Nos últimos anos assistimos a um intenso debate em torno das medidas laborais necessárias para dar resposta aos desafios do futuro do trabalho. Este longo processo teve início em 2020 com a constituição de um grupo de trabalho encarregue de elaborar o Livro Verde do Futuro do Trabalho e culminou numa reforma laboral abrangente, aprovada sob a bandeira da “Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho”.
Os objetivos visados pelo legislador com a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho são absolutamente meritórios numa sociedade democrática que valoriza as aspirações profissionais das suas pessoas e que promove o acesso ao trabalho em condições de liberdade, dignidade e equidade.
Com esta agenda, Portugal deu voz no plano nacional aos compromissos assumidos na Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030 da Organização Internacional do Trabalho em matéria de trabalho digno, o que é de louvar.
Por outro lado, Portugal transpôs para o direito nacional – ainda que com atraso, as Diretivas relativas a condições de trabalho transparentes e previsíveis e à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores.[1] De um modo geral, as medidas legislativas adotadas em matéria de conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar e o estatuto conferido ao trabalhador cuidador refletem a aposta de uma sociedade justa e responsável na promoção da igualdade de oportunidades profissionais, na partilha de responsabilidades ao nível da parentalidade e na proteção de quem mais necessita.
No meu entender, a possibilidade de cumular o gozo da licença parental inicial com a prestação de trabalho a tempo parcial e o novo conjunto de direitos atribuído ao trabalhador cuidador são as medidas que maior aplauso merecem pela importância que revestem para um futuro sustentável e justo e pelo caráter premente dos interesses a que visam responder.
No entanto, nem tudo são rosas. Pela sua natureza, a legislação laboral mostra-se extremamente permeável a questões ideológicas e, frequentemente, desajustada à realidade. A verdade é que o Estado parece continuar pouco sensível aos desafios que se impõem a quem cria emprego e à necessidade de preservar a adaptabilidade do mercado de trabalho às diferentes circunstâncias que afetam a vida das empresas. Continuamos a legislar de forma rígida e tabelar asfixiando a flexibilidade de que as empresas necessitam para se adaptarem às exigências do mercado, para se manterem competitivas e para que efetivamente considerem que merece a pena assumir os riscos de uma atividade. A proibição de recurso ao outsourcing para satisfação de necessidades que tenham sido asseguradas por trabalhador despedido nos últimos 12 meses, no âmbito de um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, é sintomática do que se refere e representa, no meu entender, uma intromissão inaceitável na margem de gestão conferida ao empresário ao abrigo da liberdade de iniciativa privada. Penso tratar-se de uma medida desnecessária, desproporcional e que, com alguma probabilidade, não sobreviverá ao crivo do Tribunal Constitucional.
Parece que o legislador continua tendencialmente a generalizar situações de abuso e de ilegalidade no mercado de trabalho como sendo a regra, assim justificando um intervencionismo estatal que não favorece a atividade económica e a criação de emprego.
Urge entender e aceitar, para efeitos de política legislativa, que a criação de emprego não está garantida, sendo certo que a Agenda do Trabalho Digno não parece dar passos seguros neste sentido.
[1] Respectivamente, Diretivas 2019/1152 e 2019/1158, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.

