Comecei a escalar montanhas desde muito cedo e foi na primeira subida ao Monte Branco, com a tenra idade de 17 anos, que tomei as minhas primeiras grandes decisões. Hoje, considero que foram decisões precipitadas, fruto de um jovem com ainda pouca experiência em alpinismo. Decidi subir com mau tempo e corri riscos desnecessários, mas cheguei ao cume sem percalços de maior. Chegar ao topo de uma montanha com mais de 4807 metros é difícil, mas foi e é sempre uma sensação fantástica.
No topo do Monte Branco percebi que o alpinismo é um desporto justo e gratificante. Só atinge o cume quem se esforça e eu tinha-me esforçado muitíssimo. Tinha conseguido chegar ao topo desta montanha icónica e, para isso, tinha tomado decisões. E o mais fantástico ainda estava para vir.
Quando desci para a segurança e conforto do vale, 3500 metros de desnível mais abaixo, recebi de outros alpinistas mais experientes os parabéns. É esta a recompensa do alpinismo: desafiarmo-nos, regressar a casa bem e com estas boas sensações que eu só consigo descodificar como felicidade pura.
Entretanto vieram outras expedições e escaladas cada vez mais altas e mais técnicas. Na expedição ao Monte Evereste em 1999, a montanha mais alta do mundo, voltei a cometer erros. Não tomámos boas decisões, nomeadamente no dia de ascensão ao cume, em que a grande altitude sem recurso a oxigénio suplementar – estando literalmente na denominada ‘zona da morte’ – e a hipóxia a nível cerebral fizeram com que não tivéssemos o mesmo discernimento que temos a baixa altitude. E más decisões a estas altitudes podem ser mortais. Ainda assim, consegui concluir a expedição, apesar da minha frágil condição física.
A montanha vive-se passo a passo, decisão a decisão
A vida é um constante evoluir na tomada de decisões. É normal cometer erros, mas não é normal repeti-los. No alpinismo estamos constantemente a experimentar montanhas diferentes, com pessoas diferentes e a ter experiências diferentes, pelo que podem surgir sempre novos erros. Isto porque o alpinismo não é o Homem a conquistar montanhas, mas sim aventuras humanas nas montanhas. Por vezes, é necessário fazer um debriefing para justamente analisar o que correu bem e o que correu menos bem, e assim aprendermos com os nossos erros – de preferência sem consequências de maior!
Liderar outras pessoas na montanha exige um pouco mais de precaução. Uma coisa são as decisões que envolvem apenas o meu bem-estar, outra é tomar decisões sobre o bem-estar de terceiros e isso acarreta uma responsabilidade superior. Literalmente, a cada passo que damos estamos constantemente a rever as condições de segurança de todos e a validar os planos iniciais ou a retificá-los.
Inspiro-me pela técnica de liderança de Ernest Shackleton, que no ano 1914 encalhou o seu barco Endurance na Antártida. Posteriormente, o barco afundou esmagado pelo gelo, mas mesmo assim ele e todos os 28 membros da tripulação sobreviveram e realizaram uma viagem épica de sobrevivência de 1300 quilómetros, à vela, em pequenos barcos baleeiros até a ilha Geórgia do Sul.
Ele liderava pelo exemplo. Aprendi com esta técnica a importância de distribuir tarefas, manter a moral dos elementos da expedição e realizar o mesmo trabalho físico que peço aos colegas, para ganhar o reconhecimento e o respeito de todos. E isto para que, num momento de crise, quando for necessário tomar uma decisão, não haja necessidade de discutir muito – em certas situações, não há muito tempo para agir e quase sempre, devido à altitude, ao cansaço e ao stress, essas decisões são tomadas sem as menores condições de estabilidade emocional. Aqui vale-nos a experiência e algum instinto. Isto porque o verdadeiro desporto de aventura pressupõe que existe risco de vida e este tipo de desporto só pode ser vivido nos grandes oceanos, nas grandes regiões polares, nos grandes desertos ou nas maiores montanhas do Mundo. Às vezes, o aventureiro safa-se por um fio e emerge uma melhor pessoa e mais experiente. O ótimo é inimigo do bom e pior do que uma decisão pouco perfeita é não tomar decisão.
A lucidez do medo numa liderança eficiente
Em decisões-limite, prevalece o sentimento mais básico e elementar, que é o medo. É graças a ele que conseguimos ‘calibrar’ o bom senso e tomar as boas decisões. Na montanha, o mais importante é dar o melhor e regressar bem. O cume é apenas um ponto de retorno, um bónus, a cereja no topo do bolo!
Somos por natureza ‘animais’ sociais e tendemos a encontrar soluções românticas, decisões mais ‘politicamente corretas’. Mas, na minha experiência pessoal, de muitos anos a subir montanhas, com alguns acidentes e outras duras lições, acabei por desenvolver uma capacidade de ver os problemas de forma mais pragmática, mais nua e crua.
Será que isso me transformou numa pessoa melhor? Não sei, acho que o alpinismo tem a ver essencialmente com a eficiência. Também sei que quando estou a guiar pessoas e por vezes cruzamos vertentes que podem conter algum risco, eu não digo nada. Apenas não paro e guardo a preocupação para mim próprio. Desta forma, os restantes não sofrem desnecessariamente pois, como se costuma dizer, «a ignorância é o primeiro estágio da felicidade».
Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.