O mundo do trabalho tem sido desenhado sob um modelo masculino, falhando em reconhecer muitas das realidades que moldam a vida das mulheres. Gravidez, pós-parto ou menopausa são, muitas vezes, fases vividas em silêncio, sem estruturas capazes de as acolher ou apoiar.
Hoje, num contexto em que se exige mais diversidade, equidade e sustentabilidade humana nas organizações, torna-se urgente reconhecer as especificidades femininas e integrá-las nos modelos de liderança e desenvolvimento profissional. É esta realidade que Céu Barros, fundadora da Clínica Mulher, defende, trazendo um projeto focado na saúde e bem-estar da mulher em todas as fases da vida.
À Líder, revela as pressões invisíveis que recaem sobre as mulheres, o impacto que os ciclos biológicos têm na vida profissional e a necessidade de novas lideranças mais empáticas, conscientes e no feminino.
Que pressões adicionais sentem as mulheres no mundo do trabalho, comparativamente aos homens?
As mulheres carregam um conjunto de pressões invisíveis que vão muito além da sua função profissional. Existe uma expectativa histórica de que desempenhem, em simultâneo, múltiplos papéis: profissionais de excelência, mães presentes, gestoras da vida familiar e, ainda assim, responsáveis por manter padrões elevados de desempenho e imagem.
Estas exigências somam-se a outra realidade: durante décadas, o sistema de trabalho foi desenhado com base num modelo masculino. Fenómenos naturais da biologia feminina, como a gravidez, o pós-parto ou a menopausa, raramente foram considerados na definição de carreiras, nos modelos de progressão ou na organização de equipas.
Mas este não é um debate sobre criar divisões ou levantar barreiras. Pelo contrário, trata-se de abrir espaço para um diálogo mais informado e construtivo.
Reconhecer as especificidades biológicas e emocionais da mulher não é uma questão ideológica, mas sim de saúde pública e de sustentabilidade das carreiras
Ao integrar esta realidade na forma como lideramos e promovemos talento, conseguimos criar modelos mais justos e mais equilibrados, para todos.
Qual é a necessidade de acompanhar as várias fases biológicas da mulher e que impacto traz para o seu percurso profissional?
A biologia feminina molda diferentes ciclos ao longo da vida, com impacto direto na saúde física, emocional e mental. Menstruação, fertilidade, gravidez, pós-parto, perimenopausa e menopausa não são meramente particularidades da mulher: são etapas universais que afetam a energia, o bem-estar, o foco, as relações pessoais e até escolhas de vida e de carreira.
Durante muito tempo, estas fases da vida foram vividas em silêncio. Muitas mulheres adaptaram-se, sozinhas, à ausência de estruturas clínicas, empresariais e sociais capazes de as apoiar de forma adequada. As consequências foram evidentes: mais desgaste, decisões adiadas e, muitas vezes, percursos profissionais condicionados.
A Clínica Mulher nasce precisamente com essa consciência. Ao integrar ciência, tecnologia e cuidado humano, queremos criar um modelo sustentável onde a mulher tem acesso a informação credível, acompanhamento personalizado e espaço para tomar decisões informadas.
Quando cada mulher tem acesso ao conhecimento certo, ganha não só mais qualidade de vida, mas também equilíbrio – na saúde, na vida pessoal e na gestão da sua carreira. Passa a assumir a responsabilidade da sua saúde. Esse aspeto vai torná-las clientes exigentes e é para essas clientes que a Clínica Mulher foi criada.
Como nasceu a ideia da Clínica Mulher? Que lacunas identificou no setor da saúde feminina em Portugal?
A Clínica Mulher nasceu, antes de tudo, de uma paixão profunda pela saúde feminina. A mudança de carreira perto dos 40 anos trouxe novos desafios, mas também a oportunidade de encontrar uma sócia 20 anos mais jovem, cuja visão e energia foram decisivas para transformar esta ideia num projeto concreto.
Trabalhando de perto com mulheres, percebemos que existia uma oportunidade clara: criar um conceito inovador, que reunisse, num único espaço, equipas multidisciplinares, tecnologia de última geração, programas clínicos integrados e um acompanhamento verdadeiramente personalizado. O objetivo nunca foi substituir o que já existe, mas complementar a oferta atual e aprofundar a forma como cuidamos da saúde feminina.
A Clínica Mulher nasce da convicção de que o futuro da saúde está em modelos preventivos, personalizados e tecnologicamente avançados, onde ciência e empatia coexistem. Um espaço pensado ao detalhe, onde prevenção, diagnóstico, tratamento e bem-estar estão interligados.
O que significa para si criar um espaço exclusivamente dedicado à saúde e bem-estar da mulher?
Significa reconhecer que a saúde feminina precisa e merece um modelo próprio, desenhado a partir das suas necessidades reais e suportado por evidência científica. Durante demasiado tempo, a medicina partiu de um padrão masculino, o que resultou, muitas vezes, em diagnósticos tardios, menor investimento em investigação direcionada, lacunas de informação e decisões menos personalizadas.
