Linda Morango é Diretora de Marketing e de Angariação de Fundos da Fundação Ajuda em Ação Portugal, uma ONG internacional que opera em 20 países da América Latina, Ásia, África e Europa (Portugal e Espanha) e apoia cerca de 1,5 milhões de pessoas.
Em Portugal a organização atua na cooperação e intervenção social e humanitária, educação, empregabilidade juvenil e empreendedorismo feminino. O objetivo é a capacitação de jovens, estudantes, vítimas de crises humanitárias ou mães da comunidade educativa, em situações de vulnerabilidade e com baixos rendimentos, recuperação de uma vida digna e a integração no mercado de trabalho.
A liderança de uma ONG de ajuda humanitária, exige, tal como nas empresas, um foco e um espírito de missão muito concreto, que implica sobretudo ouvir a equipa. Em conversa com a Líder, Linda Morango, traça o perfil das lideranças e destaca a necessidade de conquista de um lugar no setor da Economia social portuguesa.
Como avalia a panorama das ONG em Portugal?
Apesar das atuais crises globais, as organizações sociais têm sido resilientes e persistentes na sua missão. Prova dessa resiliência e crescimento são os dados avançados pelo estudo Conta Satélite da Economia Social (CSES), promovido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES). A título de exemplo, em 2016, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da Economia Social representou 3% do VAB da economia global, demonstrando o crescimento e dinamismo deste setor que, paralelamente, tem investido na sua profissionalização com equipas mais preparadas para os desafios que estão relacionados diretamente com a sua missão, assim como ao nível da gestão, comunicação e sustentabilidade.
Porém, apesar deste crescimento, as organizações sem fins lucrativos enfrentam grandes desafios, como a sustentabilidade financeira, a necessidade de inovação e adaptação contínuas e equilibrar as prioridades a curto e longo prazo. As organizações sem fins lucrativos devem ter ainda a capacidade de adaptação aos novos desafios e necessidades emergentes, o que pode ser particularmente desafiante para as que operam em áreas remotas, onde o acesso à informação e aos recursos pode ser limitado.
Que ações estão a desenvolver?
A par de projetos desenvolvidos para dar resposta à crise pandémica e ao conflito russo-ucraniano, a Ajuda em Ação tem atualmente três grandes projetos, em Portugal, destinados a jovens e mulheres: Escolas Flexíveis, ‘Bora Jovens e Mulheres em Ação.
Existem dois projetos no âmbito do programa Escolas Flexíveis; A minha Escola é Cool, foi criado em Camarate com o objetivo de combater o absentismo e as taxas de abandono escolar, através de criação de «Espaços de Calma», espaços destinados à meditação para aliviar o stress da vida das crianças, causados pela difícil situação económica; e o Acrescent´Arte, um programa a favor dos Direitos da Criança, da Educação para o Desenvolvimento e Equidade Educativa recorrendo à Arte e Cultura, do agrupamento de Escolas José Régio, Escola Secundária de São Lourenço e a Escola Musical Euterpe em Portalegre.
O programa ‘Bora Jovens, lançado pela Coca-Cola em Portugal e desenvolvido em parceria com a Fundação, tem como finalidade formar e capacitar jovens, entre os 18 e os 25 anos, que dispõem de menos oportunidades e estão em risco de exclusão social. O programa atua por todo o país e, até ao final do primeiro trimestre de 2023, já integrou 88 jovens profissionalmente, estando 256 inscritos no programa.
O projeto Mulheres em Ação já apoiou 40 mulheres de diferentes etnias e culturas e tem como objetivo dotar mulheres que vivem em contextos de vulnerabilidade social de técnicas de costura, reutilização de materiais, assim como de ferramentas de desenvolvimento social e formação em literacia digital e empreendedorismo.
O que estão a conseguir concretizar e quais os entraves?
Os nossos projetos apresentam excelentes resultados, o maior entrave, neste momento é a questão da notoriedade da Ajuda em Ação em Portugal. Apesar de sermos uma organização social internacional com 42 anos de história, precisamos de conquistar o nosso espaço no setor da economia social em Portugal, constituído por mais de 70.000 organizações sociais, setor público e privado, bem como junto da sociedade civil. Contudo, apesar de ainda ser necessário o reconhecimento enquanto marca social junto de vários stakeholders, temos desenvolvido programas inovadores e de verdadeira mudança junto das populações vulneráveis que trabalhamos. Um dos maiores desafios transversais às organizações sem fins lucrativos enfrentam é a sustentabilidade financeira, dependentes frequentemente do financiamento de doadores para realizar o seu trabalho.
Que desafios identifica no futuro próximo?
Um dos principais desafios do futuro é garantir o financiamento dos nossos programas para que atinjam o maior número de beneficiários possível. Sendo o financiamento dos nossos programas baseados em fundos, existe o risco de vários projetos serem reduzidos ou mitigados em Portugal por falta de fundos que garantam a sobrevivência dos mesmos.
Quais as linhas comuns na ajuda em países da América Latina, África e Europa?
