Reparação de computadores e telemóveis excluídos da taxa de 6% de IVA
Perante um tsunami de lixo eletrónico – que de acordo com as Nações Unidas expõe atualmente 18 milhões de crianças – Portugal dá um passo atrás e continua a cobrar a taxa de IVA máxima, mesmo que seja, ambientalmente, um enorme erro.
De acordo com a Autoridade Tributária e Aduaneira, os computadores, tablets e telemóveis são aparelhos que “têm uma utilização normal em qualquer ambiente e não podem ser considerados aparelhos domésticos”, para efeitos da verba 2.36 [serviços de reparação] da Lista I do Código do IVA [produtos sujeitos à taxa reduzida] pelo que a sua reparação não beneficia a taxa de 6%, mesmo quando, no último processo orçamental, existiram várias propostas nesse sentido.
Sabemos bem que o consumo global de smartphones, tablets, computadores pessoais e outros dispositivos eletrónicos aumenta todos os anos. Estes equipamentos são, hoje em dia, primordiais na sociedade e trazem benefícios incontestáveis em áreas tão abrangentes como a saúde e educação. Porém, há um lado muito negro na tecnologia: o planeta assiste, diariamente, a um crescente tsunami[1] de lixo eletrónico.
Ora, por um lado, os fabricantes das grandes tecnológicas são exímios a dificultar a reparação deste tipo de dispositivos. Não fornecem peças, nem sequer manuais de instruções sobre como reparar os mesmos e, nos últimos anos, a inclusão de componentes exclusivos das marcas tornou-se um modelo standard desta indústria. E, por outro lado, temos uma taxa de IVA na qual praticamente um quarto (23%) do valor da reparação é um benefício direto do Estado. As conjugações destes fatores tornam a opção por reparar bastante dispendiosa, o que leva o consumidor final a optar por adquirir equipamentos novos, em detrimento de reparar aparelhos que, na maioria dos casos, vão acabar no lixo doméstico.
De acordo com os dados da ONU[2] a economia global gera, aproximadamente, 50 milhões de toneladas de lixo eletrónico[3] por ano e na União Europeia reciclam-se, anualmente, menos de 40% dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. A esmagadora maioria do lixo eletrónico que resulta dos computadores e telemóveis termina em entulho. Estes tipos de resíduos tornaram-se já num dos principais obstáculos aos esforços dos europeus para reduzir a sua pegada ecológica e o problema está bem identificado.
Por estas razões, atravessamos um momento em que as principais instituições estão focadas em aplicar medidas[4] para minimizar os impactos da indústria eletrónica no meio ambiente, alinhadas com uma transição sustentável para todas as partes. Um inquérito do Eurobarómetro[5] indica que 77% dos consumidores europeus preferem reparar os seus equipamentos a comprar novos. Todavia não o fazem, sobretudo, devido aos custos elevados quando comparam os mesmos com os valores de aquisição de novos equipamentos.
Entretanto, o Parlamento Europeu está empenhado em promover o alargamento da vida útil dos produtos através da reutilização e da reparação[6]. Mas, infelizmente, parece que em Portugal ainda não estamos, suficientemente, sensibilizados para esta tragédia ecológica e não sabemos aproveitar a oportunidade para elaborar uma alteração ao IVA que tenha um verdadeiro impacto na forma como os consumidores portugueses decidem, quando têm um telemóvel ou computador avariados.
[1] https://news.un.org/pt/audio/2021/06/1753742
[2] Baldé, C. P., et al., The Global E-waste Monitor 2017, UNU, ITU, ISWA, 2017
[3] Vidal, John, “Toxic ‘e-waste’ dumped in poor nations, says United Nations,” https://news.un.org/pt/tags/lixo-eletronico
[4] https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/priorities/economia-circular/20210128STO96607/como-alcancar-a-economia-circular-na-ue-ate-2050
[5] Atitudes dos europeus em relação à gestão dos resíduos e à eficiência dos recursos – https://news.un.org/pt/story/2021/06/1753752
[6] Direito à Reparação – https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20220401IPR26537/right-to-repair-meps-want-more-durable-and-more-easily-repairable-products