Vivemos num tempo em que a imagem parece valer mais do que a essência, em que o reconhecimento rápido substitui o valor profundo e em que o “eu” se tornou uma espécie de montra permanente. As redes sociais amplificam esta tendência, mas não a criaram, apenas tornaram visível algo que já crescia dentro de nós. A pergunta não é apenas se estamos mais egocêntricos, mas porquê. O que nos levou a construir identidades tão frágeis e, ao mesmo tempo, tão defensivas? Por que razão precisamos tanto de ser vistos, aprovados, aplaudidos?
O egocentrismo moderno não nasce da força, mas da insegurança. Não nasce da verdadeira autoestima, mas do medo de não sermos suficientes. Tornámo-nos mais egocêntricos porque nos sentimos mais vulneráveis, mais comparados, mais expostos. O ego, que deveria ser apenas um organizador interno, tornou-se um escudo permanente. E quanto mais nos ferimos, mais o reforçamos. Reagimos por medo da crítica, medo do fracasso, medo de desaparecer no meio da multidão. Assim, defendemos a imagem em vez da verdade, a aparência em vez da profundidade, o imediato em vez do essencial.
A sociedade acelera este processo. Vivemos sob a pressão constante de provar valor, mostrar conquistas, exibir felicidade. E como ninguém quer parecer menos do que perfeito, cada um constrói uma versão editada de si mesmo, uma versão que não sente dor, não falha, não hesita. Mas quanto mais alimentamos a máscara coletiva, mais solitários e desconectados nos tornamos. O egocentrismo não nos aproxima, isola-nos, pois transforma conversas em competições, relações em palcos e identidades em personagens.
Contudo, o fenómeno não é apenas social é também profundamente psicológico. O ego que hoje mostramos ao mundo é o mesmo que nos impede de crescer por dentro. Vejamos, transforma qualquer crítica em ataque e qualquer erro em humilhação. E se estamos a tornar-nos mais egocêntricos, é porque estamos a evitar olhar para dentro. Evitar tocar nas feridas antigas, evitar admitir vulnerabilidades. É mais fácil projetar força do que enfrentarmos aquilo que dói. Mas a fuga tem um preço, isto é, quanto mais evitamos o confronto interno, mais o ego cresce e mais nos domina.
O lado luminoso desta constatação é que o egocentrismo coletivo revela uma verdade profunda sobre nós: estamos, todos, à procura de valor. Queremos ser vistos, reconhecidos, amados. O problema não está no desejo, está na forma. Enquanto tentarmos obter isso através da imagem, estaremos condenados a um vazio crescente. O ego pode gritar, exibir e competir, mas nunca conseguirá dar-nos o que realmente procuramos. Porque o que procuramos não é aprovação, é conexão. Não é aplauso, é pertença. Não é perfeição, é humanidade partilhada.
E é precisamente aqui que o ego, paradoxalmente, se transforma no nosso mestre. Mostra-nos o caminho através daquilo que tentamos evitar. A insegurança que nos torna egocêntricos revela onde precisamos de cura. A necessidade de validação mostra onde não aprendemos a validar-nos. A defensividade aponta para fragilidades que nunca nos permitiram compreender. O ego expõe tudo aquilo que ainda temos de trabalhar e se tivermos coragem de olhar, torna-se o guia para uma versão mais consciente e mais livre de nós mesmos.
Talvez estejamos, de facto, mais egocêntricos. Mas isso, longe de ser apenas um sinal de decadência emocional, pode ser um espelho poderoso do que está a acontecer dentro de nós como coletivo humano. Um espelho que revela que algo está a pedir mudança. O aumento do egocentrismo não é apenas um problema, é também um sintoma, um aviso, uma oportunidade de rutura. Sempre que uma estrutura interna se torna insustentável começa a mostrar fissuras e as nossas fissuras emocionais estão hoje à vista de todos. Vivemos num tempo em que a pressão para parecer forte atingiu um limite tão extremo que começa a colapsar e é precisamente neste colapso que nasce a possibilidade de transformação.
A verdade é que ninguém aguenta eternamente a tensão de sustentar uma imagem perfeita. A exaustão silenciosa que tantas pessoas sentem é o sinal claro de que o caminho que temos seguido não está a nutrir o que é essencial em nós. O egocentrismo coletivo revela um esgotamento afetivo: estamos cansados de fingir, cansados de competir, cansados de parecer felizes em vez de sermos. E este cansaço pode tornar-se a porta de entrada para uma nova consciência. A partir do momento em que reconhecemos que viver para o exterior não nos preenche, começamos a procurar vida interior. Começamos a questionar: “Quem sou eu sem a aprovação dos outros?”, “O que realmente importa para mim?”, “Onde deixei a minha verdade?”, “Que parte de mim está a pedir ajuda?”
É nesse momento que surge a oportunidade de trocar a imagem pela autenticidade. Quando percebemos que não precisamos de ser extraordinários para sermos suficientes, começamos a libertar-nos da comparação constante que nos tem esmagado. A presença substitui a pressão, a vulnerabilidade substitui o fingimento, e a consciência substitui a necessidade desesperada de validação. A vida deixa de ser palco e passa a ser caminho — um caminho onde cada passo conta, não porque alguém o vê, mas porque tu o sentes.
Não se trata apenas de sermos menos egocêntricos. Trata-se de sermos mais humanos. De reconhecermos que o valor não vem de sermos admirados, mas de sermos verdadeiros. Que a força não nasce do orgulho, mas da capacidade de olhar para dentro com honestidade. Que a felicidade não está em destacar-nos, mas em ligarmo-nos. Que a evolução não acontece quando nos protegemos, mas quando nos permitimos ser quem realmente somos.
Talvez estejamos mais egocêntricos, sim. Mas isso significa também que estamos mais perto de perceber que esse caminho não nos leva onde queremos estar. E quando essa consciência desperta, nasce um desejo profundo de transformação, uma vontade de regressar ao que é simples, real e essencial. E assim, passo a passo, deixamos de viver para sermos vistos e começamos a viver para sermos. Deixamos de buscar aprovação e começamos a construir valor. Deixamos de nos esconder atrás do ego e começamos finalmente a encontrar-nos.
E é nesse ponto que o egocentrismo, que parecia um problema sem solução, transforma-se na oportunidade mais valiosa da nossa geração: a oportunidade de nos tornarmos mais conscientes, mais presentes, mais empáticos e mais humanos no sentido mais pleno e mais belo da palavra.

