Os mercados privados são inerentemente menos líquidos do que os mercados públicos, e o bloqueio de fundos durante um período significativo é algo desconhecido para muitos investidores privados.
Além disso, os reguladores em todo o Mundo estão preocupados com os riscos potenciais associados aos ativos privados durante períodos de tensão do mercado. Uma das principais preocupações das autoridades reguladoras está nas incompatibilidades de liquidez que podem surgir se os fundos abertos investirem em investimentos ilíquidos e permitirem demasiada flexibilidade nos resgastes.
No entanto, os gestores de ativos privados estão a explorar formas de enfrentar este desafio de liquidez, incluindo a evolução de fundos de prazo fixo para fundos de prazo indeterminado mais flexíveis, e a introdução de fundos semilíquidos abertos, bem como a oferta de novas estruturas regulamentadas.
A Schroders deixa alguns esclarecimentos sobre o funcionamento dos mecanismos de liquidez das novas estruturas de fundos.
Fundos semilíquidos ou “evergreen”
Os fundos semilíquidos, como o nome sugere, oferecem um equilíbrio entre a liquidez e o potencial de retornos atrativos, investindo numa combinação de ativos líquidos e ilíquidos.
Embora estes fundos não exijam o bloqueio de capital, como os veículos fechados com prazos fixos, os intervalos de resgate podem ainda ser pouco frequentes e sujeitos a limitações, sendo, por conseguinte, mais adequados para investidores com um horizonte temporal de mais longo prazo. As opções no setor dos fundos semilíquidos estão a aumentar com a entrada de mais fornecedores no mercado com novos veículos que oferecem uma gama diversificada de estratégias.
Dentro das estruturas semilíquidas, os investidores podem comprar e vender a um Valor Patrimonial Líquido (VPL) prevalecente à medida que fazem transações com o gestor do fundo (e não com outros investidores num mercado secundário). Isto permite que os investidores apliquem imediatamente o seu capital numa carteira diversificada de mercados privados ao VPL do fundo num determinado momento, em vez de esperarem que os seus compromissos de tesouraria sejam utilizados ao longo do tempo.
Investir ao nível do VPL de um fundo reduz a volatilidade ou o beta do mercado público, em comparação com os fundos fechados cotados negociados numa base diária. Este tipo de fundo fechado depende de um mercado secundário para efeitos de liquidez, em que o preço que os investidores recebem se baseia na dinâmica prevalecente da oferta e da procura no mercado.
No entanto, isso também significa que a liquidez num fundo semilíquido não é tão elevada como para as opções fechadas cotadas. Os fundos semilíquidos são normalmente transacionados com menor frequência (muitas vezes, mensal ou trimestralmente), com períodos de pré-aviso prescritos e podem “bloquear” quando certos limites são ultrapassados, limitando potencialmente o montante que pode ser resgatado numa determinada data de negociação.
Nos fundos semilíquidos, uma carteira bem construída, diversificada por geografia, setor e tipo de ativo (e com uma pequena afetação potencial a investimentos líquidos), pode projetar um nível de “liquidez natural” que seja regular e consistente. Os fundos semilíquidos também utilizam instrumentos de gestão de liquidez que podem controlar a liquidez dentro do fundo, tais como a fixação de limites de resgate e a realização de investimentos líquidos.
Uma avaliação clara dos mecanismos de liquidez de um fundo é crucial para qualquer gestor de patrimónios que aloque o capital dos seus clientes a esta estrutura de fundos.
Fundo de ativos de longo prazo (LTAF)
O LTAF é um fundo aberto autorizado no Reino Unido que investe em ativos ilíquidos de longo prazo, oferecendo aos investidores flexibilidade para comprar e vender.
Para garantir a proteção dos investidores, o LTAF é regido por regras sólidas. Estas regras definem possíveis mecanismos de liquidez que podem ser utilizados pelo gestor do fundo e limitam a frequência dos resgates oferecidos. Também estabelecem uma relação consistente entre a liquidez dos ativos do fundo e as suas condições de resgate.
Este alinhamento garante que os investidores têm conhecimento do período de pré-aviso necessário para resgatar os seus investimentos e da liquidez da carteira subjacente. Algumas regras de liquidez para os LTAF são pré-determinadas, incluindo restrições à frequência de negociação (não mais do que mensal) e um período de pré-aviso obrigatório de pelo menos 90 dias para resgates.
Opcionalmente, alguns LTAF podem ter períodos de aviso prévio mais longos e negociações menos frequentes, ao critério do gestor do fundo. Estes termos devem estar alinhados com o perfil de liquidez subjacente do fundo.
Tal como outros fundos semilíquidos, uma carteira de LTAF pode gerar liquidez natural através do rendimento ou distribuições dos seus investimentos subjacentes. Estes retornos devem corresponder estreitamente ao nível esperado de resgastes dos investidores num mercado estável.
Fundo europeu de investimento a longo prazo (ELTIF)
O objetivo do ELTIF, introduzido em 2015, é estabelecer um quadro consistente para investimentos a longo prazo em ativos privados em todos os Estados-Membros da UE e expandir o acesso a um leque mais amplo de clientes, incluindo investidores individuais. O regime de ELTIF centrou-se na canalização de capital para investimentos a longo prazo na economia real, visando principalmente ativos ilíquidos a longo prazo, como capital privado, bens imobiliários e infraestruturas.
