Ao longo da História, a Europa soube dar provas da sua capacidade de inovação, empreendedorismo e vocação internacional. Atualmente, vemos todos os dias «provas de vida» deste ADN. No entanto, num mundo em que a
exigência se mede à escala global e em que a resiliência se testa ao ritmo das sucessivas disrupções geopolíticas, isso já não basta. É essencial ser consistente e conferir condições para o investimento no longo prazo.
Periodicamente, ao ritmo da divulgação de novos números, celebramos as exportações portuguesas nos diversos mercados internacionais. Se a internacionalização das empresas é importante para todas as nações, mais relevante se torna num país com um reduzido mercado interno, como Portugal, onde, por esse motivo, parte muito significativa das contas do universo empresarial e dos indicadores macroeconómicos depende dos negócios com mercados externos. No entanto, este esforço das empresas, que resulta no alargamento dos horizontes geográficos da economia, é feito apesar de um edifício regulatório que, em diversos casos, funciona mais como um obstáculo do que como um facilitador no acesso a esses mercados.
Portugal tem hoje mais de 40 mil empresas exportadoras, um número que há uma década rondava as 30 mil, com os seus negócios com o exterior a representarem quase metade do PIB. Vemos também que, apesar de setores tradicionais como a indústria continuarem a representar mais de metade das exportações, há novas áreas a protagonizarem crescimentos interessantes, como é o caso das tecnologias da informação. Além disso, há um número crescente de empresas com um perfil exportador desde o momento em que são criadas.
É certo que a presença de bens e serviços portugueses nos mercados internacionais surge bastante associada à dimensão das organizações. Mais de metade das exportações são realizadas pelas grandes empresas, que representam apenas cerca de 0,2% do tecido empresarial. Maiores recursos permitem-lhes investir e explorar negócios noutras geografias.
Porém, também é certo que o alargamento internacional dos negócios das maiores empresas beneficia outras de menor dimensão que surgem integradas nas suas cadeias de valor. Na Navigator, em que 92% da produção é destinada à exportação para 134 países, muitas empresas do setor florestal nacional estão associadas e usufruem desse alcance geográfico exatamente por serem elementos importantes na cadeia de valor florestal da empresa. Sendo a terceira maior exportadora de Portugal, a Navigator é a que cria maior valor acrescentado nacional, fruto da elevada incorporação local.
Dos seus cerca de 7500 fornecedores, 73% são portugueses. Podemos perguntar, entre dimensão e exportações, o que é causa e o que é efeito. No entanto, num país em que a capacidade de crescimento das empresas é uma das debilidades mais evidentes, talvez a ordem certa para posicionar estas variáveis seja começar por facilitar o seu perfil exportador, que conduzirá ao crescimento e a uma maior dimensão. Os últimos anos, aliás, ilustram bem a relação entre exportações e crescimento. Após a queda acentuada na faturação das empresas em 2020, devido à pandemia de Covid-19, o crescimento do volume de negócios foi generalizado, logo a partir de 2021, mas bastante mais acentuado entre as exportadoras.
Contudo, se já é difícil reunir condições de arranque para uma atividade exportadora que beneficia não só as próprias empresas mas igualmente a economia do país em geral, mais difícil se torna quando se enfrentam mecanismos regulatórios, administrativos e burocráticos que, em vez de incentivar a presença internacional, são cada vez mais complexos e onerosos, estabelecendo entraves a esta dinâmica tão necessária.
A Comissão Europeia deu um passo promissor neste sentido quando, na última semana de janeiro, associou claramente o crescimento da economia europeia à simplificação dos processos. A designada Bússola para a Competitividade da UE prevê a simplificação de diretivas e regulamentos que abrangem a carga administrativa e o reporte, com vista a uma modernização da economia europeia. Os empresários e gestores que lidam com os mercados externos são os primeiros a perceber a urgência e a relevância destas medidas de simplificação.
A arquitetura normativa europeia abrange tópicos que são seguramente relevantes tendo em vista a construção de modelos económicos mais sustentáveis, tais como a energia e o clima, a economia circular, a sustentabilidade e as finanças ou política do consumidor. No entanto, se quisermos assumir o objetivo de encorajar mais empresas a atuar num espaço geográfico alargado, uma ação simplificadora da União Europeia, como a que foi expressa com a Bússola para a Competitividade, deverá incluir medidas que reduzam efetivamente encargos administrativos, custos de conformidade e barreiras ao comércio transfronteiriço.
No que toca à energia e ao clima, deverá ser criado um modelo único de planos de transição para evitar duplicação entre diretivas, aumentando o limite mínimo para aplicação do Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono, reduzindo a frequência dos relatórios obrigatórios e simplificando os relatórios relacionados com o Sistema de Comércio de Emissões para pequenas empresas. Custos de conformidade poderão ser reduzidos mediante critérios mais amplos para isenção do Sistema de Comércio de Emissões (ETS) para PME, removendo exigências redundantes em auditorias energéticas obrigatórias vinculadas à alocação de licenças gratuitas neste sistema e ajustando metas de eficiência energética para evitar barreiras a tecnologias inovadoras de baixo carbono. Entraves no mercado único poderão ser removidos por meio da harmonização de licenças para projetos transfronteiriços de energia renovável sob o Net Zero Industry Act e expandindo a sua abrangência de modo a incluir peças e materiais críticos na cadeia de abastecimento.
