António Pedro Pinto quer fazer de Portugal um território mais feliz para viver e trabalhar. Preocupado com os índices de depressão e burnout do nosso país acaba de criar a Associação Happiness Camp.
Neste momento, tem em mãos os preparativos da 3.ª edição da conferência Happiness Camp, já no dia 17 de setembro, na Alfândega do Porto, onde são esperadas 15 mil pessoas de 50 nacionalidades.
Em entrevista à Líder, o Presidente da Associação Happiness Camp e co-fundador e CEO do Happiness Camp desvenda o que está a pensar fazer para alterar o atual paradigma do mundo corporativo, onde o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores são, muitas vezes, desvalorizados.
A Happiness Camp é uma das grandes conferências sobre felicidade corporativa da Europa e é já no dia 17 de setembro. O que é esperado desta 3.ª edição?
Estamos a preparar uma série de novidades que irão tornar o evento ainda mais significativo. Desde logo, esperamos receber 15 mil participantes de 50 nacionalidades, criando um ambiente verdadeiramente global e inclusivo, pelo que será, seguramente, uma excelente oportunidade para a troca de ideias e para a criação de redes de contacto com outros profissionais que estão alinhados com este mesmo propósito – fazer com que a felicidade seja uma constante na vida das empresas e de quem nelas trabalha.
Promovemos, mais uma vez, a emissão de um certificado de formação oficial de oito horas, acreditado pela Happiness Business School, para todos os participantes e criamos diferentes áreas na conferência, que vão além da transmissão de conhecimento e formação – como os palcos e a área de masterclasses – e que promovem uma verdadeira experiência imersiva em felicidade, desde uma área totalmente dedicada ao networking através da realização de atividades de teambuilding e icebreakers, um espaço onde se vão realizar atividades lúdicas com o objetivo dos participantes experienciarem momentos que potenciam o bem-estar, ajudam a reduzir stress e promovem a felicidade como sessões de mindfulness, yoga do riso e, ainda, trazemos novamente para o Norte de Portugal um projeto artístico internacional, o Dopamine Hub, cujo propósito passa pela implementação de instalações artísticas que promovem a produção de dopaminas. Tudo isto torna o Happiness Camp mais do que uma conferência, mas sim uma verdadeira experiência e aprendizagem de sustentabilidade humana numa perspetiva holística.
Quais são os destaques e o valor acrescentado deste ano?
Um dos destaques será a agenda dos dois palcos principais que fazem parte do evento – o Happy Stage e o Joyful Stage powered by Vestas – onde oradores de excelência partilharão as suas experiências e conhecimentos sobre esta matéria. Vão estar presentes representantes e decisores de grandes empresas e organizações como a Netflix, o LinkedIn, a Google, a Indeed, a Spotify, a Headspace e a Coca-Cola, oferecendo uma perspetiva única e internacional sobre o que é a sustentabilidade humana numa perspetiva holística, abordando temas como a cultura organizacional, a liderança, a inovação, a comunicação, o bem-estar, a diversidade, a equidade e inclusão, entre muitos outros.
Além disso, a agenda conta, também, com os “Happiness Labs”, que são sessões mais técnicas que proporcionarão ferramentas práticas para aplicação imediata nas realidades profissionais dos participantes. Nestas sessões, serão explorados casos práticos sobre diferentes áreas relacionadas com o tema da sustentabilidade humana, entre as quais se destacam, por exemplo, a linguagem corporativa inclusiva, as estratégias de marketing em termos de recrutamento, os benefícios do colaborador e o que torna o ambiente profissional mais saudável e seguro.
Este ano, a conferência irá ter, ainda, duas áreas dedicadas ao desenvolvimento de soft skills – o
“Playful Pitstop” e o “The Business Club” – onde os participantes poderão enriquecer as suas competências e conhecimentos sobre temas tão pertinentes na esfera laboral como a eficácia em comunicação, trabalho em equipa e construção de relações interpessoais.
Recentemente criou a Associação Happiness Camp. Como é que surgiu a ideia?
