Quando fui desafiado pela revista Líder a escrever este artigo, do email que recebi constava a seguinte pergunta: «Quais foram as grandes decisões que influenciaram o rumo da História, das civilizações e das organizações e as suas consequências para o futuro.» Em contraponto ao tema das grandes decisões, pus-me pensar na importância das pequenas decisões para o rumo da História. O que considero aqui serem pequenas decisões? As que são tomadas numa base diária na nossa sociedade por milhares de empresas que compõem o nosso tecido económico, decisões de onde investir as poupanças tomadas por cidadãos comuns, decisão do colaborador em se comprometer a prazo com a empresa.
São decisões estratégicas, e não só, que implicam o compromisso de capital financeiro, humano, reputacional, que implicam confiança no alinhamento de interesses, mas também na avaliação de risco. Nomeadamente, as empresas tomam decisões em base contínua, que as diferentes partes interessadas esperam ser consistentes com o observado e/ou com o esperado. Os investidores, por exemplo, antecipam que se respeitem as premissas do seu investimento.
O contexto em que são tomadas essas decisões: por quem, seguindo que regras e processos, quem as fiscaliza, tem uma grande influência sobre a sua qualidade. Qualidade no sentido de garantir que toda a informação relevante foi considerada, que todos os cenários resultantes da decisão foram analisados e os riscos materiais antecipáveis foram discutidos. Um bom governo disponibiliza à empresa uma infraestrutura de forma a propiciar uma melhor qualidade na tomada das pequenas decisões. Sejam elas de dia a dia, ou estratégicas e, apesar de poderem ser grandes para a empresa, pequenas para o seu entorno económico e social. É no acumular destas pequenas decisões que se constrói a economia de um país. Por isso o bom governo é tão relevante. Porque é escalável! Os princípios estão lá, as boas recomendações estão identificadas e podem ser utilizadas por incontáveis empresas em milhares de decisões diárias que servem de base para o funcionamento da nossa economia.
A exceção histórica da Grécia antiga
No seu livro The Rise and Fall of Classical Greece, o professor Josiah Ober, da Universidade de Stanford, começa por explicitar que durante milhares de anos da História, até ao século XVIII, o grosso da Humanidade vivia sob a autoridade de autocratas que proclamavam uma relação privilegiada com o divino, e em níveis próximos da sobrevivência. Os autocratas eternizavam-se no poder extraindo os excedentes dos seus súbditos e distribuindo-os pela coligação no poder. O autor identifica a Grécia antiga, de aproximadamente 1000 a 300 antes de Cristo, como uma exceção histórica em que se testemunhou o desenvolvimento de uma classe média com capacidade de produzir excedentes para vender no mercado, o que lhe permitia consumir bens que não de primeira necessidade. Atribuiu esta excecionalidade da Grécia antiga à criação de instituições que defendiam os cidadãos do confisco dos seus excedentes pelos mais poderosos.
Garantindo incentivos para que pudessem empreender, inovar e investir em segurança graças à existência de regras claras de proteção da propriedade, de funcionamento dos mercados e na aplicação de leis conhecidas e estáveis. Por oposição a sociedades em que não existiam proteções suficientes contra o confisco por parte de insiders.
Este é um exemplo histórico da importância da criação de uma infraestrutura escalável de proteção da tomada de decisões e, portanto, de tomada risco por parte dos empreendedores, dos investidores, dos empresários.
Boas práticas de governo corporativo
O estabelecimento de boas práticas de governo corporativo tenciona, igualmente, disponibilizar para as empresas uma infraestrutura que permita aos investidores e outras partes interessadas na empresa sentirem-se defendidos quando estabelecem relações com a mesma para o longo prazo, sejam estas de investimento, laborais, de crédito, de fornecimento de produtos ou como clientes. Quando vou ao meu banco, à procura de um produto de investimento, fico mais tranquilo quando sei que o banco vai oferecer um produto dentro de certas regras de ética e passando certos crivos de controle interno que me defendem de ser espoliado do meu capital. O investidor no capital de uma empresa também fica mais tranquilo sabendo que existem mecanismos que o protegem de possíveis tentações, por parte da gestão, de desviar parte dos fundos obtidos para os seus projetos pessoais.
Esta infraestrutura permite dar uma maior segurança aos agentes económicos nas suas pequenas decisões diárias, que em acumulado facilitam uma economia mais dinâmica, inovadora, empreendedora. Na sua declaração de princípios, o Código do Governo das Sociedades do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) afirma que «o governo das sociedades promove e potencia a prossecução dos respetivos interesses de longo prazo (…), bem como o desenvolvimento sustentável da comunidade em que as sociedades se inserem (…)».
O governo das sociedades explicita a organização dos órgãos de tomada de decisão das empresas, da sua relação com os acionistas, a importância da existência de mecanismos de fiscalização, de avaliação de desempenho dos decisores, de controle interno e a disponibilização de informação fidedigna. De forma permitir que acionistas, colaboradores, fornecedores, clientes, credores e demais partes interessadas possam em confiança estabelecer com a empresa relações duradouras sem receio de confisco, com base na transparência, previsibilidade e não discriminação. Esta infraestrutura disponível para todos fortalece a qualidade na tomada de milhares de pequenas decisões, das quais depende o crescimento económico sustentável e a manutenção da paz social.
Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.