A observação próxima de ecossistemas emergentes revela com frequência aquilo que os mercados maduros só mais tarde assumem como inevitável. Passar as últimas semanas em El Salvador, num ambiente onde startups, investidores e instituições públicas se cruzam num esforço para reimaginar a relação entre talento, tecnologia e soberania, ofereceu uma clareza difícil de encontrar na Europa: a liderança, tal como a concebemos, perdeu a eficácia. As condições locais são extremas, sim. Mas por isso mesmo expõem com maior nitidez o que noutros lugares se disfarça com estrutura e rotina.
Aqui, as equipas operam de forma distribuída, com fundadores a trabalhar a partir de zonas rurais, técnicos a colaborar com developers na Argentina ou no México, e investidores a alinhar expectativas via mensagens curtas e canais assíncronos. O contacto físico é escasso, os ciclos de decisão são rápidos, e a autoridade não vem do título, mas da clareza de propósito e da precisão na comunicação. Nestes ambientes, o tempo gasto a tentar motivar desaparece. O que importa é o alinhamento operativo e a previsibilidade dos fluxos. O que funciona é o sistema.
Em El Salvador, a presença do Estado como agente tecnológico, o uso quotidiano de Bitcoin por parte de segmentos do mercado e o interesse crescente de empresas globais por regulamentações mais ágeis criam um ecossistema onde o digital é a definição de origem. Isto obriga os líderes locais a operar em modo de e-liderança sem o nome. E isto permite, por sua vez, observar o que acontece quando se lidera sem presença física, sem contexto emocional partilhado, sem herança cultural comum. O que emerge é uma liderança muito menos simbólica, muito mais operacional.
Na prática, os líderes mais eficazes neste tipo de ecossistema são aqueles que compreendem como estruturar processos, articular equipas assíncronas e antecipar bloqueios através de sistemas. Poucos dos traços convencionais como o carisma, discurso, presença são determinantes. O que faz a diferença é a capacidade de montar uma cultura que funcione mesmo quando ninguém está a olhar. E essa capacidade, cada vez mais, reside em ferramentas, automações e inteligência contextual baseada em dados. Para ser claro, refiro-me à ausência de pessoas.
Na Europa, ainda existe margem para confundir liderança com presença. Ainda há tempo para líderes que se apoiam na sua experiência e estatuto para compensar falhas na adaptação digital. Mas essa margem está a diminuir, e o tempo a acabar. À medida que o trabalho remoto se normaliza, que as plataformas substituem os espaços, e que as equipas operam com cada vez mais autonomia, a liderança torna-se menos humana e mais sistémica. De novo, para ser claro, não estou a hiperbolizar.
E aqui, a já obrigatória inteligência artificial não serve apenas para sugerir melhorias em processos. Está a começar a tomar decisões de gestão operacional, a propor redistribuição de cargas de trabalho, a avaliar padrões de desempenho e a oferecer aconselhamento estratégico em tempo real. Em ambientes como o de El Salvador, onde os recursos são limitados mas a urgência é alta, estas ferramentas não são complementares mas centrais. E funcionam.
Se aceitarmos que a liderança é, cada vez mais, um esforço de alinhamento e clareza, mais do que um exercício de inspiração e autoridade, então talvez tenhamos de começar a admitir que os sistemas estão melhor posicionados do que muitos humanos para exercer essa função com consistência e escala. A Europa, com a sua herança institucional e apego à figura do líder tradicional, pode resistir por mais tempo. Mas a direção está traçada. Talvez não tenhamos de substituir os líderes. Talvez tenhamos apenas de os libertar da ilusão de que ainda lideram. O resto, cada vez mais, já está a ser decidido por sistemas que não dormem, não hesitam e não esquecem.