«Every man desires to live long, but no man wishes to be old.» A frase é de Jonathan Swift, escrita no início do século XVIII, mas podia perfeitamente ter sido pronunciada hoje, num gabinete de ministro ou numa sala de espera da Segurança Social. Portugal aproxima-se desse paradoxo com a precisão de um relógio com ponteiros antigos. Vive cada vez mais, mas envelhece ainda mais depressa. E é nesse intervalo que o mercado de trabalho português tenta reinventar-se, ao mesmo tempo que o país se confronta com um facto duro e incontornável. Já não é garantido que haja alguém para substituir quem sai.
Um novo relatório da Randstad Research, divulgado esta terça-feira, alerta para a falta de renovação geracional e para a necessidade urgente de valorizar os profissionais com mais de 55 anos, um grupo que representa já um quinto da força laboral.
Envelhecimento avança e metade da população terá mais de 55 anos em 2050
Os números mostram uma tendência estrutural: em 2024, 38% dos portugueses tinham mais de 55 anos, e as projeções apontam para 46% em 2050, ou seja quase metade da população. Em sentido contrário, o país deverá perder mais de 600 mil jovens até meados do século, reduzindo a população abaixo dos 30 anos para apenas um quarto do total.
Portugal é atualmente o 2.º país mais envelhecido da UE, apenas atrás da Itália, e mesmo em 2050 deverá manter-se muito acima da média europeia. Este desequilíbrio demográfico já tem reflexos diretos na capacidade produtiva. O grupo sénior duplicará em relação ao dos mais jovens, invertendo o perfil populacional e pressionando o mercado laboral.
Um em cada cinco trabalhadores já tem entre 55 e 64 anos
Os profissionais séniores representam hoje 19,6% da população ativa, o valor mais elevado de sempre. Em dez anos, o número absoluto de trabalhadores nesta faixa etária quase duplicou, atingindo 1,07 milhões de pessoas em 2024.
A distribuição por género é equilibrada: 50,4% mulheres, 49,6% homens.
A tendência deverá intensificar-se, não apenas pelo envelhecimento geral, mas também pela crescente permanência dos trabalhadores no mercado por mais tempo. Apesar da maior participação no mercado, a reintegração laboral continua a ser uma barreira difícil para quem ultrapassa os 55 anos.
Em 2024 existiam 63.500 desempregados séniores, menos do que há uma década, mas a sua representatividade subiu de 14,2% para 18,1% do total de desempregados. A situação é especialmente grave no desemprego de longa duração: 28,8% dos desempregados há mais de um ano pertencem a este grupo etário — a proporção mais elevada entre todas as faixas.
Renovação geracional falha: entram menos de 7 jovens por cada 10 pessoas que saem
Um dos sinais mais críticos está na taxa de renovação geracional. Portugal tem hoje apenas 68 jovens (10–19 anos) por cada 100 adultos entre os 55 e os 64 anos, a 4.ª pior taxa da União Europeia.
A consequência é inevitável: por cada 10 trabalhadores que saem para a reforma, entram apenas 7 jovens. Sem imigração qualificada e sem prolongamento da vida ativa, o país enfrenta uma redução da sua força de trabalho.
Para Érica Pereira, diretora de Professional Talent Solutions da Randstad, o país está perante «o maior dilema de sustentabilidade social e financeira» das próximas décadas. «A pressão sobre a Segurança Social e a Saúde atingirá níveis críticos. Mas a solução não passa apenas por cortes ou reformas restritivas. Passa por ativar uma economia orientada para atividades e serviços dirigidos a esta população», afirma.
Defende ainda que o talento sénior deve ser encarado como um ativo estratégico: «Ao promover o emprego sénior, o consumo ativo e a longevidade saudável, estamos a alargar a base contributiva e a reduzir a dependência. A demografia pode — e deve — transformar-se numa alavanca de equidade intergeracional.»
Quem vai substituir quem?
No fim, a pergunta deixa de ser apenas estatística e torna-se quase íntima. Quem substitui quem, quando o país inteiro envelhece ao mesmo ritmo de livros que amarelecem nas estantes? O mercado de trabalho é apenas o espelho mais visível de uma transformação silenciosa, uma sociedade onde a juventude já não chega para empurrar o futuro e onde a experiência, antes vista como um estágio final, passa a ser o eixo de sustentação.
Números que apertam e projeções que se adensam, ficando uma sensação quase existencial. Talvez a maior urgência não seja contar quantos saem e quantos entram, mas compreender como queremos viver num país onde trabalhar depois dos 55 deixa de ser exceção e passa a ser a regra. Porque, no fundo, vai além do mercado laboral. É a história de Portugal a tentar perceber quem será quando for, finalmente, um país velho.