No âmbito da economia circular, a simplificação burocrática poderá incidir na redução das exigências duplicadas na Diretiva de Emissões Industriais, harmonizando padrões ambientais. Para a redução de custos contribuirá o ajuste das metas de reutilização de embalagens, eliminando regras impraticáveis para transporte dentro dos Estados-membros. No âmbito transfronteiriço, deverão ser criados critérios de fim de resíduos padronizados na UE, evitando diferenças nacionais que dificultam o comércio, reduzindo também a burocracia associada ao seu transporte entre Estados-membros. No capítulo da sustentabilidade e finanças, afigura-se essencial a simplificação dos relatórios de sustentabilidade ao abrigo da Diretiva para a Comunicação de Informação sobre a Sustentabilidade das Empresas (CSRD), reduzindo redundâncias com a taxonomia e alinhando as exigências desta diretiva e outros regulamentos.
Custos de conformidade regulatória serão reduzidos se a divulgação de alguns indicadores financeiros na taxonomia, como o Opex KPI, passar a ser voluntária, simplificando os critérios de «não causar danos significativos» (DNSH) em relação a substâncias químicas, ou congelando a adoção de padrões setoriais adicionais sob a CSRD até que os atuais sejam revistos e simplificados. O alívio de barreiras regulatórias neste tema passará por uma maior coerência entre as diretivas CSRD, a Corporate Sustainability Due Diligence Directive (CS3D) e os regulamentos relativos a minerais e florestas. A implementação da diretiva CS3D deverá ser alvo de diretrizes claras e rápidas, evitando interpretações divergentes nacionais.
Quanto aos encargos administrativos ao nível da política do consumidor, eles poderão ser reduzidos estabelecendo padrões claros para alegações ambientais, prevenindo uma sobrecarga regulatória e green hushing, limitando as obrigações de reparabilidade a produtos específicos. Para uma redução dos encargos respeitantes a ajustes excessivos será necessário que os direitos de reparabilidade sejam proporcionais e não comprometam segredos comerciais.
Este conjunto de alterações é extenso. Mas, por isso mesmo, mostra que há muito a fazer nos diversos campos de redução de burocracia, custos regulatórios e de contexto, que ameaçam a capacidade de internacionalização das empresas e, como tal, o seu crescimento. O mercado internacional precisa de regras que orientem a atuação das empresas, mas desejavelmente sem obstruir o seu crescimento e o das economias nacionais e europeia.
Volto ao exemplo da Navigator. A empresa promove a gestão ativa da floresta de eucalipto como uma abordagem estratégica aos muitos desafios que todos temos pela frente, no âmbito de uma necessária bioeconomia circular e de baixo carbono. Esta atitude é uma resposta à necessidade de construir modelos de desenvolvimento simultaneamente sustentáveis e eficientes, com inovação ao nível da silvicultura, da operação e da criação de novos bioprodutos com origem na celulose, alternativos aos que hoje têm origem fóssil. Bens e serviços alinhados com este modelo de desenvolvimento têm certamente maior facilidade de marcar presença em mercados internacionais – e isso é amplamente reconhecido na Bússola para a Competitividade da UE, que põe a inovação, a bioeconomia e os novos materiais no grupo das prioridades para o crescimento e autonomia estratégica da UE.
O exemplo da Navigator mostra que é mediante os caminhos que escolhem para os seus negócios, na inovação que introduzem nos bens ou serviços e nos processos que utilizam para os produzir e distribuir que as empresas tornam clara a sua responsabilidade. Muitos dos resultados extraordinários que vemos emergir dessa atuação responsável são conseguidos não graças ao contexto regulatório, mas antes apesar dele. Tal como nos encontramos, só podemos imaginar o que conseguiríamos atingir num ambiente em que essa complexidade fosse substituída por processos mais simples, racionais e que convidassem e tornassem possível a presença de mais empresas nos mercados internacionais, alargando os seus horizontes de crescimento.
Ao longo da História, a Europa soube dar provas da sua capacidade de inovação, empreendedorismo e vocação internacional. Atualmente, vemos todos os dias «provas de vida» deste ADN. No entanto, num mundo em que a exigência se mede à escala global e em que a resiliência se testa ao ritmo das sucessivas disrupções geopolíticas, isso já não basta. É essencial ser consistente e conferir condições para o investimento no longo prazo.
Fontes dos dados sobre exportações nacionais:
• Informa D&B (Estudo «Exportadoras» – julho de 2024). «Exportadoras»: empresas cujas vendas de bens e serviços no mercado externo representam pelo menos 5% do seu volume de negócios ou mais de 1 milhão de euros no ano;
• AICEP.
Este artigo é um excerto do livro ’71 Vozes Pela Internacionalização’, do Iscte Executive Education, a ser lançado no dia cinco de junho, publicado com o consentimento do autor.