Embora o setor tenha apoiado os objetivos da nova estrutura, certas restrições ao investimento e à distribuição apresentaram desafios em termos práticos. Para resolver estas questões, a UE realizou uma revisão do regulamento e publicou uma versão atualizada, conhecida como ELTIF 2.0, que entrou em vigor em janeiro de 2024.
Ao contrário do regulamento original, que só permitia fundos fechados, as novas regras introduzem a possibilidade de resgates antes do final da vida útil fixa de um fundo, transformando efetivamente o ELTIF num fundo aberto semilíquido.
As regras específicas para os resgates serão esclarecidas através de um conjunto de normas técnicas de regulamentação que serão finalizadas pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados no final de 2024.
Estas orientações abrangerão aspetos importantes como os períodos mínimos de detenção, os períodos de pré-aviso, os critérios para determinar as percentagens máximas de resgate, os mecanismos anti diluição e outros instrumentos de gestão da liquidez.
E como funciona a liquidez?
Para a maioria dos fundos semilíquidos, bem como os LTAF, a liquidez é gerida de duas formas:
1. Construção da carteira e mitigação de riscos
A carteira deve oferecer uma repartição prudente do risco para evitar o risco de concentração. Por exemplo, pode ser exposta a uma série de anos de emissão para estabelecer uma linha de base de liquidez natural através de distribuições. A diversificação geográfica, por classe de ativos e/ou setorial também reduz o risco de exposição a choques ou acontecimentos que afetem a liquidez de toda a carteira.
Alguns LTAF e fundos semilíquidos podem investir uma parte da sua carteira em ativos mais líquidos, que podem ser vendidos mais rapidamente para atender aos resgates numa determinada data de negociação.
Outra consideração a ter em conta na construção da carteira é o ritmo de distribuição de novas subscrições e a capacidade de se adaptar a mudanças na atividade de subscrição. Normalmente, os fundos fechados permitem que os investidores assumam compromissos que são reembolsados ao longo de um determinado período.
No entanto, os fundos semilíquidos, bem como os LTAF, são fundos abertos “evergreen”. Por conseguinte, as subscrições devem ser investidas mais rapidamente e o volume de subscrições pode variar de um período para o outro. Isto significa que um gestor de investimentos deve estar confiante de que a sua plataforma de investimento é suficientemente ampla e profunda para acomodar entradas irregulares e investir rapidamente, mantendo simultaneamente a diversificação.
Nesta estrutura, o gestor de investimentos gere um saldo de tesouraria ou um conjunto de títulos líquidos do fundo de forma ativa. É função do nível de atividade de subscrições e resgates, do ritmo de implantação e das distribuições da carteira subjacente. Os fundos manterão um saldo de caixa para fazer face aos resgates e evitarão vender com desconto os ativos dos mercados privados a mais longo prazo.
Os fundos abertos também devem ter a flexibilidade de usar vendas secundárias para ajudar a gerir a liquidez na carteira. A venda ativa dos investimentos em carteira pode ajudar a obter liquidez para o fundo em períodos em que as subscrições são baixas e os pedidos de resgate aumentam. Para muitas classes de ativos, o mercado secundário tornou-se muito profundo e, portanto, mais líquido do que era há 10-15 anos, embora ainda possa ser propenso a elevados descontos cíclicos. Daí a importância de uma carteira diversificada para proporcionar mais flexibilidade ao vender ativos.
2. Instrumentos específicos de gestão da liquidez
Dada a liquidez inerente às classes de ativos, existe uma série de instrumentos que os gestores de investimentos irão incorporar na conceção do fundo para garantir que a estratégia de investimento é cumprida a longo prazo.
Tal inclui mecanismos que restrinjam a liquidez do fundo de acordo com a natureza de longo prazo da classe de ativos e evitam uma venda forçada de ativos que possam prejudicar o desempenho.
Estes instrumentos também podem variar de acordo com o fundo e a sua estratégia de investimento, sendo eles: prazos de aviso prévio de resgate; imposição de limites de resgate; limites de suspensão de resgate; períodos de impedimento de venda; procedimento especial de negociação após o período de suspensão.
O que acontece quando um investidor opta por resgatar a sua participação?
Em alguns fundos semilíquidos ou LTAF, os pedidos de resgate são primeiro compensados com subscrições recebidas no mesmo período. Se o saldo desses fluxos for positivo, ou seja, se houver mais subscrições do que resgates, então, podem ser feitos compromissos adicionais e compras secundárias na carteira. Se se registar uma saída líquida, esta será coberta pela liquidez do fundo.
Se os resgates para o trimestre excederem o limite estabelecido, o montante será reduzido proporcionalmente para garantir que todos os investidores do fundo foram tratados de forma justa. O valor não transacionado será transferido para o dia de negociação seguinte, onde será tratado da mesma forma que outros resgates recebidos nesse dia de negociação, a menos que seja cancelado pelo investidor.