Esta não é pergunta que mais preocupa o mundo neste momento, mas é a pergunta que devemos fazer quando comemoramos o Dia Internacional da Mulher, assim declarado pelas Nações Unidas, em 1977. Contudo, antes dessa data, no dia 8 de março de 1917, uma onda de protestos contra a fome, organizado por mulheres operárias, tomou conta da Rússia e acabou por conduzir à Revolução.
Após a Revolução bolchevique, esta data é reconhecida entre os soviéticos para celebrar a “mulher heroica e trabalhadora”.
Na semana passada Putin, antecipando talvez as comemorações, reuniu um grupo de mulheres para falar sobre o atual conflito na Ucrânia e manteve a sua narrativa, as suas ameaças e a sua típica maneira de pensar e liderar que muitos já designaram como autoritária, imperialista, ressentida, até paranoica. Eu diria, meramente logico-dedutiva com utilização de premissas viciadas pelo ressentimento ou pela megalomania. Não sei o que disseram as mulheres, e muito menos o que pensavam enquanto ouviam o seu “czar”, mas acredito que se fossem elas no lugar de Putin, não soariam sirenes em Kiev.
Em tempos, entrevistei uma filósofa portuguesa, Maria Luísa Ribeiro Ferreira, que tinha acabado de publicar o livro “As Mulheres na Filosofia”. Durante essa conversa perguntei “se havia uma razão de género feminino e outra de género masculino?” Maria Luísa respondeu: “Entendo que na racionalidade há muitas moradas, ou seja, há muitas maneiras de nos situarmos na razão. Ora, tem sido indevidamente associado a um modo masculino de pensar o facto de se dar realce a uma razão dedutiva, argumentativa e lógica. Considera-se como modelo a racionalidade geométrica. Mas esse conceito de razão tem de ser alargado e para isso serve muito a experiência e o “modus vivendi” das mulheres. O que não quer dizer que se possa falar dicotomicamente de uma razão masculina oposta a uma razão feminina. Toda essa experiência e trabalho feitos sobre o modo feminino de pensar, de fazer filosofia, de raciocinar, de praticar a ciência, etc, poderão vir a contribuir para um conceito alargado de razão.”
Alargar o conceito de razão através da introdução da dimensão feminina e do seu modo de pensar, seria o modo ideal de pensar, ou como nos disse a filósofa francesa Sylviane Agacinski, o desenvolvimento de uma razão mista. É esta pensadora que introduz o conceito “mixité”, no âmbito da análise filosófica da razão. Esse misto é no fundo o que nos define como seres humanos. Trata-se do resultado de uma dialética, de um diálogo permanente entre dois modos de estar no mundo que não são idênticos. O modo feminino e o modo masculino.
Alguns filósofos foram muito preconceituosos em relação às mulheres, como aliás explica Maria Luísa Ribeiro Ferreira: “Baruch Espinosa era muito preconceituoso relativamente às mulheres. No final do seu Tratado Político, diz que as mulheres não podem participar num governo democrático, pois por natureza não foram feitas para isso.”
Espinosa terá chegado a essa conclusão porque conseguiu identificar uma forma de pensar diferente, embora o tenha feito de uma maneira negativa, rejeitando a possibilidade de as mulheres terem uma participação ativa no governo de um estado, ele entendeu que há duas realidades distintas. Era aqui que queria chegar. Há duas maneiras diferentes de pensar. E por isso, se Putin fosse mulher não seria este o teatro a que estaríamos a assistir.
O que podia mudar no nosso mundo se, de facto, esta razão feminina ganhasse dimensão. Se tivéssemos mais mulheres a liderar, segundo Maria Luísa Ribeiro Ferreira, “haveria um sentido de realidade muito maior, uma atenção à prática, uma capacidade de diálogo e de procura de pontos comuns. Não pretendo dizer que as mulheres sejam melhores do que os homens, mas constato que as mais das vezes têm certos dons propícios ao estabelecimento de consensos.” E se Putin fosse uma mulher? Eu diria que talvez tivesse conseguido melhores resultados no campo da diplomacia e não teria atingido o ponto de não retorno que levou a uma ofensiva militar. Não há uma mulher na mesa das negociações entre a Ucrânia e a Rússia, e é talvez isso que falta, para que não tenhamos de experimentar uma terceira Guerra Mundial.
Há também uma outra dimensão da razão, a chamada razão experimental – ou também razão poética, assim definida por María Zambrano. Esta é a razão que nos serve para tomar decisões que não se fundamentam exclusivamente no pensamento crítico, matemático, lógico-dedutivo. Este tipo de racionalidade convoca também o ponto onde a alma dói, onde a natureza se verga, onde a ética do cuidado impera e permite ao pensamento lógico-dedutivo corrigir-se ou adaptar-se.
As boas decisões, as decisões justas, têm na sua base um modo de pensamento livre que não é refém de exclusivismos matemáticos, de pensamento crítico e lógico-dedutivo. É o modo de pensar feminino, inspirado na ética do cuidado, do consenso e do diálogo. A razão ideal é o resultado desta união. De um modo masculino e feminino de pensar.
Na semana passada, em derradeiro desespero de causa, tocava-se piano na fronteira da Polónia com a Ucrânia na esperança de que a música tocasse no coração de Putin e o comovesse. No fundo, um apelo a que Putin fosse mulher por uns minutos. Isto porque a razão comovida é a que impede o homem de transformar o mundo num inferno. Se Putin fosse uma mulher teria ouvido esta música no Kremlin e teria pedido um imediato cessar-fogo para negociar, para cuidar dos milhares de pessoas que sofrem e que não vão esquecer que Putin é um homem só, que não ouve, não vê, não sente. Putin está perdido no meio de uma história de czares.