A Associação Happiness Camp tem como missão criar um território mais feliz para viver e trabalhar, com um foco especial em Portugal, onde os índices de depressão e burnout são preocupantes.
Enquanto owner do projeto Happiness Camp procuramos impulsionar a investigação científica na área de sustentabilidade humana, de modo a compreendermos a psicologia por detrás desta área.
Trabalhamos em conjunto com várias instituições de renome, como a IE University of Madrid, com quem estamos a colaborar num estudo sobre o impacto da inteligência artificial nas relações interpessoais, e como o IPAM, com quem conduzimos pesquisas sobre a humanização da marca e o storytelling da psicologia positiva.
O que é que já têm delineado para a promoção de um território mais feliz para viver e trabalhar?
Além de uma conferência anual, de acesso 100% gratuito e público, no qual se adquire o conhecimento e as ferramentas necessárias para trabalhar a felicidade pessoal e desenvolver boas práticas de sustentabilidade humana nas empresas, procuramos incrementar a investigação científica sobre o tema para que possamos impulsionar o seu desenvolvimento futuro. Trabalhamos em colaboração com diferentes instituições académicas e centros de investigação, como a IE em Madrid ou o IPAM no Porto, para compreendermos quais as tendências futuras no mundo corporativo, o impacto que o desenvolvimento tecnológico como a inteligência artificial tem nas relações interpessoais, qual o impacto da humanização da marca e do storytelling da psicologia positiva, entre outros temas.
Acreditamos que a ciência e a investigação na área da sustentabilidade humana são fundamentais para o futuro das organizações e, que, através deste conhecimento, o seio corporativo no território terá ao seu dispor conhecimento fulcral para criar ambientes de trabalho seguros, saudáveis e sustentáveis, onde os colaboradores são verdadeiramente felizes a trabalhar. Se conseguirmos alinhar as organizações do território com esta visão e missão, conseguiremos transformar o território do Norte de Portugal numa verdadeira capital de felicidade.
Mas focamo-nos também na implementação prática dos nossos conceitos. Um exemplo disso é o modelo próprio de felicidade que criámos no Lionesa Business Hub, conhecido como Lionesa Happiness Pyramid. Este modelo, que foi desenvolvido com base em vários estudos científicos e adaptado à realidade do centro empresarial, recebeu o prémio nacional de sustentabilidade social atribuído pela Deloitte e pelo Jornal de Negócios. Temos orgulho em apresentar este caso de estudo em diversas universidades pelo País, especialmente para estudantes da área de recursos humanos, como um exemplo prático de como a felicidade corporativa pode ser trabalhada de forma eficaz. Além disso, já oferecemos mais de 100 cursos de formação para Happiness Managers, alcançando mais de 80 empresas no território.
Todos os meses, mais de 45 milhões de pessoas pesquisam no Google “Como ser feliz?”. Surgem cerca de 4 mil milhões de resultados. Ainda assim, a maioria não consegue ter uma vida mais feliz. O que é que nos está a escapar a todos?
O maior desafio na promoção da felicidade corporativa é, sem dúvida, a sua desmistificação, bem como a integração sustentável e contínua das práticas de bem-estar nas organizações. Muitas vezes, as empresas implementam mudanças superficiais sem um compromisso real com a transformação cultural necessária para criar um ambiente de trabalho saudável.
Digamos que não é por instalar mesas de pingue-pongue num local de trabalho que os colaboradores vão robustecer o seu bem-estar. A resistência à mudança, a falta de conhecimento sobre a importância da saúde mental e a ausência de uma liderança que valorize o bem-estar e a experiência dos colaboradores são obstáculos significativos que impedem a promoção da felicidade corporativa.
Sem essa preocupação, e sem medidas concretas que a promovam, as pessoas não vão conseguir ter uma vida mais feliz e mais equilibrada.
O que falta fazer nas empresas em Portugal?