Em termos transversais, a Ajuda em Ação atua nas regiões da América Latina e África mais afetadas pelas alterações climáticas, que sofrem de consequências decorrentes de crises migratórias, económicas e políticas – fornecendo assistência humanitária, proteção às pessoas mais vulneráveis e integração em termos de empregabilidade e de forma geral na sociedade. Apoia ainda mulheres expostas a violência de género e fomenta, de modo geral, uma participação ativa em termos de cidadania.
No Equador, prestamos assistência humanitária para reduzir as vulnerabilidades da população migrante e refugiada venezuelana. Neste caso em específico, mais de 6500 pessoas em situação de vulnerabilidade aumentaram os seus rendimentos e 2500 pessoas migrantes e refugiadas receberam assistência e proteção.
Em África, mais propriamente no Níger ou no Mali, destaca-se principalmente o reforço da resiliência nutricional e a redução de casos de Desnutrição de Água Moderada (DAM), sendo esta uma região altamente volátil e com uma forte insegurança alimentar. Já na Europa, a exclusão digital, o incentivo ao emprego jovem, a educação inclusiva e de qualidade e a igualdade de oportunidades de género constituem as principais áreas de atuação da fundação.
Quais são para si os traços de liderança e as características essenciais para quem assume a gestão de organizações sem fins lucrativos?
Sendo que a minha área de atuação na Ajuda em Ação destina-se ao departamento de marketing e angariação de fundos, destacaria algumas características que me parecem cruciais no seio das organizações sociais:
- Escuta ativa e empática – Ter tempo para escutar e escutar com empatia. Por vezes, as organizações sociais e os seus líderes estão muito centradas na sua causa, na missão (como devem estar!) e nos participantes dos seus programas, sendo que negligenciam escutar a sua equipa, aquela que está no terreno e sem a qual não é possível desenvolver a sua missão.
- Delegar – é uma forma de empoderar uma equipa e de mostrar aos colaboradores que confia neles. Um líder não tem conhecimento de tudo, e, por este motivo, deve rodear-se de profissionais com competências-chave e conhecimento, permitindo que esse colaborador cresça dentro da organização.
- Querer aprender, com a sua equipa e com outros. Aprender a saber mais e melhor e tornarem-se melhores profissionais, melhores líderes.
- Foco nos objetivos e no compromisso dos mesmos e ser capaz de assumir as responsabilidades, principalmente quando as coisas não correm bem. É importante que um líder não se perca e saiba sempre qual o objetivo maior e conduzir o caminho e a sua equipa para atingir esse mesmo objetivo.
- Comunicar para envolver e comunicar com eficiência. A falta de comunicação pode resultar num mau desempenho ou na ausência de clareza organizacional. É fundamental que um líder saiba transmitir com clareza e da melhor forma. Ao mesmo tempo, é fundamental saber também ouvir os colaboradores e comunicar com empatia.
Como podem as empresas e as pessoas colaborar com o vosso projeto?
As empresas e pessoas individuais podem colaborar através de dois formatos: doações ou voluntariado. Falando de projetos específicos, o nosso projeto de empoderamento feminino, Mulheres em Ação, carece da doação de tecidos e outros materiais para que as senhoras possam continuar o seu curso de costura, além de financiamento para garantir a continuidade e impacto do projeto em 2024. Já no ‘Bora Jovens, estamos à procura de empresas que se aliem ao projeto e estejam dispostas a receber estes jovens de mente aberta, dando-lhes a possibilidade de ingressarem no mercado de trabalho. Os interessados ainda se podem tornar Embaixador Ajuda em Ação, dando a conhecer o nosso trabalho ou promovendo iniciativas solidárias junto da sua comunidade.
Como avalia a índole solidária dos portugueses?
Os portugueses sempre foram extremamente solidários. Somos um povo generoso e disponível para ajudar o próximo. Exemplos disso, são as céleres respostas que os portugueses dão quando se deparam com catástrofes, como nos incêndios de Pedrógão Grande, na resposta à catástrofe natural em Moçambique em 2019, na crise pandémica ou no conflito armado Rússia-Ucrânia. Nas três últimas situações, a Ajuda em Ação teve a oportunidade de presenciar esta generosidade com o apoio diretos aos nossos projetos, como a entrega de cartões alimentares a mais de 446 famílias, em Camarate, durante o confinamento, uma resposta focada no respeito e na dignidade para aliviar as dificuldades sentidas que permitiram a cada agregado familiar gerir as suas compras de forma autónoma.
Quando se inicia o conflito na Ucrânia, com a consequência inevitável de milhares de deslocados, procedeu-se a uma ação de apoio humanitário em parceria com a Alliance215 onde se distribuíram produtos de emergência e ajuda monetária às populações deslocadas e de acolhimento em centros coletivos no oeste e centro do país e na Moldávia. Em 2019, parte de Moçambique foi devastada pelos ciclones Idai e Kenneth, no qual a Ajuda em Ação colocou em marcha um plano de apoio humanitário às comunidades. Em 2020, com o agudizar do conflito em Cabo Delgado, reforçámos a nossa resposta de apoio aos deslocados fornecendo abrigo, acesso a água e saneamento básico, educação e proteção de vítimas de violência.