O resultado da investigação, estudo e pesquisa científica suporta e valida o processo decisório. No limite, uma decisão menos popular passa a ser legitimada pela Ciência, conferindo–lhe a sua própria fundamentação. Elvira Fortunato define-se como uma cientista-artista, movida pela razão, intransigente na sua liberdade, ultrapassa todos os limites na bancada do laboratório. Obstinada, corajosa e resoluta, só admite como erro atroz cortar o investimento em Ciência e Investigação. Uma mulher larger than life. Expressão que não encontra tradução no português, perfil que não tem percurso idêntico em Portugal.
Elvira Fortunato apresenta uma panóplia de skills, realizações e marcos de excelência, desde a sua capacidade de captação de financiamento, que ultrapassa os 78 milhões de euros, à participação em mais de 200 projetos de investigação, até ao facto de a Mattel ter-lhe dedicado uma Barbie.

Tal como um jogador de elite, numa Champions League, o seu overall score baseia-se em valências de uma multidimensionalidade que vão para além do remate à baliza. O paralelismo com a liga milionária é a própria que o faz quando se refere ao tipo de Ciência em que trabalha e ao mundo onde se move, competitivo e aguerrido. Mas também já esteve ‘do outro lado’, tendo sido, entre 2022 e 2024, Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Doutorada em Microelectrónica, foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro transístor de papel com trabalho na área dos óxidos da eletrónica transparente.
Foi no ‘seu’ Laboratório Associado i3N, no Campus da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, na Caparica, que recebeu a revista Líder. Com esta equipa já ganhou 12 projetos do European Research Council (ERC), o que representa 30% do volume das bolsas do ERC de toda a Universidade. Professora Catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, aquando deste encontro estava a concorrer ao cargo de Reitora da mesma instituição. Mulher visionária, após fundar o CENIMAT, atual Laboratório i3N, lançou na área da nanocaracterização avançada o NANOVA. A sustentabilidade é o ADN do laboratório, uma obsessão que tem o gosto de repetir, além do prazer de levar os materiais ao limite e de estar na «crista da onda». Sempre um passo à frente.
Selecionada, em 2022, como uma das 27 mulheres mais inspiradoras da Europa, foi também galardoada com o Prémio Pessoa em 2020. Elvira Fortunato diz-se cientista-artista na busca da perfeição e na defesa da sua liberdade científica «à prova de bala» e que «não está à venda». Uma cientista que trabalha numa liga milionária, sem mercado de transferências – recuperando a analogia com os jogadores de futebol. Elvira Fortunado é parte do património intelectual e capital científico português, profissional que decidiu ficar em Portugal e desenvolver a Ciência e os novos talentos, a quem simplesmente aconselha que sejam felizes.
Começo por perguntar o que é um transístor de papel?
Um transístor é usado em qualquer equipamento eletrónico, este é como um switch, que liga e desliga, como um interruptor, que deixa, ou não, passar a corrente. Para fazer transístores temos de ter materiais, podemos ter mais, mas no mínimo são três. Costumo fazer uma analogia com um bolo, onde também preciso de três ingredientes: ovos, açúcar e farinha. Num transístor também tenho três materiais; os materiais que conduzem eletricidade, os isolantes e os semicondutores, como o silício. Nós não usamos o silício, mas o óxido de zinco, que é um material sustentável, usado, por exemplo, nos cremes e protetores solares. No caso do transístor de papel, o material isolante é o papel e faz-se como se fosse uma fotocópia frente e verso. Num dos lados da folha de papel deposito o material metálico, no outro o semicondutor, e assim tenho um transístor. É um bocadinho mais complicado, mas de uma forma muito simples é isto.
Sabia que queria ser engenheira, mas não projetou muito a sua vida. As decisões que tomou ao longo da sua carreira foram planeadas ou aconteceram por acaso?
Não foram muito planeadas, talvez aquilo que eu tenha planeado mais na minha vida profissional foi, exatamente, entrar para a Universidade e ser engenheira, depois, o resto, acabou por ser o desenrolar dessa caminhada. Não queria ser cientista, ou professora universitária. Durante o meu percurso académico, ainda como estudante, começaram a aparecer essas oportunidades que acabei por agarrar, como ser convidada para monitora. A partir daí, e ao trabalhar num laboratório de investigação, descobri que gostava e era realmente aquilo que queria fazer, e nunca mais terminei até hoje.