No que diz respeito à felicidade corporativa, é importante que as empresas sejam proativas e implementem medidas concretas. A cultura dentro das empresas e organizações deve promover uma experiência positiva ao colaborador, que incentive a formação e a adoção de modelos de liderança que valorizam a sustentabilidade humana e que se adaptem, sobretudo, às diferentes gerações.
É importante, ainda, que as empresas apostem na criação de programas de bem-estar, que incluam apoio psicológico, promoção da atividade física, momentos de relaxamento e de relacionamento entre os colaboradores que estimulem as relações interpessoais.
É fundamental que as empresas sensibilizem os gestores e os colaboradores sobre a importância da saúde mental, o papel que a liderança deve ter no novo cenário corporativo, a preocupação com a diversidade, equidade e inclusão, através de formações contínuas e da criação de uma cultura organizacional que valorize esta realidade. Só através destas políticas e do incentivo às pausas regulares, férias adequadas e um ambiente de trabalho positivo, é possível contribuir para que os colaboradores sejam mais felizes no seu local de trabalho.
A felicidade é lucrativa para as empresas?
Sem dúvida. É uma aposta ganha para todos. Quando as empresas colocam o bem-estar dos seus colaboradores no centro das suas estratégias, criam um ambiente de trabalho onde a sustentabilidade humana é uma prioridade, e isto significa, em termos práticos, que as necessidades físicas, emocionais e psicológicas dos colaboradores são tidas em conta.
Aos estarem mais satisfeitos, os colaboradores têm menor probabilidade de adoecer e faltar ao trabalho, reduzindo assim o absentismo e os custos que esta realidade representa para as empresas e para o Estado. E, ao estarem satisfeitos, há uma maior retenção de talento, o que se reflete numa vantagem estratégica muito significativa para as empresas, já para não falar em produtividade e sentimento de pertença e entrega às organizações.
E não existindo uma receita que permita alcançar a felicidade, existem algumas práticas que se têm mostrado eficazes em várias organizações. Quais são?
A realidade interna de uma organização que promova o bem-estar dos seus colaboradores tem repercussão para fora, isto é, permite a construção de uma sociedade mais coesa, mais resiliente e mais preparada para os desafios que a atualidade empresarial apresenta.
Existem algumas práticas que se têm mostrado muito eficazes nas organizações, tendo em vista o bem-estar dos colaboradores e das quais destacamos a adoção de horários flexíveis e a promoção e valorização de equilíbrio entre vida pessoal e profissional; a aposta em programas de saúde e bem-estar, como ginástica laboral, meditação, apoio psicológico e subsídios para atividades físicas, ajudam a diminuir o absenteísmo e a elevar a motivação.
Também é fundamental o investimento no desenvolvimento contínuo dos colaboradores, proporcionando formação e oportunidades de crescimento profissional, o que melhora as competências e faz com que se sintam valorizados e apoiados pela organização.
A cultura de reconhecimento e recompensa é igualmente vital. Reconhecer e recompensar o esforço e o sucesso dos colaboradores cria um ambiente de trabalho positivo, contribuindo para o bem-estar emocional e a satisfação no trabalho. Por fim, promover uma cultura de inclusão e diversidade, onde todos se sentem respeitados e valorizados independentemente das suas características pessoais, tem um impacto profundo no bem-estar geral. Organizações que adotam práticas de diversidade e inclusão tendem a ser mais inovadoras e a ter colaboradores mais satisfeitos. Estas práticas, quando implementadas de forma autêntica e sustentada, também contribuem para uma sociedade mais harmoniosa e preparada para enfrentar os desafios contemporâneos. Um exemplo prático disso é a empresa Staffbase, que implementa várias políticas de sustentabilidade humana para os seus colaboradores.
Entre as suas práticas, incluem-se a oferta de 30 dias de férias anuais e a concessão de folgas todas as sextas-feiras do mês de agosto, para recarregar energias. Além disso, aplicam regras de flexibilidade, permitindo aos colaboradores gerir o tempo e o trabalho de acordo com as suas próprias necessidades e níveis de produtividade.
