em compromissos nacionais, estabelecidos por cada Estado Membro. Os objetivos para a economia portuguesa são de 80% no indicador relativo ao emprego, 60% no indicador relativo à formação de adultos e uma diminuição de 765 mil pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, até 2030. A população em risco de pobreza ou exclusão social é a percentagem de pessoas que se encontram em, pelo menos, uma das seguintes condições: (i) em risco de pobreza, (ii) em privação material e social severa; (iii) a viver num agregado com intensidade laboral muito baixa.
À data da Cimeira Social do Porto, em maio de 2021, Portugal tinha uma taxa de emprego de 67,8% da população residente com as idades entre os 25 e os 74 anos. Relativamente à participação em programas de formação, em 2016, 50,2% da população adulta participou em atividades de aprendizagem ao longo da vida. Em 2020, a taxa de população em risco de pobreza ou exclusão social era 19,8%, o que perfaz mais de 2 milhões de pessoas.
O projeto “Portugal, Balanço Social”, que resulta de uma parceria entre a Nova SBE e a Fundação La Caixa, destina-se a traçar um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, com ênfase nos grupos mais vulneráveis. O principal objetivo deste projeto é fornecer uma base para uma discussão transversal sobre as situações de pobreza e exclusão social em Portugal. A última edição do relatório anual, “Portugal, Balanço Social 2022”, tira partido do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) de 2021, implementado na Primavera desse ano. Recorremos ainda a dados das últimas edições do European Social Survey (ESS 2020) e do Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE 2022). Todos os inquéritos são representativos da população residente em Portugal.
A prevalência de pobreza tem vindo a diminuir, com exceção do período da crise financeira do início da década e da pandemia. Em 2020, o limiar de pobreza – isto é, o rendimento disponível abaixo do qual um indivíduo é considerado pobre – em Portugal era de 6653 €/ano, ou 554€/mês.
A taxa de risco de pobreza e de pobreza extrema (percentagem de pessoas com um rendimento equivalente inferior ao limiar de pobreza e do limiar de pobreza extrema, 60% e 50% da mediana do rendimento disponível equivalente, respetivamente) aumentaram, em 2020, para 18,4% e 12,4%, respetivamente. A pobreza é mais comum entre as famílias monoparentais (30,2%), os indivíduos com níveis de escolaridade mais baixos (24,5%), as mulheres (19,2%) e as crianças de 0 a 17 anos (20,4%). Sem transferências sociais, a taxa de risco de pobreza subiria para 43,5%, o que corresponderia a 4,4 milhões de pessoas pobres.
A pobreza varia também em termos regionais. A Região Autónoma da Madeira tem a maior taxa de risco de pobreza (24,3%) em Portugal, seguida da Região Autónoma dos Açores, com 21,9%. No continente, o Algarve é a região onde a pobreza é mais comum (21,6%).
A taxa de privação material e social também aumentou. Em 2021, 13,5% das pessoas encontravam-se em situação de privação material e social e 6% em situação de privação material e social severa. Uma pessoa está em situação de privação material e social quando apresenta, pelo menos, cinco das treze carências da lista definida pelo Eurostat e, pelo menos, sete carências no caso de privação material e social severa. Em Portugal, a situação de privação deve-se sobretudo à dificuldade em usufruir de pelo menos uma semana de férias fora de casa (36,6%), à dificuldade em fazer face a despesas inesperadas (31,1%), ou a não conseguir substituir móveis usados (37,9%). O Norte é a região continental com maior taxa de privação material e social severa, com 7,2%, em 2021.
A relação com o mercado de trabalho é um determinante fundamental da situação de pobreza: 40,5% das pessoas desempregadas são pobres e 12% das pessoas que trabalham são, ainda assim, pobres. As pessoas que têm um contrato temporário enfrentam uma taxa de pobreza de 17,5%, ao passo que a taxa de pobreza entre quem tem contrato sem termo é de 8,2%. Um indicador útil para analisar este fenómeno mede a relação com o mercado de trabalho de acordo com a intensidade laboral – a percentagem de tempo total do ano em que os adultos entre 18 e 64 anos do agregado estão a trabalhar. A percentagem de pessoas em agregados com muito baixa intensidade laboral, isto é, nos quais as pessoas adultas trabalham menos de 20% do tempo, era de 5,2% em 2020. Mais de 37% das pessoas pobres vivem em agregados onde se trabalha a tempo inteiro, ao passo que mais de 42% vivem em agregados onde se trabalha menos de metade do ano.
O que aprendemos, com o nosso Balanço Social, acerca da situação das pessoas mais velhas? Cerca de um quinto das pessoas com mais de 65 anos vivem em situação de pobreza. Por outro lado, as transferências sociais monetárias por velhice, como as pensões, são as transferências com maior número de beneficiários – recebidas, em 2020, por cerca de 25,4% da população.
Em 2021, 32,2% dos idosos afirmavam que o seu estado de saúde era mau ou muito mau. Para os idosos pobres, este valor sobe para os 44,1%. Além disto, 72,5% dos idosos reportam sofrer de problemas de saúde prolongados e 61,8% ter limitações em atividades habituais devido a doença/problema de saúde (77,7% e 69% para os idosos pobres, respetivamente).
Os dados do SHARE 2022 revelam ainda que durante a pandemia, 62,7% das pessoas com 60 ou mais anos sentiu-se nervosa ou ansiosa. As pessoas que têm dificuldades económicas são as mais afetadas (73,1%, face a 54,7% entre os sem dificuldades). Quase metade reporta também dificuldades em dormir e, mais uma vez, quem tem dificuldades económicas é mais afetado (56,6%, face a 40,9% entre os sem dificuldades). A solidão também afeta particularmente os mais velhos: mais de 40% das pessoas com 60 anos ou mais dizem sentir-se sozinhas frequentemente ou algumas vezes.
Este artigo faz parte do tema de capa “Human Leadership: Reset, Rebirth and Reinvent Ourselves” no dossier Educação publicado na edição de verão da revista Líder.