Casas pequenas, luz fraca, cheias de faturas amontoadas. Há famílias que não sabem se vão ter o que comer ao jantar; há idosos que contam moedas para não faltarem os medicamentos; há mães que deixam o próprio estômago vazio para que os filhos não passem fome. Não são histórias isoladas. São 1,8 milhões de portugueses, quase 17% da população, a viver com menos de 632 euros por mês — um número frio, mas que carrega vidas inteiras, anos de esforço e sonhos que não passaram disso.
A Pordata divulgou estes dados e o que eles escondem é o som do país a ranger: silêncio nas casas, ansiedade nas ruas, vidas a sobreviver, não a viver. O país continua a ser pesado de carregar, e cada dia traz a mesma pergunta: como vamos chegar a amanhã?
A velhice voltou a empobrecer
Entre os grupos mais vulneráveis estão os idosos. A taxa de risco de pobreza entre quem tem 65 ou mais anos subiu para 21,1% em 2023, depois de ter sido 17,1% em 2022. Um em cada cinco idosos vive sozinho ou em agregados com rendimentos abaixo do limiar de pobreza.
É um número que carrega histórias: décadas de trabalho, impostos pagos, vidas dedicadas à família e à comunidade — e agora, no fim da linha, sobrevivem com pouco mais de seiscentos euros. Envelhecer em Portugal muitas vezes significa empobrecer e isolar-se. A solidão intensifica a dor e a sensação de que a sociedade os esqueceu.
As famílias que mais caem
As famílias monoparentais com filhos continuam a ser as mais vulneráveis: quase uma em cada três vive com menos de 632 euros per capita. Mas o risco de pobreza cresce também entre quem vive sozinho (28,6% em 2023, +4 pontos percentuais em relação a 2022), ultrapassando, em termos de aumento, quase todas as categorias.
Ser independente tornou-se um luxo. Viver sozinho, pagar renda sozinho, arcar com contas sozinho — a autonomia transformou-se numa armadilha financeira. Entre os agregados mais extensos, dois adultos com três ou mais filhos, o risco aumenta ainda mais, expondo o país a uma crise silenciosa de vulnerabilidade familiar.
Pobreza com ou sem trabalho
A pobreza não escolhe apenas quem está desempregado, mas o desemprego continua a ser o fator mais crítico: 44% dos desempregados vivem abaixo do limiar de pobreza. Entre os reformados, a taxa subiu de 15,4% em 2022 para 19,6% em 2023.
Trabalhar deixou de ser sinónimo de segurança. Em muitas casas portuguesas, o salário cobre contas, mas não cobre a vida. Alimentação, eletricidade, medicamentos, transportes — tudo depende de equilibrar o impossível. A pobreza tornou-se estrutural e silenciosa, e não há apenas fome física: há fome de futuro.
Quinze anos de perdas reais
Metade das famílias portuguesas sobrevive com menos de 1.054 euros por pessoa, valor que representa uma perda de poder de compra real face a 2009, quando ajustado pela inflação. Dois momentos críticos marcaram a última década e meia: a crise financeira de 2010 a 2012 e o segundo ano da pandemia, em 2021.
O resultado é um país que trabalha, produz, contribui, mas não vê os frutos refletidos na vida das famílias. A austeridade deixou cicatrizes duradouras, e a recuperação económica não atingiu quem mais precisava dela.
Um país na cauda da Europa
Portugal ocupa agora o 19.º lugar entre os 27 países da União Europeia em rendimento mediano mensal, tendo sido ultrapassado pela Letónia. Os números mostram a distância: Luxemburgo, Dinamarca e Áustria lideram com rendimentos que parecem inacessíveis para a maioria.
No território português, o rendimento bruto médio declarado ao IRS é de 1.155 euros. A Grande Lisboa lidera com 1.375 euros, enquanto o Tâmega e Sousa fecha com 883 euros. Oeiras é o extremo positivo, com 1.637 euros. Mas fora do litoral, a realidade é outra: em 77 municípios, os 20% mais pobres vivem com menos de 500 euros mensais. Em Resende, Montalegre e Valpaços, o valor mal chega a 400 euros.
Duas velocidades, uma só dor
Enquanto regiões do interior lutam para sobreviver, Lisboa, Oeiras, Porto e Cascais concentram a maior desigualdade. Em onze freguesias, o topo dos 20% mais ricos tem rendimentos acima de 2.500 euros mensais. O país tornou-se uma casa dividida: um litoral que cresce, um interior que esmorece, uma classe média que encolhe e uma multidão que resiste na fronteira da pobreza.
A desigualdade não é apenas económica; é social, emocional, psicológica. Ela rasga famílias, isola indivíduos, apaga sonhos.
Rostos por detrás dos números
A Pordata dá-nos estatísticas. A realidade dá-nos rostos. Há uma avó em Setúbal que salta refeições para pagar a renda. Um idoso em Bragança que divide comprimidos ao meio para que durem mais dias. Uma mãe em Lisboa que gasta o salário inteiro em creche e transportes.
Em 2023, Portugal voltou a ser um país onde a pobreza se quantifica em euros, mas também em tempo, saúde e esperança. E há uma frase que atravessa gerações, dita em surdina à mesa: «Não é que falte trabalho. Falta é chegar para viver.»



