Vivemos num tempo em que a palavra “liderança” circula com frequência, mas nem sempre com profundidade. Fala-se de performance, de inovação, de crescimento. Mas menos se fala de cuidado. Menos se fala da responsabilidade silenciosa que acompanha quem lidera: a de garantir que ninguém se torna invisível dentro dos sistemas que construímos.
Aprendi, com a vida e com a prática, que os sistemas contam histórias, mesmo quando não temos consciência disso. Uma empresa que celebra o aniversário do CEO mas esquece o da rececionista, está a contar uma história. Uma organização que adia pagamentos a fornecedores sem explicação, ou que ajusta horários apenas para os cargos de topo, está a comunicar com clareza quem considera prioritário, e quem não. Estes gestos não são meras distrações operacionais. São decisões. E são essas decisões que moldam a cultura.
Enquanto líder, recuso a ideia de que o valor de uma pessoa está no seu título ou no seu acesso ao poder. Para mim, as funções podem ser diferentes, mas a dignidade é igual. Liderar é, acima de tudo, um compromisso com a equidade, financeira, emocional e simbólica.
Por isso, acredito numa liderança que começa nos detalhes, nos rituais diários, nas microdecisões do dia a dia que somadas constroem a experiência de quem trabalha connosco, dos nossos clientes, dos nossos parceiros.
A forma como ouvimos. A forma como respondemos. A forma como reconhecemos.
Ser líder não é ser mais importante. É ser mais responsável pela forma como o valor é distribuído, é ter a coragem de fazer perguntas desconfortáveis:
– Estamos a criar sistemas que refletem os nossos valores?
– A quem estamos a dar visibilidade, e quem está a ser deixado de fora?
– Como tratamos quem tem menos formalmente: menos estatuto, menos poder, menos protagonismo?
O verdadeiro legado de uma organização não está apenas nos relatórios anuais, mas na memória coletiva que deixa em cada pessoa que por ela passou, está em como se sentiam, em como e se sentiram vistas, em como se sentiram respeitadas.
A minha definição de sucesso mudou ao longo dos tempos. Hoje, sucesso não é sobre “chegar ao topo”, não é sobre acumular cargos, prémios ou coisas. Hoje, acredito que sucesso é sobre construir ambientes onde o valor das pessoas não se mede pelo título que têm, mas pelo que trazem de humano, onde todas as pessoas sabem que contam, não apenas quando entregam resultados, mas simplesmente porque estão ali, a contribuir com o seu tempo, o seu cuidado e a sua humanidade. É sobre presença, cuidado, integridade, onde o dinheiro é consequência de um trabalho com propósito e onde o respeito é um direito básico, não um privilégio reservado a quem tem poder.
Porque no final do dia, para mim, liderança é isto:
Escolher todos os dias cuidar de quem ninguém está a ver. E garantir que, neste sistema que desenhamos juntos, ninguém é invisível.