No seu percurso quais são as diferenças no processo de tomada decisão, entre um ambiente universitário e político?
São áreas completamente diferentes. Tenho uma paixão muito grande por aquilo que faço e quando fazemos o que gostamos, geralmente as coisas funcionam bem. Digo aos meus alunos que dá muito mais trabalho fazer mal feito, do que fazer logo bem desde início.
A parte profissional é uma paixão, não só ensinar, como conseguir ‘transformar’ parte dos alunos que passaram pela minha sala e pelas minhas mãos. Por outro lado, não escolhi ser política, foi devido às minhas qualidades profissionais, na área da Ciência, que fui convidada por António Costa para integrar o Governo de então. E como sou uma pessoa que não faz planos – nunca pensei que viria a ser ministra, nunca! – gosto de desafios, de me desafiar, e aceitei. Na área da investigação científica, em que trabalho, gosto de estar a trabalhar nos limites, seja nos limites dos materiais, ou daquilo que eu faço.
Gosto muito de estar a trabalhar na crista da onda, mesmo lá em cima.
Não volto a repetir, mas gostei, porque é uma coisa completamente diferente.
Qual é a sua relação com o risco, consequentemente, com o potencial erro?
Dou-me muito bem, não é um problema. É muito normal que exista o erro na área da investigação aplicada, experimental e de laboratório. Já tivemos mais do que um caso em que a atribuição de um prémio Nobel, não em todos, como é evidente, vem de um erro. Às vezes, é aquele bocadinho que falta para se conseguir chegar a qualquer coisa, a qual já se andava à procura há muito tempo.
Há um caso particular, na atribuição de um Nobel da Química, em que um aluno chinês, ao tentar reproduzir uma experiência de um artigo, por dominar mal o inglês, engana-se numa pesagem de um reagente, e isso resultou em termos hoje materiais plásticos condutores. Na brincadeira digo aos meus alunos: «Errem», não há problema nenhum em errar, porque às vezes os erros podem trazer coisas muito interessantes. Mesmo o risco, ou quando as coisas não correm bem, quando apresento uma proposta ou um projeto, se não ganhei, não fico chateada. Volto a submeter noutra altura, não fico aborrecida com isso.
E a intuição, ela existe?
Sim, existe e eu acho que tenho tido alguma. Diz-se que é um ‘faro’. Na investigação científica, que também é muito competitiva, não trabalhamos a nível nacional, mas internacionalmente. Trabalhando numa área muito competitiva, temos de estar a inovar; eu costumo dizer que trabalhamos na Champions League, não estamos na terceira divisão. Para jogar na melhor liga do mundo temos de ir evoluindo, às vezes mudando de rumo, sempre na nossa área, mas indo para um lado ou para o outro.
Vivemos muito em função dos financiamentos para a investigação, em particular os europeus, e, por vezes, as chamadas europeias estão alinhadas com decisões que a própria Comissão faz, em que se deve ir mais para este ou para aquele lado. Acho que também tenho tido alguma sorte, pois tenho investigado em áreas de sucesso a nível internacional e com muito impacto. Desde os transístores em papel, os óxidos, que são parte da tecnologia dos mostradores dos telemóveis, que são a base dos OLED, desenvolvidos aqui em Portugal, em que temos patentes com a Samsung, na Coreia do Sul. Até conseguirmos transformar a superfície da cortiça em grafeno, e tudo isto através de tecnologias sustentáveis em que tenho sempre a preocupação de trabalhar com materiais abundantes na Natureza e não tóxicos. Aliás, em 2008 fazemos o transístor de papel e só em 2015 a ONU lança os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em que há um alerta internacional para este assunto.
A tomada de decisão em contexto científico envolve tanto as escolhas do método como as hipóteses a investigar, os instrumentos, as questões éticas e institucionais. Até onde vai a objetividade científica e quando interferem os interesses e valores do próprio?
Do ponto de vista ético, trabalho numa área que não tem tantas limitações como aquelas das Ciências da Vida, porque não trabalhamos com animais, por exemplo. Aliás, a minha filha está a fazer o doutoramento nessa área e, portanto, não são barreiras, mas são princípios que têm de ser garantidos. Na minha área, em particular, não tenho essas limitações.
Mas existe um impacto das escolhas que faz, até com uma responsabilidade para as gerações futuras.
