Amanhã celebra-se a Black Friday, uma data que parece um ritual do desperdício, de acumular mais do que precisamos, de dar corpo a desejos fabricados. Promete «descontos», «oportunidades», mas entrega exagero, arrependimento, pressa. Compra agora, pensa depois.
Enquanto as promoções gritam «preço baixo», a conta ambiental e social é paga pelo planeta e por nós. As entregas ligadas à Black Friday geram um salto nas emissões de carbono. Por exemplo, estima-se que no Reino Unido as entregas dessa época libertem cerca de 429 mil toneladas métricas de CO₂, um volume equivalente a 435 voos de ida e volta entre Londres e Nova Iorque.
O desperdício e a obsolescência rápida
O desperdício cresce brutalmente. Muitos dos itens comprados por impulso duram pouco. Um estudo aponta que até 80 % dos produtos adquiridos na Black Friday acabam descartados. Vão para aterros ou incineração, ou entram numa reciclagem de má qualidade.
As devoluções também disparam: com compras impulsivas e erradas ou pouco necessárias, novas estimativas indicam um aumento de até 143 % nas devoluções nos dias que seguem a Black Friday.
A pegada ecológica de alguns dos aparelhos como telemóveis, gadgets, eletrónicos, é pesada. A produção, transporte, embalagens, descarte, tudo somado gera mais emissões, mais consumo de matérias-primas e mais resíduos. A Black Friday é, muitas vezes, um salto no abismo da obsolescência rápida.
A psicologia do impulso, o arrependimento e a memória do consumo
Por detrás da pressa, dos alarmes dos descontos, opera um mecanismo psicológico bem conhecido: a urgência, a excitação, o medo de perder a «oferta do ano». Um estudo recente indica que muitos compradores se rendem a estas emoções. A pesquisa demonstra que a sensação de «estar a conseguir um bom negócio» dispara a liberação de dopamina, cria sensação de urgência, gera uma explosão de desejo e depois, quando a euforia passa, fica o arrependimento.
De facto, estudos recentes mostram que quase 40 % dos consumidores admitiram arrependimento por compras feitas na Black Friday, especialmente de artigos que nunca chegaram a usar.
O impulso de consumo torna-se hábito. Há quem repita o padrão ano após ano, como se a emoção substituísse o critério. A compra deixa de ser um ato consciente, ponderado, útil e converte-se numa compulsão cultural, alimentada por marketing, urgência e manipulação de emoções.
O rasto do pós-venda: lixo, devoluções, frustração
As consequências ultrapassam o fim da festa. Quando o entusiasmo passa, chegam os pacotes. Chegam os equipamentos que raramente usamos e chega também a frustração. E com ela, o descarte. As estimativas ambientais e de resíduos confirmam: a Black Friday cria picos de lixo, poluição e desperdício. Os retornos das entregas aumentam drasticamente, o transporte de mercadorias dispara, a reciclagem não dá conta do volume. Tudo isso enquanto somos empurrados a comprar como se estivéssemos numa guerra de descontos.
Em Portugal, por exemplo, estudos sobre o comportamento dos consumidores confirmam que a Black Friday convence cerca de 66 % dos compradores a adquirir bens, ainda que muitos planeiem gastar apenas até 200 €.
Isto revela que grande parte das compras, mesmo que modestas no valor, podem ser impulsivas, motivadas mais pela ideia de «oferta» do que pela necessidade real. A pressa, o desejo, o marketing, tudo empurra para o consumo rápido.
Comprar menos. Viver melhor.
Não é moralismo. É factualidade. A Black Friday expõe o lado mais incisivo do sistema de consumo. Promove excesso, alimenta a urgência sobre a necessidade.
Se pensa em «aproveitar ofertas», pergunte primeiro: preciso mesmo disto? Se a resposta for não, está a participar numa corrida suja de carbono e provável arrependimento. Se for sim, procure alternativas: produtos duradouros, de segunda mão, reparáveis, recicláveis. Compre com consciência. Compre com memória. Porque o barato da Black Friday é, no fim, o preço que o planeta acaba por pagar.



