Duas peças recentes abordam de forma distinta o mesmo tema: a destruição do poder macio russo. A noção de soft power foi cunhada por Joseph Nye, um académico americano, para se referir ao poder de atração de uma nação ou organização. Existe em contraponto ao poder duro (hard), coercivo. A tese de Nye é a de que o poder duro vem dando lugar à primazia do poder macio. Os países procuram atrair (por via da cultura, do estilo de vida, da democracia), mais do que coagir.
Com a invasão da Ucrânia, Putin move-se em contramão, com efeitos previsíveis. A guerra, essa está perdida há muito tempo, com o fracasso do blitz destinado a colocar um fantoche em Kiev. Agora, trata-se de mitigar as perdas e de proteger a face. Mas, mesmo com uma sequência de ganhos militares no terreno, a face está perdida: “a promessa de um futuro de dor (…) e um futuro de vergonha” parece inescapável, segundo Michel Eltchaninoff, em entrevista ao jornal Público. No Financial Times, o analista Ivan Krastev alinhou pelo mesmo diapasão, defendendo que Putin reduziu a cinzas o poder macio russo. O “mundo russo”, expresso pela língua e uma certa continuidade cultural entre Moscovo e o antigo bloco soviético, foi feito em pedaços.
Putin não apenas fez da Rússia um estado-pária: fez da grande nação das artes e da cultura um país que terá de viver, doravante, com a culpa da agressão injustificada, de um imperialismo doentio, de uma brutalidade selvagem. Não era isso a que associávamos a Rússia antes de Putin, mas tragicamente, além de ceifar vidas e de semear destruição, Putin fez da Rússia um poder coercivo, destrutivo, ameaçador. Nada que seja alvo de grande procura internacional nem fonte de atração, exceto para os apaniguados.