A empresa também investe na formação dos seus colaboradores, oferecendo dois dias dedicados à formação e um orçamento de 1000€ por colaborador para ajudar no desenvolvimento profissional. Para reforçar o compromisso social, a Staffbase proporciona ainda um dia dedicado ao voluntariado, permitindo que todos possam contribuir para uma causa. Estas iniciativas demonstram o impacto positivo que uma abordagem holística à sustentabilidade humana pode ter, tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho.
Não é possível falar de felicidade sem falar em infelicidade. Quais são os erros crassos que as organizações mais cometem em Portugal?
Um dos erros mais crassos que as empresas cometem no país é a elevada pressão sobre os colaboradores, que se manifesta em longas horas de trabalho, falta de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e uma obsessão pelos resultados. Estes fatores, levados ao extremo, são propulsores de situações de burnout e depressão.
Além disso, muitas organizações em Portugal falham em proporcionar o apoio psicológico adequado quando os colaboradores mais precisam, o que se tornou ainda mais evidente com o impacto da pandemia de COVID-19. Apesar do retorno ao trabalho presencial ou em regime híbrido, muitos colaboradores ainda enfrentam altos níveis de depressão e burnout, muitas vezes mascarados pelo medo de serem vistos como menos profissionais. Este cenário pode e deve ser combatido através de políticas de bem-estar e de uma cultura organizacional que valorize a saúde mental, a segurança e a experiência dos colaboradores.
Um fator significativo que contribui para esta situação é o legado histórico de Portugal. Sendo um dos últimos países na Europa a sair de uma ditadura, a herança do autoritarismo deixou marcas profundas na cultura organizacional. A estrutura hierárquica rígida, a relutância em questionar a autoridade e a perpetuação de práticas de liderança autoritárias são reflexos deste passado. Em muitos casos, estas práticas resultam em ambientes de trabalho tóxicos, onde o feedback não é valorizado e onde os líderes não são responsabilizados pelos seus comportamentos, o que pode agravar ainda mais o burnout entre os colaboradores.
Além disso, a resistência à mudança e a adoção lenta de estilos de liderança mais participativos e empáticos têm permitido que estas práticas autoritárias continuem a persistir em muitas organizações. A pressão económica, aliada à falta de mecanismos de feedback e à escassa formação em liderança, agrava ainda mais esta situação, criando um ambiente onde o stress e o descontentamento dos colaboradores se acumulam, levando inevitavelmente ao burnout.
Para enfrentar estes problemas, é essencial uma abordagem multifacetada que inclua mudanças culturais, melhor formação de líderes, e sistemas de apoio mais fortes para os colaboradores. Sem estas mudanças, o problema do burnout impulsionado por lideranças tóxicas continuará a ser uma realidade preocupante nas organizações em Portugal.
Será a felicidade contagiosa?
Este fenómeno, conhecido como contágio emocional, ocorre quando as pessoas imitam inconscientemente as expressões emocionais de quem está à sua volta, como sorrisos ou linguagem corporal positiva. Quando alguém no local de trabalho está feliz, as suas emoções positivas podem propagar-se através das suas interações com os colegas, levando os outros a experimentar sentimentos semelhantes de felicidade e bem-estar.
Um ambiente de trabalho positivo, onde a felicidade é prevalente, pode trazer inúmeros benefícios, incluindo uma melhor colaboração, maior produtividade, menores taxas de rotatividade e um aumento na criatividade. Quando os colaboradores se sentem felizes, é mais provável que se envolvam plenamente no seu trabalho, apoiem os colegas e contribuam para uma cultura organizacional positiva.
No entanto, também é importante reconhecer que o oposto pode ser verdadeiro – emoções negativas também podem ser contagiosas, levando a um ambiente de trabalho tóxico, se não forem bem geridas. Portanto, fomentar a felicidade no local de trabalho não se trata apenas do bem-estar individual; trata-se também de criar uma cultura que promova interações positivas, reconhecimento e apoio, o que pode melhorar o desempenho organizacional holisticamente.