Ao seu ritmo, o caminho rumo à inclusão tem sido traçado nos meios de comunicação portugueses. No setor público, a RTP1 lidera a oferta inclusiva na televisão, mas a rádio pública carece de ferramentas sistemáticas de acessibilidade. Já as plataformas digitais apresentam barreiras significativas para utilizadores com deficiência.
Um novo estudo desenvolvido pela NOVA FCSH, em parceria com a Access Lab, traça um retrato das práticas de acessibilidade no Serviço Público de Media, revelando um cenário de fortes contrastes.
Para a execução do relatório do estudo ‘Práticas e Políticas de Acessibilidade na RTP’ foi analisada a programação dos canais da RTP em fevereiro de 2025, realizadas entrevistas a profissionais da estação e conduzidas sessões de teste com públicos cegos e surdos.
Meios revelam falhas e vazios
A RTP1 destaca-se como o canal mais inclusivo, oferecendo de forma consistente as três principais ferramentas: legendagem em teletexto (67% da programação), Língua Gestual Portuguesa (24,6%) e audiodescrição (1,1%).
Em contraste, a RTP2 foca-se quase exclusivamente na legendagem, sem oferta de audiodescrição, enquanto a RTP3 e a RTP Madeira apostam na Língua Gestual, mas falham na disponibilização de legendagem para pessoas surdas.
Já em relação à rádio, o estudo aponta um ‘vazio legal’ e prático neste meio. A única exceção sistemática identificada foi o programa A1Doc.
Testes realizados com utilizadores cegos expuseram falhas na app e site da RTP Play. O botão de ‘Acessibilidades’ não permite ativar a audiodescrição e os leitores de ecrã não detetam os controlos de vídeo, tornando dificultando a navegação autónoma.
Dados mostram falta de estratégia integrada
O estudo identifica um padrão de afastamento da televisão pública por parte da comunidade Surda, motivado pela inconsistência na oferta de recursos. Os investigadores alertam para uma clivagem geracional: enquanto o público surdo mais velho se mantém fiel ao televisor, consumindo apenas os programas que garantem Língua Gestual Portuguesa (LGP) – muitas vezes limitados a noticiários regionais como o da RTP Madeira –, os mais jovens estão a migrar para plataformas de streaming internacionais onde a legendagem é uma garantia constante e estável.
As sessões de auscultação revelaram uma frustração comum: a falta de simultaneidade entre a LGP e a legendagem. «Se além da LGP, houvesse legendas, isso iria ajudar-nos a perceber melhor o conteúdo», aponta um dos participantes, sublinhando a diversidade da comunidade surda, onde nem todos dominam a língua gestual. O estudo destaca ainda críticas à qualidade da interpretação.
Já para a comunidade Cega ou com baixa visão, mantém-se o paradoxo da rádio e a ficção como prioridade. O estudo aponta uma lacuna crítica e paradoxal, no geral, no serviço público de rádio. Apesar de ser um meio de natureza auditiva, a rádio pública «não apresenta exigências no que diz respeito à acessibilidade», dependendo quase exclusivamente da iniciativa individual de jornalistas e não de uma estratégia estruturada. A investigação sublinha que a acessibilidade radiofónica permanece ‘marginal’ e ‘pouco explorada’, sem orientações claras por parte do regulador (ERC).
Na televisão, embora a Audiodescrição (AD) seja validada com rigor – contando inclusive com uma revisora cega externa para assegurar a qualidade -, a sua aplicação segue critérios restritivos. A prioridade é dada a séries de ficção nacional, deixando de fora programas diários ou de longa duração.
Apesar de reconhecerem a competência técnica e a consciência social das equipas da RTP, os investigadores concluem que a acessibilidade ainda não é encarada como uma estratégia transversal. Existe uma fragmentação organizacional, onde a gestão da Língua Gestual é decidida autonomamente por cada direção de programas e as equipas dedicadas estão subdimensionadas.



