O setor tecnológico continua a ser um dos mais inovadores e dinâmicos da economia, mas ainda carrega desigualdades estruturais — sobretudo de género. A representatividade feminina permanece reduzida e isso reflete-se não só no acesso a oportunidades, como também no ambiente de trabalho e na diversidade de perspetivas nas equipas.
Uma das abordagens que tem conquistado destaque é a mentoria personalizada para mulheres, que se assume como motor de crescimento ao oferecer orientação estratégica, partilha de experiências e redes de apoio. Para Sandra Duarte, Product Manager na tb.lx, estas comunidades e programas são fundamentais para dar confiança às mulheres num setor ainda marcado pela desigualdade. Em conversa com a Líder, fala sobre os obstáculos que persistem, a importância da mentoria e o papel que empresas e organizações na transformação do futuro feminino no mundo tech.
Quais são, na sua perspetiva, os principais obstáculos que as mulheres ainda enfrentam no setor tecnológico?
Para mim, o maior obstáculo continua a ser a baixa representatividade feminina. Quando as mulheres são uma minoria nas equipas, isso reflete-se não só na diversidade de perspetivas, mas também no ambiente de trabalho. Em contextos muito masculinos, por vezes, a forma de comunicar ou de interagir acaba por não ser inclusiva, o que pode gerar situações de desconforto e até dificultar a integração.
Além disso, quando olhamos para cargos de liderança, a disparidade é ainda maior: a presença feminina é reduzida e, por isso, podem surgem medidas como as quotas, que, embora bem-intencionadas, não resolvem o problema de fundo.
Outro desafio significativo é a diferença salarial. Os dados mais recentes da Eurostat mostram que, em média, as mulheres ainda recebem 12% abaixo dos homens para o mesmo cargo na Europa – uma realidade que também se verifica no setor tecnológico, o que considero preocupante.
Que importância e benefícios destaca na mentoria e comunidades femininas?
Estas comunidades e programas de mentoria são absolutamente fundamentais. Num setor onde as mulheres continuam em minoria, estes espaços oferecem apoio psicológico, promovem a partilha de experiências e, sobretudo, ajudam as mulheres e raparigas a ganhar confiança para participar mesmo quando ainda não se sentem 100% preparadas para falar ou assumir novos desafios.
A mentoria e a partilha dentro destes fóruns incentivam-nos a dar esse passo, a expor ideias e a voluntariar-nos para projetos, mesmo quando não dominamos totalmente o tema.
Isso fortalece competências, cria redes de apoio e diminui a sensação de isolamento.
Estas iniciativas já são expressivas no setor tech ou ainda pioneiras? Que papel podem as empresas desempenhar na adoção destes projetos?
Apesar de estarem a crescer, considero que ainda estão numa fase embrionária. Já existem iniciativas muito relevantes que dinamizam eventos, promovem role models femininas e visitam empresas e escolas. Mas ainda há muito caminho a percorrer.
Neste aspeto, as empresas podem desempenhar um papel central – não apenas ao criar programas internos de mentoria e inclusão, mas também apoiando estas iniciativas externas. Este esforço deve ser apresentado cedo, ainda na adolescência, quando as raparigas começam a escolher a sua área de estudo. Mostrar que a tecnologia não é exclusiva de quem ‘é bom a matemática’ e que há múltiplas oportunidades de carreira pode ser determinante para atrair mais jovens mulheres para o setor.
Como é que estas redes contribuem para aumentar a representatividade e liderança feminina?
Estas redes funcionam como alicerces para a progressão na carreira. Desde o início, permitem partilhar dúvidas, receios e dificuldades, ajudando a traçar um caminho mais sólido.
Ter modelos de referência e acesso a exemplos reais de mulheres em cargos de liderança dá-nos a visão de que é possível chegar lá.
Além disso, criam um efeito multiplicador: quanto mais mulheres subirem a posições de liderança, mais exemplos existirão para inspirar as próximas gerações.
Como é que as necessidades de mentoria vão evoluindo ao longo da carreira da mulher?
As necessidades de mentoria são diferentes em cada fase da carreira. No início, há uma maior procura por orientação prática, onde se pretende ganhar confiança ou encontrar oportunidades de crescimento. Mais tarde, a mentoria pode ser fundamental para apoiar mudanças de rumo ou de reinvenção profissional, algo cada vez mais comum.
Hoje, já não se espera que uma carreira seja linear ou que tenhamos de permanecer na mesma função para sempre. A mentoria ajuda precisamente a perceber quando é altura de mudar, crescer ou até desacelerar, sem perder o rumo do que nos realiza profissionalmente.
Como é que a tb.lx fomenta um ambiente inclusivo e que fortalece as lideranças femininas?
Na tb.lx, temos uma forte cultura de inclusão e isso nota-se logo pela nossa liderança executiva, que é composta em 60% por mulheres. Além disso, apoiamos e recebemos regularmente associações e iniciativas externas para promover a educação da nossa equipa. Isto permite-nos abordar, de uma forma real, os desafios que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho e em tecnologia especificamente – como faz o grupo Geek Girls Portugal ao dar visibilidade a mulheres na tecnologia e a inspirar toda a nossa equipa.
Temos também um programa de mentoria interno que é aberto a todos os colaboradores, independentemente da sua senioridade, que considero extremamente útil. É uma oportunidade de aprendizagem contínua e de troca de perspetivas, sempre integrada no horário de trabalho.
Outro ponto essencial é a flexibilidade e a confiança que a empresa nos dá: existe uma verdadeira autonomia para equilibrar a vida pessoal e profissional, que é fundamental para criar condições onde todas as pessoas, incluindo as mulheres, possam crescer e assumir papéis de liderança de uma forma sustentável.
Que mudanças gostaria de ver no setor tecnológico nos próximos anos, no que à representatividade das mulheres diz respeito?
Gostaria de ver um aumento significativo no número de mulheres no setor e, em particular, em cargos de liderança. Para isso, acredito que é essencial trabalhar desde cedo com as gerações mais jovens, mostrando que não há barreiras intransponíveis nem percursos pré-definidos.
Ao mesmo tempo, é crucial continuar a combater os dois grandes problemas que hoje ainda persistem: a baixa representatividade e a diferença salarial. Se conseguirmos atrair mais mulheres e oferecer condições de igualdade, acredito que vamos assistir a uma transformação muito positiva no setor.