A nossa civilização está a assistir a uma empatia suicidária. A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia”. Quem o afirmou foi Elon Musk – que acrescentou, na mesma entrevista: “Acho que devemos preocupar-nos com as outras pessoas, mas é preciso ter empatia pela civilização como um todo e não cometer um suicídio civilizacional.” Walter Isaacson, que escreveu uma biografia sobre o magnata, resumiu-lhe o pensamento: “Ele gosta dessa noção de ajudar a humanidade. (…) De facto, ele tem mais empatia pela humanidade em geral do que, muitas vezes, pelas 20 pessoas em seu redor”. Kimbal Musk, irmão do disruptivo líder, afirmou: Elon “sabe que eu tenho um gene empático, contrariamente a ele, e que isso me tem prejudicado nos negócios”.
Esta forma de encarar a empatia tem vindo a ganhar tração entre cristãos evangélicos nos EUA. Alguns chegam ao ponto de designar a empatia como um pecado e classificá-la como tóxica. Diabolizam a empatia para defender, com pretensos argumentos morais, práticas desumanas de deportação e discursos de ódio. Usam o nome de Deus para pregar a crueldade e higienizá-la com argumentos morais e religiosos. A história mostra-nos que muitos processos destrutivos começam com opções ideológicas moralmente questionáveis que, com o decurso do tempo, vão deslizando para soluções políticas ou de gestão que acabam em desvario desumano.
Convém, pois, relembrar George Santayana, o influente filósofo hispano-americano: “Aqueles que não conseguem recordar o passado estão condenados a repeti-lo”. Discernimento crítico é necessário para que não se comece a normalizar a estigmatização da empatia, por mais reputados e abastados que sejam os defensores dessa desacreditação. Moralizar a insensibilidade como pretexto para alegadamente salvar a “civilização” é uma forma de crueldade.
Importa, todavia, ir um pouco mais fundo para compreender a complexidade da empatia. Eis dois pontos fundamentais. Primeiro: é necessário distinguir a empatia cognitiva da empatia afetiva. A cognitiva representa a capacidade para compreender, “cerebralmente”, as emoções dos outros. A afetiva é a capacidade para sentir o que os outros estão a sentir. As duas nem sempre coabitam. Elon Musk é provavelmente dotado de empatia cognitiva, capacitando-o para compreender o clima relacional e emocional das pessoas com quem se relaciona. Mas parece ser desprovido de empatia afetiva. Eis o resultado: usa a empatia cognitiva para exercer influência e controlo sob os outros, pouco se importando com os danos emocionais que possa causar-lhes.
Segundo ponto: a empatia afetiva também pode conter um lado sombrio. Pode dificultar a tomada de decisões “duras”, mas necessárias, sobre pessoas que atuaram indevidamente. Uma liderança empática, antecipando o sofrimento que pode causar a alguém se lhe aplicar uma sanção justa, pode inibir-se de tomar essa decisão. Acaba, pois, por alimentar a injustiça e o sentimento de impunidade. Uma forte empatia afetiva pode também conduzir a experiências emocionais intensas e debilitantes. Pessoas muito empáticas podem experienciar stresse empático causado pela internalização intensa do sofrimento e das emoções dos outros. Esta exaustão emocional pode, a prazo, impedir a própria adoção de atos empáticos e compassivos.
Mas do exposto não pode extrair-se a ilação de que a empatia é a “culpada”. Pelo contrário, a empatia é uma das mais importantes dimensões da nossa essência como seres humanos civilizados. A capacidade de sentir as dores e cuidar o outro, mesmo o desconhecido, é o que nos permite evitar a selvajaria. O que torna a empatia problemática é a ausência de outras qualidades – como a tenacidade, a determinação, a firmeza, a coragem e o caráter. Portanto, desde que acompanhada de outros atributos e forças, a empatia é uma qualidade importante das boas lideranças. Promove a escuta ativa. Estimula o empenhamento no trabalho e na organização. Ajuda a atravessar incertezas e crises. Permite tomar decisões mais consentâneas com a realidade emocional que a organização atravessa.
Em contraste, a falta de empatia das lideranças gera toxicidade relacional e emocional, desmoraliza os membros organizacionais, dificulta a retenção e conduz ao abandono da organização. Como Palena Neale defendeu na Harvard Business Review, “a empatia é uma competência de liderança não-negociável”. Portanto, sejamos recusemos narrativas que diabolizam a empatia – mesmo que sejam veiculadas pelo homem mais rico do mundo. Termino citando Adam Grant: “Então, como se explica o sucesso de Musk? Com a Tesla e a SpaceX, ele construiu duas empresas extremamente prósperas, revolucionando um setor e impulsionando outro. Mas estes resultados surgiram apesar da forma como ele trata as pessoas, não por causa dela.”