Doenças como a fibromialgia ou a endometriose foram, durante anos, subvalorizadas ou associadas a questões emocionais ou comportamentais. Hoje, a ciência mostra-nos o contrário: são doenças reais, com impacto profundo na qualidade de vida, e merecem abordagens clínicas rigorosas, integradas e personalizadas.
A Clínica Mulher nasce para recentrar esta conversa. Mais do que um espaço físico, quisemos criar um ecossistema de confiança, pensado para devolver à mulher o protagonismo sobre a sua saúde. Um lugar onde encontra informação credível, programas clínicos integrados e um acompanhamento contínuo, sempre sustentado pela ciência, pela transparência e por profissionais com um compromisso genuíno com a saúde feminina.
O nosso objetivo não é falar sobre saúde feminina, mas abrir espaço para um diálogo informado e construtivo, onde a mulher passa a assumir um papel ativo nas decisões que moldam a sua saúde e qualidade de vida.
Qual é a importância de fomentar equipas alinhadas e resilientes em contextos de alta pressão como o setor da saúde?
A saúde é um setor de decisões críticas com impacto imediato na vida das pessoas. Trabalhamos num ambiente de elevada exigência, onde não há margem para erros e onde a capacidade de resposta é constantemente posta à prova. Isso exige um nível de alinhamento profundo entre as equipas, que vai além da competência técnica. Requer confiança mútua e uma capacidade de comunicação entre equipas.
Na Clínica Mulher, acreditamos que este nível de desempenho só é possível quando existe uma cultura partilhada e empática. Por isso, investimos na formação contínua, promovemos espaços de troca entre especialidades e criamos protocolos claros que permitam consistência e fluidez no trabalho diário.
Costumo dizer que, para trabalhar neste setor, é preciso gostar genuinamente da saúde. No recrutamento, esse é um dos nossos principais critérios: além de competências técnicas, procuramos profissionais que vejam na saúde da mulher não apenas uma profissão, mas um compromisso real.
Que papel têm as lideranças na prevenção de situações limite, como o burnout, e na criação de um ambiente de excelência clínica?
O burnout não acontece apenas por excesso de carga de trabalho; muitas vezes, surge devido a um desalinhamento entre o que fazemos e aquilo em que acreditamos. É aqui que a liderança tem um papel determinante.
No setor da saúde, onde as exigências são elevadas e a pressão é constante, esta responsabilidade torna-se ainda mais crítica. É essencial construir condições sustentáveis que permitam preparar bem as equipas e reduzir os fatores de desgaste.
Na equipa clínica, desenhámos protocolos e rotinas otimizadas que reduzem a fricção operacional. Na equipa de gestão, o respeito e a atenção ao outro costumam fazer o resto. Tenho a sorte de trabalhar com mulheres muito diferentes, cada uma com o seu estilo, personalidade e forma de estar.
Valorizar a individualidade e tirar partido daquilo que cada perfil tem de melhor é, para mim, uma das partes mais gratificantes da liderança
Liderar neste contexto requer um equilíbrio desafiante: definir um nível de rigor clínico elevado, ao mesmo tempo, criar um ambiente humano, com espaço para aprender, recuperar e evoluir. É importante criar condições, oferecer às equipas os recursos, a autonomia e o suporte necessários para alcançar padrões de excelência.
Que tipo de líder pretende ser?
Vejo a liderança como um exercício de proximidade e consciência, baseado em transparência, escuta ativa e participação das equipas, sem perder a visão estratégica.
Defendo o valor da inteligência coletiva, porque nenhuma transformação acontece sozinha nem depende apenas do líder. Na Clínica Mulher, adoto um modelo que equilibra dois planos essenciais: o detalhe operacional, que assegura consistência na execução, e a visão macro, que define o caminho e antecipa o futuro.
Apesar da exigência, acredito que é essencial permitir o erro e não ser refém dele. Errar faz parte do processo de crescimento e é uma oportunidade de aprendizagem, de evolução e de autoconhecimento, para as equipas e para quem lidera.
Enquanto mulher empreendedora na área da saúde, que conselhos deixaria a outras mulheres que querem criar projetos com impacto?
Projetos com impacto começam sempre com as perguntas certas. A pergunta que deu origem à Clínica Mulher foi simples: ‘E se existisse um espaço onde a mulher tivesse acesso a tudo o que precisa para gerir a sua saúde e bem-estar de forma holística?’ A partir daí, construímos todo o modelo.
O impacto não se mede pela dimensão do projeto, mas pela sua relevância. E isso implica ter clareza de propósito, mas também disciplina e capacidade de execução. É preciso estar preparada para enfrentar momentos de incerteza, tomar decisões difíceis e desafiar modelos estabelecidos.
Aos 50 anos, muitas mulheres sentem que é tarde para arriscar, mas hoje sabemos que não há tempo certo para criar impacto. Não depende da idade, mas da capacidade de fazer perguntas diferentes e encontrar respostas que conduzam a resultados concretos.
O mais importante, no entanto, é não confundir impacto com ruído. Mudança real não se constrói com slogans, constrói-se com soluções sólidas que resistem ao tempo. No nosso caso, passa por colocar ciência, informação credível e personalização ao serviço da mulher, para que cada uma possa tomar decisões mais conscientes sobre a sua saúde, a sua vida e o seu futuro.