A abstenção tem crescido em Portugal, mas a percentagem real de votantes poderá ser mais elevada do que indicam os números oficiais. Isto porque existem eleitores automaticamente recenseados em território nacional que, apesar de viverem no estrangeiro, não conseguem exercer o seu direito de voto.
Historicamente, tem-se registado uma erosão progressiva da participação eleitoral nas últimas décadas. Nas mais recentes eleições legislativas, a taxa de participação oficial foi de 64% no território nacional. No entanto, o estudo Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), estima que 73% dos eleitores residentes no país tenham efetivamente votado.
A investigação, conduzida por João Cancela e José Santana Pereira, analisa as causas e consequências da abstenção eleitoral, abrangendo todo o período democrático e diferentes tipos de eleições.
Os principais impactos da abstenção apontados são a desresponsabilização dos políticos, o facto de as políticas públicas poderem não ser desenhadas com base no interesse de todos, e problemas em termos de legitimidade dos eleitos.
Abstenção técnica e perfil do abstencionista
Segundo os autores, em Portugal existe um fenómeno de abstenção técnica com magnitude relevante, que não resulta dos chamados «eleitores-fantasma» (pessoas já falecidas), mas sim da existência de muitos cidadãos recenseados em território nacional que residem no estrangeiro e que optaram por não alterar a morada oficial.
Se estes eleitores forem excluídos dos cálculos, a taxa real de participação nas legislativas de 2025 teria sido de 73% entre os recenseados que vivem efetivamente em Portugal, contrastando com os 64% oficiais.
Em segundo lugar, se se pretendesse fazer um retrato-robô do abstencionista português típico, seria alguém jovem, com baixos níveis de escolaridade, pertencente a uma classe social mais baixa, pouco religioso, arrendatário da casa em que vive e residente a uma distância considerável do local em que deve depositar o seu voto.
«Esta pessoa dir-nos-ia que não tem muito interesse na política, que não existe nenhum partido com que se identifica e que não se sente culpada quando se abstém, porque não entende o voto como um dever», explicam os autores, num comunicado. O sentimento de dever cívico é um dos fatores mais determinantes da participação eleitoral.
Este aspeto merece ser destacado: o sentimento de dever cívico, que é mais forte entre cidadãos mais velhos, mais instruídos, com práticas religiosas mais frequentes e pertencentes a classes sociais mais altas, é, neste estudo, um dos fatores mais determinantes da participação eleitoral. É até capaz de reduzir os efeitos desmobilizadores da distância ao local de voto.
A geografia do voto em Portugal
A participação eleitoral em Portugal revela padrões distintos consoante o tipo de sufrágio. As eleições legislativas e autárquicas continuam a ser as que mais mobilizam os eleitores, ao passo que as presidenciais — sobretudo quando o Chefe de Estado se recandidata — e as europeias registam níveis mais elevados de abstenção. Ainda assim, o estudo sublinha que, apesar da tendência geral de afastamento das urnas, as autárquicas resistem melhor à erosão participativa, mantendo níveis de envolvimento mais estáveis ao longo das últimas décadas.
Também o mapa da abstenção apresenta contrastes significativos. Nas legislativas, presidenciais e europeias, verifica-se uma maior afluência nas zonas urbanas, enquanto as áreas rurais, o interior do país e os arquipélagos continuam a apresentar índices de participação mais baixos. Porém, essa relação inverte-se nas eleições locais, em que as comunidades rurais mostram um maior sentido de pertença e envolvimento cívico, traduzido numa presença mais forte nas urnas.
Num plano comparativo com os restantes Estados-membros, Portugal ocupa uma posição intermédia na participação eleitoral. Nas legislativas, aproxima-se dos padrões observados no Norte e Sul da Europa, mas nas europeias mantém-se entre os países com menor taxa de participação, à semelhança de outras nações periféricas. Estes dados evidenciam a necessidade de reforçar a ligação entre cidadãos e processos democráticos, especialmente em contextos eleitorais menos mobilizadores.
Como combater a abstenção?
Baseadas nos resultados desta investigação, os autores deixam algumas recomendações, focadas em três áreas principais: reforçar o dever cívico, reduzir barreiras logísticas ao voto e introduzir mudanças institucionais moderadas que incentivem a participação.
Entre as medidas propostas, destaca-se o reforço da Educação para a Cidadania logo no ensino básico, com simulações de eleições e debates sobre o voto, de modo a incutir a ideia de que participar é um dever democrático. O estudo sugere também campanhas mais segmentadas e formação cívica para cidadãos recém-naturalizados, fortalecendo o sentimento de pertença democrática.
No plano prático, defende-se a expansão do voto antecipado em mobilidade e a criação de transportes gratuitos nos dias de eleição em zonas rurais ou com fraca participação. O voto eletrónico, embora popular entre os mais jovens, é visto com cautela devido a riscos de segurança e desigualdades de acesso.
Por fim, o estudo recomenda testar o voto aos 16 anos em eleições europeias e avaliar a criação de um círculo nacional de compensação, para tornar o sistema mais representativo. Já o voto obrigatório é rejeitado: apesar de poder aumentar a participação, é considerado contrário à liberdade individual e pouco eficaz para combater o desinteresse cívico.