Inovação e transformação digital trazem novos modelos de negócios e novas ideias que os líderes esperam ser bem acolhidas pelas suas equipas. Mas o que acontece, na maioria das vezes, é que o nosso cérebro resiste às boas ideias, por muito inovadoras que sejam.
David Schonthal, professor na Kellogg’s School of Management, é um dos criadores da Teoria da Fricção, popularizada no livro The Human Element: Overcoming the Resistance That Awaits New Ideas, escrito em conjunto com o Psicólogo Loran Nordgren.
Em conversa com a Líder, o autor explica os atritos que surgem e quais os caminhos para que as boas ideias sejam, de uma vez por todas, bem recebidas.
O livro foi escrito num momento pós-COVID em que a Humanidade foi desafiada a mudar. Como surgiu a Teoria da Fricção?
O que nos juntou foi uma questão evidente: por que as pessoas resistem ao que são, claramente, ótimas ideias? Inspirámo-nos na Pandemia, mas foi algo que já tinha sido anteriormente pensado. A parceria entre os dois é única pois, o Loran é psicólogo, especializado na motivação da mente humana, persuasão e influência, e a minha área é a inovação, design e empreendedorismo. A pesquisa começou alguns anos antes, mas ironicamente a Pandemia deu-nos a oportunidade de escrever este livro. Removeu-se uma fonte de fricção, deu-nos tempo e implicou menos esforço para a produção. Ao mesmo tempo víamos a Teoria da Fricção por todo o lado – hesitação em usar máscara, vacinas, entre outras.
A Teoria da Fricção fala em atritos psicológicos que se opõem à mudança e que funcionam como um empecilho à inovação. São eles: inércia, esforço, emoção e reatância. Pode explicar um pouco melhor cada um deles?
A inércia é a nossa resistência às ideias que não nos são familiares, e a forma como explicamos no livro é a distância em relação ao status quo; aliás quanto mais longe estiver do status quo, mais inércia. Esforço é a quantidade real, ou percecionada, de esforço para uma pessoa adotar uma nova ideia ou comportamento, dentro da organização. Se inércia é não estar familiarizado com a estratégia, o esforço é a pessoa questionar-se como vai executar essa estratégia, e se tem a capacidade para o fazer.
As organizações que afirmam querer tornar-se mais inovadoras, mas não são claras sobre que ações vão efetivamente tomar para que isso aconteça, trazem com isso uma carga cognitiva elevada, o que vai dar uma ideia de esforço acrescido para as pessoas. Ao falar em emoção, dedicamo-nos às emoções negativas que causamos nos outros, de forma não desejada. A mudança, ou algo novo, na maioria das vezes, não é bem acolhido e, pelo contrário, tem até uma conotação negativa. O que leva à questão: “O que é que isto vai mudar para mim?”. O fator humano diz-nos que as pessoas veem estas mudanças negativamente e não com entusiasmo.
Primeiro usam uma lente negativa que depois passa a positiva. Finalmente, reactância é uma palavra mais rebuscada para dizer que os seres humanos não gostam de ser desafiados por outros. Não interessa quão boa a ideia é, mas se me estiverem a impô-la, vou resistir.
Se sinto que me estão a tentar mudar, ou a forçar a adotar alguma coisa, por muito positivo que seja, vai haver fricção. E a chave está na forma como posso apresentar essa ideia dentro de uma organização.
É desmistificada a crença generalizada de que a melhor maneira de convencer a acolher uma nova ideia, é torná-la válida e apelativa.
Ao apresentar algo novo ao mundo, fazemo-lo tipicamente mostrando como essa coisa é incrível, e o que fazemos é realçar benefícios e características. Todas as técnicas para tornar a ideia mais apelativa são o “combustível” (“fuel-based”). São as forças que atraem e criam magnetismo para essa ideia. Os departamentos de Marketing e Publicidade são tipicamente lugares onde existe um mindset “fuel-based”. No entanto, existe o mindset da fricção, que é menos sobre amplificar o bom que uma ideia é e mais sobre remover os obstáculos que estão a causar essa resistência. Acontece que as pessoas já não precisam de ser convencidas que aquela ideia é boa, mas isso não significa que digam “sim”. O mindset da fricção é menos sobre a ideia e mais sobre a audiência que vai receber essa ideia.
Porque será que temos resistência à mudança e ao que é novo? Faz lembrar os grandes artistas, e inovadores, como Van Gogh, que nunca vendeu um quadro. As pessoas não o compreendiam e as suas ideais não foram aceites.
No caso de Van Gogh, tratava-se da fricção da inércia, que é a enorme tendência do ser humano em manter-se ligado ao status quo, isto é, a coisas que conhece e que lhe são familiares. O que nos leva à história da evolução humana, ou seja, a familiaridade traz segurança, e a segurança traz sobrevivência. As pessoas, natural e humanamente, resistem às coisas que não conhecem. Também, como os Queen, quando criaram a música “Bohemian Rhapsody”, que foi rejeitada a primeira vez que foi dada a conhecer. Mas depois de passar na rádio, durante algum tempo, e de a banda ser mais conhecida, as pessoas foram-se habituando e a melodia tornou-se familiar. A repetição e repetição de exposição à novidade, ajuda à inércia.
E o que devem fazer as lideranças?
Os melhores líderes são os que reconhecem o poder da fricção. Os que não o fizerem continuam apenas a olhar para o mindset “fuel-based” e, no final, não vão perceber por que a sua ideia não teve sucesso. Uma das razões do nosso entusiasmo sobre este livro é a capacidade de formação que podemos dar aos gestores, empresas e profissionais, que mudam a estratégia para ser mais “fuel-based”. Há razões do comportamento humano que a organização não está a perceber: “que fricções estão no caminho?” – esta é a atitude dos líderes mais capazes e aquela que acho ser a correta. Assim, tenho de reduzir a fricção em vez de adicionar mais appeal, mais características e mais coisas boas ao meu produto ou ideias. Neste livro, não dizemos que a fricção é uma coisa genericamente negativa, ela é necessária para que exista evolução ou crescimento.
Afinal, o que pode ser feito para as boas ideias serem, mais facilmente, aceites?
Inovadores e líderes têm de encontrar formas de as ideias se irem tornando mais familiares, pois leva tempo até nos habituarmos. Encorajamos a ir dando a conhecer a estratégia aos poucos, assim como quando experimentamos café. Quase ninguém gostou quando o provou pela primeira vez e hoje não passa um dia sem beber um café.

The Human Element: Overcoming the Resistance that Awaits New Ideas Loran Nordgren e David Schonthal, Editora John Wiley & Sons Inc, novembro de 2021.
Por Rita Rugeroni Saldanha
Este artigo foi publicado na edição de inverno da revista Líder
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