Sim, mas como disse, a sustentabilidade é a minha espinha dorsal, portanto tudo isso acaba por estar balizado à partida. Quero fazer o transístor de papel, é um material sustentável, de origem renovável. Portanto, à partida, eu balizo logo muito, porque tenho esse ‘chapéu’ por cima do laboratório que é o da sustentabilidade. Qualquer aluno que chegue ao final de uma tese de mestrado, ou de doutoramento, tem de fazer uma análise de custos, tem de saber quanto é que custa. Não há ninguém que não queira que aquilo que esteja a ser feito na bancada do laboratório não passe para o outro lado, para a indústria. Mas saber o custo desse passo é extremamente importante, e eles têm de ter essa preocupação.
Fala em “trabalhar nos limites”, e muitas descobertas decorrem nesses limites da incerteza, entre uma hipótese mais arriscada, promissora, ou uma linha mais segura. É um dilema que acontece?
Isto não é nada contra os homens, mas as mulheres são mais multitask. Eu sou muito mais produtiva quando tenho a minha cabeça mais ocupada, quando tenho mais assuntos. Com mais assuntos nas minhas caixinhas, eu consigo fazer melhor. Por isso, gosto de trabalhar nos limites.
E quando está na bancada, no laboratório, o que a puxa mais?
Eu arrisco, sem dúvida!
Falou também do financiamento, que é fundamental e torna a decisão não só individual, mas também institucional, pois depende de uma série de contextos. Qual o peso desse condicionamento?
A nível nacional, o nosso financiamento vem da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que apoia, sem limites, toda e qualquer investigação fundamental aplicada. A nível da Comissão Europeia, tirando o ERC, temos as chamadas do Horizonte Europa, que são mais temáticas e às quais temos de nos adaptar. E isso é fundamental, não temos um pote com moedas de ouro de onde podemos tirar o que quisermos, o financiamento não é ilimitado. Temos de trabalhar em áreas que para a Europa também sejam importantes, porque esse dinheiro vem dos nossos impostos. Todos pagam esta investigação, e nós trabalhamos para quem nos paga e financia a investigação.
As decisões humanas não seguem uma racionalidade perfeita, porque têm limitações cognitivas e contextuais. Na Ciência tenta-se essa perfeição?
Tentamos, sim. Eu costumo dizer que os cientistas são como artistas, eu acho que também sou. Sou uma artista, porque nós buscamos a perfeição, ou seja, no caso do transístor, eu quero que tenha o melhor desempenho possível, a maior mobilidade, as melhores características elétricas. Também procuramos a perfeição dentro daquilo que investigamos, daí eu associar muito os cientistas e os artistas. Até, se calhar, têm mais em comum do que aquilo que à partida se possa pensar.
David Hume fala da “razão como uma escrava das paixões”. Para se chegar a uma boa decisão, como é que um cientista lida com os desejos e com os sentimentos?
Em termos de objetivo final há coisas parecidas, mas a forma de decidir é diferente. Eu aqui sou muito racional, em termos de investigação científica é a razão que impera. Posso gostar muito de uma coisa, mas é a razão tout court. Mas não quer dizer que não tenha, como disse, um paralelismo entre um cientista e um artista, não em termos da decisão, mas em termos do objetivo final, do querer fazer, do querer atingir.
Enquanto ministra, teve de lidar com a necessidade de manter um plano de ação e deliberação, em simultâneo com a pluralidade e o julgamento político. Como lidou com isso, mantendo-se uma pessoa de pensamento livre?
Eu integrei o Governo como independente, não estando ligada ao Partido Socialista, tendo, por isso, mais liberdade. E antes de responder concretamente a esse ponto, houve uma experiência que tive e que foi muito importante. Quando Carlos Moedas foi Comissário Europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, criou um grupo de sete cientistas, ao qual eu concorri, fui selecionada e desempenhei esse papel durante cinco anos (não em full time).
Esse grupo de conselheiros científicos reúne investigadores e dados concretos de áreas particulares, faz e apresenta relatórios com uma série de recomendações ao comissário respetivo, das diferentes áreas. Um dos primeiros trabalhos foi um estudo dos automóveis a combustão, e das respetivas medições das emissões de CO2 em termos reais. Isto é muito importante, porque ajuda a que se possa decidir de uma forma justa; acima de tudo, quando não sendo medidas fáceis de digerir, sejam baseadas em evidência científica.
