Num momento em que os indicadores mostram menos empresas criadas e mais insolvências em Portugal, há riscos que se acumulam e pesam nas empresas. Riscos financeiros, regulatórios e cibernéticos têm pautado as preocupações dos líderes empresariais, mas podem – e devem – ser vistas como oportunidades.
O painel de debate ‘O risco como oportunidade nas empresas’ reuniu na Leadership Summit Portugal vários líderes de empresas portuguesas para repensar este ponto de viragem: como deixar de ver o risco como ameaça e usá-lo como alavanca de inovação e competitividade.
Armindo Monteiro, Presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Alberto Ramos, Diretor-Geral do Bankinter Portugal, Sandra Silva, Presidente-Executiva (CEO) da Veolia Portugal e Alexandra Reis, Assessora Jurídica Sénior da Tabaqueira, subiram ao palco para debater estas questões.
O debate contou com a moderação de Pedro Brito, Diretor-Adjunto de Educação Executiva e Transformação Empresarial da Nova SBE.
Do medo à ação, a imprevisibilidade dita a agenda
A mesa começou por desmontar um equívoco frequente: os empresários não fogem ao risco; fogem, sim, à imprevisibilidade. Como resumiu Armindo Monteiro, «os empresários não têm aversão ao risco, é próprio do empresário ter uma propensão para o risco. Aquilo que não gostam é da imprevisibilidade.» A perceção de que «a qualquer momento pode acontecer tudo» nasce, explicou, menos de um aumento objetivo dos riscos e mais da sua interdependência e velocidade de difusão.
Neste terreno movediço, a preparação organizacional torna-se decisiva. Alberto Ramos vincou a fronteira entre risco saudável e risco destrutivo: «O crescimento não se consegue fazer sem risco» — mas só se o risco «não nos é estranho é que somos capazes de o identificar, de o medir», sobretudo se houver governança.
O que traça verdadeiramente a linha é o que é que nós fazemos com esse risco

Esta disciplina, apontou, é tão relevante para grandes bancos como para PME que procuram financiamento. Cabe à banca ajudar a medir e, quando necessário, dizer não — «decisões duras», mas «em favor das próprias empresas».
Mas a cultura de risco não vive apenas no Excel. Alexandra Reis lembrou que, em setores altamente regulados, liderar é assumir disrupções: «Em 2016, o CEO da Philip Morris International diz ‘vamos deixar de fazer cigarros um dia’ e vamos fazer outra coisa. Foi completamente disruptivo.» A aposta veio com 12 mil milhões de euros em Investigação e Desenvolvimento (I&D) desde 2008 e, em Portugal, 422 milhões de euros investidos em três décadas. Este risco assumido e capitalizado pode redefinir modelos de negócio — desde que a regulação não paralise a inovação.
Precisamos de modelos regulatórios que promovam esta inovação, que permitam a tomada de riscos conscientes e que não a paralisem

Inovar porque o risco existe: sustentabilidade, cadeias de valor e independência
Se o risco é inevitável, a resposta é inovação com propósito. Sandra Silva ancorou o debate na transformação ecológica. «Sempre que temos uma dificuldade resultante do risco climático, da escassez de recursos, é onde nós vemos a oportunidade para crescer», explicou.
A história da Veolia é ilustrativa — de Windhoek, Namíbia, nos anos 60, onde surgiu a primeira unidade de reutilização de águas residuais para consumo humano, ao presente, em que a transição energética coloca a Europa entre novas dependências de matérias-primas críticas. A oportunidade, disse, está em reciclar e fechar ciclos, para reforçar autonomia e resiliência.
Este pragmatismo foi transversal aos restantes oradores. Quando o risco muda as regras, a resposta não pode ser setorial: é preciso cooperação entre concorrentes, fornecedores, clientes e reguladores. «A maioria destes riscos é transversal… as soluções têm que ser trabalhadas em conjunto», insistiu Sandra Silva.
Armindo Monteiro convergiu, reforçando a necessidade de construir ecossistemas — conhecimento, equipas, financiamento e «custos de contexto» competitivos — é o que transforma ambição em matéria. E quando os negócios sobem na cadeia de valor e surgem unicórnios, o país mostra que o risco pode ser institucionalizado como prática.

Decidir na incerteza
O painel foi buscar decisões reais tomadas em contraciclo para ilustrar que arriscar com método compensa. Alberto Ramos recordou a entrada do Bankinter em Portugal em 2014, em pleno pós-intervenção da troika: um contexto adverso, reputação do setor em baixa, e a decisão de avançar, mantendo a equipa local que vinha de outra instituição. «Investir em tempos de incerteza compensa», concluiu. E deste processo, retirou a lição de que o conhecimento do mercado local e confiança nas equipas podem ser o edge decisivo.
Do lado industrial, Sandra Silva trouxe a resposta regulatória americana aos micropoluentes na água (2024), que ameaçava parte do negócio. Em vez de travagem, a empresa apostou em I&D aplicado. «Tornámo-nos a primeira empresa nos Estados Unidos a conseguir dar resposta a esta forma de tratamento», explica, referindo como se transformou um risco de compliance numa vantagem competitiva e em parcerias público-privadas.
Na Tabaqueira, a mudança de paradigma foi existencial, na questão de mudar por completo um dos objetivos. E não foi apenas retórica, foi investimento massivo, engenharia, ciência e tempo, bem como uma cultura que «traz as pessoas, é clara nas mensagens e constrói visões partilhadas». A tradução prática: cultivar um mindset onde o risco «não é só paralisante, é motor da inovação» — e mapear riscos regulatórios para que a inovação não fique bloqueada.
Armindo Monteiro acrescentou um princípio de sanidade operacional: concentrar-se nas variáveis controláveis. «Concentrarmo-nos nas variáveis que podemos influenciar é seguramente uma forma de diminuirmos o risco», referiu. E, olhando para a fronteira tecnológica, o aviso veio sem eufemismos. «Não estar a aproveitar as ferramentas da inteligência artificial é ficar a léguas da concorrência e do mercado.»

Passos para o futuro da digitalização, regulação inteligente e financiamento do risco
No fecho, o painel convergiu em três linhas de ação para o futuro. Primeiro, digitalização como prioridade incontornável — oportunidade com riscos (fraude, cibersegurança), mas inadiável para não «ficar irremediavelmente para trás» (Alberto Ramos).
Segundo, regulação inteligente, que estimule a tomada de risco consciente em domínios como fintech, IA e sustentabilidade, evitando a paralisia regulatória (Alexandra Reis).
Terceiro, financiar o risco para o converter em crescimento, como sublinhou o moderador Pedro Brito, e liderar pelo exemplo, num movimento top-down, que legitima a mudança cultural.
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