Surgem instantes, entre o cair do último dia do ano e a manhã seguinte, em que acreditamos possuir a claridade suficiente para antecipar o que aí vem. É uma espécie de superstição moderna: folheamos relatórios, acompanhamos gráficos, ouvimos especialistas como se fossem oráculos, e fingimos que o futuro se deixa domesticar por planos e previsões. No fundo, procuramos apenas um sentido que nos organize o desconforto. As empresas chamam-lhe estratégia; os líderes, visão; mas, no íntimo, trata-se de um movimento humano muito simples, que passa por tentar transformar incerteza em narrativa. E é precisamente neste ponto que começa a nossa leitura do novo ano.
O artigo New Year Predictions: 5 Tips To Re-frame Doubts About 2026 da Forbes começa com uma constatação que deveria bastar por si: muitas das previsões que fazemos para o ano vindouro não nascem de factos, mas de dúvidas recicladas, reverberações de receios antigos, medos pessoais ou económicos, e ansiedades no presente.
Este ponto ganha particular relevância num contexto como o de hoje: depois de 2025 — ano marcado por incertezas económicas, tensões no mercado laboral e uma sensação coletiva de instabilidade — o pessimismo automático parece querer assentar arraiais nas cabeças, transformando 2026 numa sombra antes mesmo de começar.
Mas se o problema reside nas narrativas internas, nas histórias que contamos a nós próprios, então há margem para intervir. E o que propõem essas «cinco formas de reconfigurar dúvidas» não é autoajuda superficial: é um exercício de distanciamento cognitivo, de realinhamento da percepção com a realidade e de reescrita consciente da própria expectativa.
Avanços na taxa de emprego e fragilidades estruturais em Portugal
Vejamos alguns indicadores recentes em Portugal que ajudam a calibrar a probabilidade real, antes de cedermos à tentação de imaginar o pior. Segundo dados recentes, a taxa de desemprego caiu para cerca de 5,8% no 3.º trimestre de 2025, com a população empregada a atingir 5,33 milhões, o nível mais elevado desde 2011, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Em outubro de 2025, a taxa de desemprego fixou-se em 5,9%, o valor mais baixo desde 2022, e a população desempregada estimada foi de aproximadamente 329 mil pessoas. Ainda que o desemprego geral tenha recuado, a subutilização do trabalho — pessoas desempregadas, com emprego a tempo parcial involuntário ou disponíveis para trabalhar — permanece um desafio estrutural: em 2025, esse indicador situou-se em cerca de 10,1%. Particularmente relevante: a taxa de desemprego jovem continua significativamente acima da média nacional. Segundo dados da principal consultora de recursos humanos em Portugal, a população jovem (15-24 anos) enfrenta uma taxa de desemprego que triplica a média nacional (~19,5% em 2025).
Estes números mostram que, mesmo num cenário de mercado de trabalho relativamente estável, persistem fragilidades e desequilíbrios sobretudo entre os mais jovens, e no que respeita à qualidade e utilidade do emprego.
Ou seja: os receios existem e em muitos casos são justificados. Mas isso não anula a necessidade, antes urgência, de fazer a distinção entre cenários possíveis e histórias internalizadas, entre estatísticas reais e previsões emocionais.
Dúvidas internalizadas vs. factos: porque a mente distorce e como ressignificar
O autor do artigo da Forbes sublinha que as dúvidas assumem rapidamente forma de certezas internas, assumidas como verdades, mesmo quando sem base. Frases como «isso vai correr mal», «não me vão contratar», «vai haver despedimentos» começam como pensamentos isolados e transformam-se em narrativas dominantes.
Esse tipo de pensamento automático ativa o chamado «viés para a negatividade». Isto é uma tendência cognitiva universal a focar mais no que pode correr mal do que no que pode dar certo. No momento de definir metas para 2026 — seja pessoal, seja empresarial — isso distorce a percepção de risco e de oportunidade.
Reagir a esse viés exige um método intencional. O artigo sugere que, quando o primeiro pensamento negativo surgir, se o observe com distância, quase como um outsider, avaliando o seu peso real. E, num segundo passo, se conteste com factos: «já ultrapassei situações complicadas», «há oportunidades reais no mercado», «as estatísticas mostram que há emprego», em vez de nos deixarmos dominar pela emoção.
Com os dados recentes de Portugal à mão, esse exercício ganha corpo. Podemos dizer, com alguma segurança: «apesar das fragilidades, o emprego está num dos melhores momentos recentes; há menos desemprego, mas persiste a subutilização e o desemprego jovem, logo, há riscos, mas também há espaço para intervenções estratégicas.»
Para quem lidera 2026 é um teste de narrativa coletiva
Se estiver ao leme de uma organização este conflito entre narrativa interna (medo, dúvida) e realidade externa (dados, contexto) assume proporções críticas. A cultura coletiva, a percepção de segurança dos colaboradores, a moeda de confiança e estabilidade, tudo depende de como se constrói a narrativa interna.
Num contexto como o atual, com mercado de trabalho em mutação, remunerações sob pressão, tensões demográficas, desequilíbrios de género e estrutura etária, a resiliência emocional e a clareza de comunicação tornam-se competências nucleares.
O desafio é duplo. Por um lado, reconhecer fragilidades reais. Por outro, resistir ao pessimismo automático como narrativa dominante e apostar numa visão de futuro assente em dados, estratégia, reforço de competências e confiança coletiva.
Aqui, a «edição de narrativa» proposta pelo artigo da Forbes é uma ferramenta de liderança profícua para uma mentalidade que cultive o coletivo, um discurso alinhado com realidade, e esperança sustentada por factos.
2026 como oportunidade se escolhermos contar a história certa
O que 2026 vai ser ninguém pode garantir. Mas o que podemos consagrar é a forma como vamos contar 2026 a nós mesmos, à nossa organização, aos nossos colaboradores. Se deixarmos que as dúvidas internalizadas digam o que vai acontecer, a história estará escrita antes de começar.
Mas se usarmos os dados, a consciência, a clareza e o compromisso com a verdade, estar-se-á a construir uma narrativa diferente. Uma narrativa de resiliência, adaptabilidade, oportunidade e responsabilidade.
O futuro continua por escrever. A escolha de assumir a pena, como narrador, cabe a cada um. Assim, essa escolha, para os que lideram, é decisiva.