Isto é, mesmo que seja uma medida menos popular, ela acaba por estar validada pela Ciência. Isto deu-me alguma ‘bagagem’ em fazer uma aproximação entre a Ciência e as decisões políticas, baseadas em evidência científica. Aliás, a propósito da época dos fogos, enquanto estive no governo, em conjunto com o Ministro da Administração Interna, reuni não só com cientistas, mas com investigadores de outras áreas. Há um relatório feito, não é preciso fazer mais relatórios! Sabemos muito bem o que devemos fazer antes, em termos de prevenção, durante e depois do fogo. Era bom, a nível nacional, que estas práticas fossem implementadas.
Sempre que o Governo precisa de tomar decisões, que estas sejam feitas com base em números, em dados e com base em evidência científica.
Quer dar exemplos dessas medidas?
Uma das medidas foi atualizar a fórmula de financiamento das instituições de Ensino Superior, que não era revista há 10 anos, outra foi antecipar a divulgação dos dados do concurso nacional de acesso às universidades para o final de agosto.
Em conjunto com os Reitores e Presidentes, propus, de uma forma voluntária, a que todos aderiram, que cada curso disponibilizasse 2% das suas vagas para colocar alunos do escalão A da ação social, com bolsa, que mesmo tendo capacidade, nunca poderiam ter 18 ou 19 valores para ingressar em cursos de excelência, como Engenharia Aeroespacial ou Medicina. Na parte da Ciência, existia uma grande precariedade com os investigadores, havia muitos bolseiros sem contratos, e através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) desenvolvemos um programa em que, pela primeira vez, se financia contratos permanentes para investigadores que queiram ir para a carreira docente.
Não faz planos e gosta de desafios. A sua passagem pela vida política foi um desafio, mas não faz tensões de regressar. Para si, já não é um desafio?
Na vida temos de fazer opções, agora tenho outro desafio que é ser Reitora da Universidade Nova. Não sei se vou conseguir, mas estou a fazer tudo para ser. Mas, repare, uma das minhas bandeiras é a burocracia e nós temos um excesso de burocracia muito grande. É uma nuvem grande, tóxica, passam os governos e ela mantém-se.
Mudar isso, não é que não se consiga, porque a palavra “impossível” não faz parte do meu vocabulário, nem existe no meu laboratório, mas é difícil e é preciso ter tempo.
Eu ainda consegui mudar algumas coisas, mas há outras que são difíceis. Aliás, vemos o que está a acontecer todos os dias, em várias pastas, de vários Ministérios, e isso é difícil de mudar. Não quer dizer que não seja uma desistência da minha parte, mas demora tempo e tem de haver vários esforços. Uma das coisas que tive muita pena, e que eu acho ser muito bom para qualquer governo, seria os ministérios trabalharem mais em conjunto. Trabalham, em parte, de forma isolada, em silos, e depois, como estão em sítios diferentes, ainda pior.
No caso de ser eleita Reitora deixa de dar aulas?
Deixo de dar aulas, sim, como deixo de estar no Laboratório. Deixar de estar em investigação ou de orientar os alunos, não necessariamente. Aliás, sempre gostei muito de orientar alunos, não só cientificamente, mas em termos pessoais. Sou mãe, eles não são meus filhos, mas nós passamos tanto tempo juntos que eles acabam por ser um bocadinho de nós. E o sucesso deles é o nosso sucesso. Gosto de os encaminhar para a sua vida futura, e nessa vertente, nesse contato com os alunos, gostava de manter, pois acho que acabo por deixar uma marca positiva.
Antes de tomar uma decisão, como conseguem os líderes equilibrar a necessidade de agir rapidamente ao mesmo tempo que ponderam diferentes perspetivas?
Depende das áreas, mas é cada vez mais importante as empresas trabalharem em conjunto com a Ciência. Aliás, veja o que aconteceu aos países que mais investimento têm feito nessa área, como no caso da Bélgica, e depois o caso da China que está a investir brutalmente em Ciência de qualidade. As empresas têm de ter esta ligação, tal como outra coisa que eu promovo muito, que é a ligação entre as regiões e os municípios, para fazer territórios, áreas de ensino superior e de investigação científica.
E quanto aos erros, que erros devem os líderes evitar quando tomam decisões relevantes?
À partida, quando tomam decisões devem achar que são boas, e que não erram. Eu acho que deixar de investir na Ciência é um erro grave. Não me queria estar a pronunciar sobre esta última decisão, ou proposta, sobre a extinção, ou a fusão da FCT e a Agência de Inovação com a qual, pessoalmente, não concordo.
A nível europeu, e na maioria dos outros países, há sempre duas agências, uma para a Ciência e outra mais ligada à Inovação e empresas, e acho que isso é fundamental. O facto de o Ministério da Ciência deixar de tutelar a 100% aquela instituição, é uma perda. A Ciência é que perdeu, não foi a Economia que ganhou. É muito importante que exista uma agência direcionada para a área da Ciência e outra para a área da Inovação. Isto não é ‘ciência de foguetão’, é aquilo que a Comissão Europeia faz, há o European Research Council e o European Innovation Council. Há duas estruturas, elas estão separadas, exatamente porque há conflito, e a Ciência deve ser o mais livre possível, pois os graus de liberdade não têm nada a ver.
Isso lembra-me o artista, que é um ser muito livre.
É como nós. Aliás, uma das coisas que me dá mais gozo é a minha liberdade científica.
Eu não tenho ninguém de cima para baixo a dizer: «Tens de investigar isto». Eu investigo aquilo que eu quero. É evidente, tenho de ter financiamento e, por vezes, tenho de ir à procura, mas sou livre de investigar aquilo que eu quero. A minha liberdade científica é intocável, à prova de bala e não está à venda. Daí ser muito semelhante à dos artistas.
Em relação à investigação científica que é feita em Portugal, que desafios considera urgentes para o futuro próximo?
É evidente que é urgente investir mais. Há uma meta lançada, um objetivo europeu de chegarmos a um investimento de 3% do PIB até 2030. Neste momento estamos com 1.7%, ainda faltam cinco anos, pelo que ainda temos de ‘dar muito aos sapatos’. Por outro lado, é necessária alguma ‘arrumação’ em termos científicos. Isto é, após o 25 de Abril, a meu ver, o sistema científico nacional cresceu bem, talvez de uma forma um bocadinho desordenada, mas hoje temos uma série de instituições a nível nacional, desde laboratórios associados, colaborativos, unidades de investigação, centros de tecnologia e interface, entre outros.
Precisávamos de alguém que viesse de fora e olhasse para Portugal, ao fim de 50 anos, fizesse um estudo na área da organização científica e nos desse umas recomendações. Não têm de ser seguidas, mas para quem decide, pode fazê-lo de uma forma imparcial com base numa avaliação feita por estas organizações, tipo OCDE, que estão habituadas a fazer isto no mundo inteiro.
De que forma a Inteligência Artificial vai afetar a maneira como decidimos e tomamos decisões?
Sou uma ‘aprendiz de feiticeira’ e preciso de aprender porque não estou ainda por dentro dessas novas tecnologias. Digo aos meus alunos, e aos meus colegas, «não vamos ficar mais inteligentes, mas muito mais eficientes», e é isso o que todos queremos. Sou totalmente a favor das novas tecnologias, em todas as áreas, mas mais do que isso, temos de aprender e de ensinar. Há escolas que estão muito à frente, e noto que nem todas as instituições estão a capacitar os seus alunos, o seu staff, e professores, e as universidades têm de estar na vanguarda do conhecimento.
Que conselhos gostaria de deixar aos seus alunos e aos jovens que estão a iniciar uma carreira profissional?
Tive um diretor, na minha Faculdade, que dizia uma frase lapidar: «Há uns que choram e outros que vendem kleenex». As situações trazem desafios e oportunidades. Sabemos que com a IA há muitos empregos que vão deixar de existir, mas há outros novos que vão aparecer.
Temos de ter a mente aberta, estar abertos para o futuro, bem informados. Um recém-aluno, quando sai da universidade, pode não conseguir logo amanhã, ou nos meses seguintes, mas que siga os sonhos, que tente sempre fazer aquilo de que gosta. Não é só a parte monetária, é a parte de ser feliz.
Tenho uma filha com 28 anos, e mesmo nos meus alunos, noto que esta geração não está muito preocupada, como a minha, em ter um emprego para a vida. Quando sabem que têm potencial, se não estão bem naquela empresa, mudam, e até podem ganhar menos, mas querem muito o seu bem-estar. É um paradigma diferente do nosso. Têm uma noção do prazer da vida diferente daquela que eu tive, ou que tenho. Não sei se isto está relacionado com o meu ecossistema, ou se é um bocadinho transversal, mas noto isso. Não estão preocupados em ter um emprego para a vida, porque facilmente transitam. Gostam acima de tudo da sua felicidade. É isso que eu lhes digo: «Sejam felizes!».
Fotografias: Joaquim Morgado
Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.